Rasp, Rasp, Yvonne Miller

 por Yvonne Miller__


Jr Korpa


— Boa tarde.


Duas cabeças se levantam simultaneamente.


— Alguém de vocês sabe fazer isso daqui?


Mostro a foto no celular. Vislumbro uma dúvida na expressão do rapaz atrás do balcão enquanto ele estuda a imagem. O outro se aproxima. Lança um olhar fugaz sobre a tela.


— Sei, sim.


Nas palavras dele há segurança, como se fizesse algo assim todos os dias. Mas quem sabe realmente ele faz. Eu que não faço mesmo. Já deve ter passado no mínimo um ano que não piso num lugar desses.


Ele me acompanha até o fundo do estabelecimento com a parede cheia de espelhos. É um moço bonito, simpático, uns dez anos mais jovem que eu, o que, ao meu olhar, lhe dá um ar de ingenuidade. Será que ele sabe mesmo? Mas agora é tarde para voltar atrás, já estou aqui, vim porque quis, ninguém me obrigou, e ele já começou a se preparar.


— Vou colocar o celular aqui na mesinha, caso você queira olhar de novo — digo, esperando que ele faça uso dessa proposta.


— Pode desligar, já sei como é.


A autoconfiança na sua voz me reconforta. Então sento naquela cadeira de couro falso, me recosto e por um breve momento me observo no espelho, uma última vez. Depois fecho os olhos e me entrego nas mãos dele.


— Relaxa — ele diz atrás de mim, suave e firme ao mesmo tempo.


Sinto o toque dos seus dedos no meu cabelo e durante a próxima meia hora não abro os olhos. Numa gostosa ansiedade presto atenção nas sensações acima e embaixo da minha pele, no cheiro de cremes perfumados, no rasp, rasp perto do meu ouvido.


— Pronto! — ele exclama finalmente.


E então sou tomada por um delicioso estranhamento ao olhar no espelho e ver, pela primeira vez, aquela nova versão de mim mesma. O corte não ficou exatamente igual ao da moça na foto, mas o interessante nem é tanto o resultado e sim a experiência, o provocar a mudança, o fazer a transformação. Me sinto diferente, reinventada, como se, até me acostumar novamente, pudesse ser outra. Uma outra nova eu.


 


Yvonne Miller nasceu na cidade de Berlim em 1985, mas mora, namora e se demora no Nordeste do Brasil desde 2017. Escreve contos, crônicas e literatura infantil em alemão, espanhol e português. Tem textos publicados em coletâneas, como Paginário (Aliás Editora, 2018), A Banalidade do Mal (Mirada, 2020), Histórias de uma quarentena (Holodeck Editora, 2021). É cronista do coletivo sócio-literário @bora_cronicar, do blog Escritor Brasileiro e assina a coluna “Isso dá uma crônica” do ColetiveArts. Além de ficcionista é autora e redatora de livros escolares. Instagram: @yvonnemiller_escritora