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 por Isabel Viana__



 por Taciana Oliveira__


 por Taciana Oliveira__


 por Divulgação__


por Divulgação__

por Divulgação__



por Taciana Oliveira__




por Taciana Oliveira__


Na Maciel Pinheiro, Recife. - Fotografia: Taciana Oliveira


Falar de Teresa Monteiro sem citar Clarice Lispector é quase impossível. Teresa é uma fonte inesgotável de informações sobre a escritora que ano após ano influencia gerações no mundo. Sim, todos sabemos que a obra de Clarice Lispector rompeu fronteiras e provoca abalos sísmicos na vida de leitores brasileiros e estrangeiros.

Meu primeiro contato com Teresa aconteceu no verão de 2005. Naquele mês de dezembro eu reencontrava o Rio de Janeiro, após um hiato de exatos 20 anos. Em um quiosque na Praia do Leme conversamos pela primeira vez. Começava ali a jornada para a produção de um documentário sobre Clarice, tendo como referência as crônicas publicadas no livro A Descoberta do Mundo. Indicada por Paulo Gurgel Valente, filho da escritora, Teresa vinha somar, atuando como consultora na produção, garantindo a veracidade de datas e informações biográficas. Depois de inúmeras conversas telefônicas, emails, xícaras de café e correções, ela foi finalmente convidada por mim para dividir a criação do roteiro. De lá pra cá são 14 anos de parceria traduzidos em incontáveis fotografias, passeios pontuais no Rio de Clarice, nas ruas do Recife e nas ladeiras de Olinda.

Feliz com a notícia do relançamento do seu livro pela Editora Rocco, Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice Lispector, Teresa planejou e estruturou um capítulo dedicado a passagem da escritora na capital pernambucana. Pensando nisso, no último mês de julho, ficou cerca de 15 dias hospedada no Hotel Central, localizado próximo ao casarão que Clarice morou na infância. Bem pertinho da Praça Maciel Pinheiro, da Rua da Imperatriz e da Avenida Conde da Boa Vista. Durante esse período visitou os arquivos dos principais jornais do Estado, conversou com parentes da escritora, entrevistou os escritores Raimundo Carrero e Augusto Ferraz e visitou o ateliê do escultor Demétrio Albuquerque. Aproveitou cada segundo dessa geografia afetiva, sempre pontuando dados, desenhando narrativas para mergulhar mais e mais sobre trajetória de Clarice na cidade dos mascates.

Com Demétrio Albuquerque em Olinda - Foto: Taciana Oliveira

Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice Lispector teve sua primeira edição em 1999. Na época o nome original de Clarice, Haia Lispector, seria revelado a partir de uma pesquisa de Teresa no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, assim como a carta que Clarice escreveu ao presidente Getúlio Vargas solicitando sua naturalização. Todo esse material era até então inédito. Sua biografia, que inspirou a publicação de outras biografias, há tempos era merecedora de uma reedição. E agora por ocasião do Centenário de nascimento da escritora, Teresa Montero amplia esse leque e traz ao público uma edição revista minuciosamente.
Leonina, carioca, múltipla, de um sorriso pleno, daqueles que te chamam para o abraço, Teresa é dona de uma sinceridade espontânea e corajosa. Seu ofício é praticado com uma devoção quase que religiosa. Nos últimos anos aprendi um tanto de coisas acompanhando sempre que possível sua rotina de trabalho. Sou profundamente agradecida pela oportunidade desse encontro.
E para celebrarmos na data de hoje o aniversário de Clarice Lispector, publicamos uma entrevista com a mais pernambucana de todas cariocas: Teresa Montero

Teresa Montero - Foto: Daniel Ramalho/Divulgação


por Mirada

Já existe uma data para o relançamento do livro Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice Lispector?

A Editora Rocco publicará no segundo semestre de 2020. Há 20 anos ela foi lançada e encontra-se esgotada a bastante tempo.

Poderia adiantar algumas novidades da nova edição da biografia?

São muitas. Será um novo livro. Por exemplo, trechos de depoimentos de amigos e parentes que não foram publicados na primeira edição por conta das minhas escolhas. Publicar uma biografia é fazer escolhas, também. Especialmente um material tão amplo como os depoimentos que na primeira edição foram 88; e agora o número já se expandiu. Isso vale também para documentos como correspondências e outros. A viagem dela ao Recife em 1976 também é um momento bastante importante que será mostrado. 
Na pesquisa para o filme A Descoberta do Mundo, a diretora pernambucana Taciana Oliveira descobriu essa história, aliás mostrada de forma tocante no filme. Na biografia ela tem mais espaço para se expandir.  Acredito que Eu sou uma pergunta: Uma biografia de Clarice Lispector trará novas leituras sobre esse itinerário literário. Clarice dialogou com a sua época, a ultrapassou muitas vezes e manteve uma troca fértil com o meio artístico (além do literário) brasileiro. Uma das perguntas que a biografia suscitará é o que significa celebrar o Centenário de uma mulher que se tornou uma escritora.

Entrevistando Raimundo Carrero - Foto: Taciana Oliveira


São trinta anos mergulhada no universo de Clarice Lispector. É uma emoção e uma responsabilidade trazer uma nova edição. Muitos tem se dedicado a pesquisar sua vida e obra em todos os continentes. A trajetória biográfica também promove essa união de tantas pesquisadoras, as mulheres são maioria, e os pesquisadores: nós, brasileiras, com as latino-americanas, as francesas, as norte-americanas, as espanholas e por aí vai.


Quantos anos de passeio do O Rio de Clarice? E como ele foi fundamental para a construção da obra de mesmo nome?

São onze anos. O livro O Rio de Clarice-passeio afetivo pela cidade (Autêntica, 2018) foi feito como resultado da prática do dia a dia. Desde o início imaginei que o passeio deveria virar livro, pois é uma forma do cidadão, do leitor, se aproximar dos caminhos clariceanos e do Rio de Janeiro. Quantos gostariam de fazê-lo mas não poderão vir ao Rio, ou moram no exterior?. E olhe que há casos de leitores que se deslocaram de outros países e estados para percorrerem os caminhos. E há os que curtem a leitura pelo prazer de mergulhar no roteiro de uma escritora que atravessou quatro décadas na cidade. É muito rico esse olhar. 
O Rio de Clarice é um ato político, ele não se esgota em enaltecer a trajetória de uma mulher escritora que fez tanto pelo Brasil, o passeio coloca o leitor diante da cidade. É uma travessia pelos bairros, vendo, ouvindo, sentindo o dia a dia de várias partes do Rio. Eu mesma me sinto assim a partir do momento em que criei o passeio. Acredito que O Rio de Clarice abarca várias instâncias, não estamos falando simplesmente de “adorar a Clarice Lispector", estamos exercitando a nossa cidadania à medida que conhecemos uma cidade sob diversos ângulos. Acompanhados por Clarice Lispector o passeio se torna sempre revelador e transformador. Não importa se tiver somente uma pessoa ou trinta. Já fiz um passeio para uma pessoa com chuva no Jardim Botânico. Imagina o resultado disso em nós.

Com Cristina Pereira no Espaço Clarice Lispector

Cite um texto de Clarice que traduza o nosso momento atual

A crônica Eu tomo conta do mundo publicada no Jornal do Brasil em 4 março de 1970. Há um momento em que ela diz:  Hão de me perguntar por que tomo conta do mundo: é que nasci assim, incumbida.

Será essa a missão do escritor?

Agradeço ao Mirada a oportunidade. Desejo vida longa e muita inspiração clariceana para que o Mirada leve a nossa literatura como uma ponte para andarmos por caminhos democráticos e solidários

Clarice Lispector




*Ah! Em breve novidades sobre o filme A Descoberta do Mundo. Aguardem!



Teresa Montero é professora, atriz e biógrafa. Doutora em Letras pela PUC-Rio, com a tese Yes, nós temos Clarice: a divulgação da obra de Clarice Lispector nos Estados Unidos, professora dos cursos de licenciatura em Letras e Teatro da Universidade Estácio de Sá, dedica-se a divulgar o legado de Clarice Lispector há 28 anos. É idealizadora e guia dos passeios O Rio de Clarice e O Rio de Carmen Miranda que integram o projeto Caminhos da Arte no Rio de Janeiro, criado em 2008. Organizou diversas obras de Clarice Lispector e, no campo da biografia da escritora, seu Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice Lispector (Rocco, 1999) tornou-se um trabalho pioneiro ao reunir uma pesquisa inédita com 88 depoimentos. Foi também co-roteirista do documentário A Descoberta do Mundo (2015), dirigido por Taciana Oliveira






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Taciana Oliveira é mãe de JP, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.

por Taciana Oliveira__


O Mirada comemora seu primeiro aniversário entrevistando Christiane Angelotti, fundadora do portal Para Educar, editora e curadora da Revista Gueto. Christiane acredita na leitura como um um instrumento fortalecedor da inclusão social e afirma: Acima de tudo, ler é um ato político. É um despertar. 


Divulgação por Fredy Antoniazzi__

A Coleção BH. A cidade de cada um comemora 15 anos, recontando a história da capital com o livro Arraial do Curral del Rei






A poeira das obras que ergueram a nova capital de Minas Gerais no século XIX ainda encobre a história sofrida do povoado que lhe deu origem. Este é o tema de “Arraial do Curral del Rei”, da escritora Adriane Garcia, 34° título da coleção sobre Belo Horizonte criada em 2004, pela Conceito Editorial. Escrito em versos, uma inovação entre as narrativas da série, o livro de intensa força poética é, segundo a autora “uma espécie de romanceiro, que dá voz aos habitantes que a história não registrou, apenas expulsou”. O evento será no dia 9 de novembro, a partir das 10h30 da manhã, nos jardins internos do Palácio das Artes.
Na ocasião, os editores José Eduardo Gonçalves e Silvia Rubião vão reunir autores, personalidades e leitores que ajudaram a dar vida à coleção ao longo desses 15 anos de sucesso. A escolha do local é também bastante representativa. Além de ser o grande templo da Cultura mineira, o Palácio das Artes é integrado ao Parque Municipal, patrimônio ambiental criado no projeto original da cidade, que já foi tema da série. No mesmo evento, serão lançadas também as novas edições dos livros Cine Pathé e Pampulha, revistas pelos autores Celina Albano e Flávio Carsalade, respectivamente.

Flávio Carsalade e Celina Albano


Desde setembro de 2004, a coleção BH. A cidade de cada um vem construindo a memória afetiva da cidade por meio de textos literários escritos por pessoas de diversas gerações, escolhidas por sua grande identificação com os temas trabalhados. Tendo como ponto de partida suas vivências pessoais, eles falam sobre bairros, lugares, fatos e personagens diversos, sem o compromisso de se prenderem à historia oficial, gerando grande empatia entre os moradores e admiradores da capital mineira. O livro Arraial do Curral del Rei tem o patrocínio do Hospital Mater Dei, por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, e conta com o apoio cultural da Rede Globo Minas.

Fazem parte da coleção os seguintes 33 títulos: Lagoinha, de Wander Piroli, Mercado Central, de Fernando Brant, Estádio Independência, de Jairo Anatólio Lima, Rua da Bahia, de José Bento Teixeira de Salles, Fafich, de Clara Arreguy, Parque Municipal, de Ronaldo Guimarães, Praça Sete, de Angelo Oswaldo de Araújo Santos, Livraria Amadeu, de João Antonio de Paula, Sagrada Família, de Manoel Lobato, Pampulha, de Flávio Carsalade; Cine Pathé, de Celina Albano; Caiçara, de Jorge Fernando dos Santos; Carmo, de Alberto Villas e Lourdes, de Lucia Helena Monteiro Machado; Colégio Sacré Coeur de Marie, de Marilene Guzella Martins Lemos; Carlos Prates, de Humberto Pereira; Morro do Papagaio, de Márcia Cruz; Maletta, de Paulinho Assunção, Montanhez, de Márcio Rubens Prado; Santa Tereza, de Libério Neves; Serra, de Nereide Beirão; Padre Eustáquio, de Jeferson de Andrade; Centro, de Antonio Barreto; Mineirão, de Tião Martins; Colégio Estadual, de Renato Moraes; Santo Antônio, de Eliane Marta Teixeira Lopes; Viaduto Santa Tereza, de João Perdigão; Funcionários, de Maria do Carmo Brandão, Colégio Municipal, de José Alberto Barreto, Renascença, de Ana Elisa Ribeiro; Anchieta, de José Márcio Vianna e Campus da UFMG, de Heloísa Murgel Starling.

Para saber mais: www.bhdecadaum.com.br

A autora

Fotografia: Ricardo Laf
Adriane Garcia nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais. Em 2006, no curso de pós-graduação em Arte-Educação, na UEMG, interessou-se por estudar sobre a desconstrução do Arraial do Curral del Rei e a construção da primeira cidade planejada da República, com destaque para as questões de esquecimento e memória.Tendo vivido sempre na periferia (norte) da capital mineira, o olhar voltado para as origens e a exclusão social acompanha sua poesia. Publicou os livros Fábulas para adulto perder o sono (vencedor do Prêmio Paraná de Literatura, 2013, ed. Biblioteca do Paraná), O nome do mundo (ed. Armazém da Cultura, 2014), Só, com peixes (ed. Confraria do Vento, 2015), Garrafas ao mar (ed. Penalux, 2018).


Um poema

IX

É por milagre que as serras minam
Seus pés molhados começam riachos
Da pedra chorosa – fixa mudez
A esperança de voz das águas

O mundo começa no Acaba Mundo
Minha Mesopotâmia sem história
Sem Tigre, sem Eufrates, cerâmica
Eternamente argila das encostas

As suas primeiras casas, rústicas cafuas
Desenho de criança, sapê e pindoba
A lamparina acesa – quem esses seus mortos?
Nada sei do bem e do mal que lhes habitou

Sei que o fio escorre – o vale
Sei da capela para gente de passagem
Sei que se desejava boa viagem
Aos que partiam e não voltavam mais.


*Poema incluído em  Arraial do Curral del Rei, de Adriane Garcia


Serviço

Evento pelos 15 anos da Coleção BH. A cidade de cada um e lançamento do título Arraial do Curral del Rei, de Adriane Garcia
Local: Jardins internos do Palácio das Artes, av. Afonso Pena, 1537 – Parque Municipal
Data: Sábado, 9 de novembro de 2019
Horário: de 10h30 as 13h30
Preço: R$25,00 Entrada franca


#poesiabrasileira
#memoria

por Taciana Oliveira__

Poeta, artista visual, produtor cultural e editor literário. Baga Defente é múltiplo e incansável. Há tempos que a gente queria publicar essa entrevista. Há tempos que ela precisava acontecer. Equilibramos nossas agendas e o resultado de nossas conversas compartilhamos agora.

Baga Defente

por Mirada__


por Taciana Oliveira__

Um bate-papo virtual com a escritora calí boreaz, a nossa entrevistada do mês na coluna Desassossego.
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calí boreaz  - Foto: Henrique Chendes/ SESC MG


como diria Hamlet, ou a minha avó, tudo acontece exatamente como tem de acontecer.
nasci num outono português, num hospital da marinha nos arredores de Lisboa, pois meu avô foi marinheiro. minhas origens remontam todas ora ao Ribatejo — a lezíria — ora, mais a norte ainda, à Beira Baixa — a serra. cresci a olhar para o rio Tejo, primeiro ali pelos arredores de Lisboa, depois em Santarém, para onde nos mudamos quando eu tinha uns 13 anos. com 17, retornei sozinha à capital para fazer faculdade de Direito. depois, quando já não aguentava mais o tédio da faculdade e só pensava em escrever poesia, pensei em mudar qualquer coisinha para ver se a adrenalina aumentava... e então aventurei-me a leste, em Bucareste, na Romênia, na língua romena, a qual desconhecia completamente. achei isso perfeito: um ponto zero. lá, além de completar o último ano de Direito num intercâmbio universitário, estudei língua e literatura romenas e tradução literária, tornei-me tradutora de romeno. voltei a Portugal e, em meio a muitas idas e vindas entre Lisboa e Bucareste, especializei-me em Direito da Imigração e passei a trabalhar, em Lisboa, num instituto governamental de suporte jurídico ao imigrante, para além de realizar traduções e interpretações simultâneas para a embaixada da Romênia, polícia e tribunais. traduzi um romance também, do escritor romeno exilado nos EUA, Norman Manea. logo depois, talvez por sentir que a vida estava outra vez a ficar muito encaixada, pensei novamente em desarrumar tudo: assim, atravessei o Atlântico rumo ao sul, e pelo Rio de Janeiro fiquei até hoje — já são quase 10 anos. tornei-me brasileira também, inclusive na voz. ou seja, ganhei uma espécie de bilinguismo. traduzi outro romance do romeno, já para português do Brasil. estudei teatro, escrevi e realizei peças, ganhei um prêmio de melhor atriz, fui indicada a outros, enfim, passei a dedicar-me completamente a esse ofício, que eu, na verdade, queria desde muito pequena e que andara a adiar... ou não. como diria Hamlet, ou a minha avó, tudo acontece exatamente como tem de acontecer.
por Fernando de Souza__

APRENDENDO A VIVER COM A SOLIDÃO DO MORRER



morte, não sejas orgulhosa
apesar de alguns te chamarem terrível e poderosa
tal não serás
aqueles que pensas teres deixado para trás
não morrem, pobre morte,
nem a mim podes levar
após um breve sono, acordamos eternamente
e a morte deixará de existir,
morte, tu também morrerás
(John Donne)




Emma Thompson

por Fernando de Souza__

..Não dá pé, não é direito
Não foi nada, eu não fiz nada disso e você fez um
Bicho de sete cabeças
Não dá pé, não tem pé nem cabeça
Não tem ninguém que mereça, não tem coração que esqueça...
(Zé Ramalho)

A expressão popular “bicho de sete cabeças”, assim como “fazer muito barulho por nada”, refere-se à (infindável) capacidade humana de projetar seus medos, ansiedades e angústias em situações aparentemente sem grandes repercussões factuais. Este “bicho” nos lembra a Hidra de Lerna, monstro da mitologia grega, também com várias cabeças, e que tinha a capacidade de regenerá-las toda vez que uma era cortada, crescendo outras em seu lugar. Via de regra, o grande problema dos “bichos de sete cabeças” é justamente este: assim como a Hidra, eles tendem a tomar proporções maiores do que as reais, especialmente quando mal ou não resolvidos...
Neto, personagem interpretado por Rodrigo Santoro, vive com seus pais e sua irmã mais velha, e frequenta o Ensino Médio. É um adolescente comum, com as dificuldades de relacionamento com os pais, dúvidas e conflitos, como outros de sua fase. Usa maconha esporadicamente com seus colegas, por lazer (ou falta dele!), embora mantenha conservados os vínculos familiares, sociais, escolares, etc. Certo dia, Neto e seus amigos, num ato de rebeldia, vandalizam e picham um prédio, somente ele é preso pela polícia e solto mediante a presença de seus pais: ele, autoritário; ela, passiva. A partir deste evento e da posterior descoberta, por seu pai, de um cigarro de maconha no bolso de sua roupa, a vida de Neto vira de cabeça para baixo, com sua internação compulsória num hospital psiquiátrico, autorizado por sua família, para um pretenso tratamento para dependência química - apesar de nenhum exame laboratorial, avaliação psiquiátrica ou psicológica ou sequer entrevista ser realizada durante sua internação – baseado exclusivamente na administração de medicamentos e exposto à realidade de pacientes dos mais variados problemas de saúde mental e de graus de gravidade clínica. Após um período de ressocialização malograda, acontece uma segunda internação noutra instituição, com efeitos terapêuticos e sequelas psicológicas igualmente desastrosas. A nova internação nem surte os “resultados esperados” (por quem?) como, ainda por cima, desestabiliza ainda mais a saúde mental de Neto, novamente entregue a um tratamento desumano, irresponsável e ineficaz. O que não era, até então, um grande problema, agora o é. Um bicho de sete cabeças.
O filme Bicho de sete cabeças (direção de Laís Bodanzky, 2001 ) nos possibilita várias reflexões. Numa esfera subjetiva - embora representativa da realidade de muitos jovens, tomando Neto como seu representante - pensamos nas experiências de descoberta e de rebeldia durante a adolescência, os conflitos geracionais presentes nas dinâmicas familiares, causados pelo autoritarismo, repressão, incompreensão e falta de abertura, e os impactos destas relações na vida afetiva e no comportamento dos adolescentes. Podemos refletir também na dificuldade em aceitarmos o “diferente” (eufemismo para “perturbador” ou “indesejável” tanto nos indivíduos de conduta transgressora juvenil como naqueles acometidos por psicopatologias, por apresentarem comportamentos “excêntricos” (outro eufemismo, desta vez para “inadequado”, “incômodo” ou “desagradável?). Ambos os “perfis” são frequentemente rotulados como desviantes e, em consequência, estigmatizados e marginalizados.

Entretanto, há uma reflexão – senão uma crítica – imprescindível neste filme: trata-se de um símbolo da luta antimanicomial no Brasil. Bicho de sete cabeças é baseado no livro Canto dos malditos, de Austregésilo Carrano Bueno, que conta suas experiências de internação em hospitais psiquiátricos, similares às de Neto.




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Fernando de Souza é psicólogo em formação, mestre em Letras e bacharel em Comunicação pela UFPE. Publicou artigos acadêmicos em Psicologia, concorreu e recebeu alguns prêmios de poesia entre 1991 e 1995.