Distraídos I conto de Adriano Espíndola Santos

 por Adriano Espíndola Santos | 

Foto de Jr Korpa na Unsplash


Pareço distraído. Ronaldo fala em desleixo. Marta de pouco-caso. Meus amigos são ótimos para me caracterizar, na maior facilidade, como uma espécie de deboche mesmo. Na melhor das hipóteses sou um mero relapso. Na verdade, o nome disso é saudade. Sei que meus amigos me amam e querem o bem. Estão preocupados com o meu estado de saúde. E eu, a fina força, tenho tido essa constante preocupação. De fato tenho a tendência de me esquecer, porque minha mãe era superesquecida. Uma vez me deixou esperando horas a fio no colégio. Foi me buscar quando o lugar estava para fechar. E o problema não vem só de mãe, meu pai também era esquecido. Certa feita estacionou o carro numa rua, para ir ao centro da cidade, e depois não sabia onde havia posto o carro. Teve de pedir ajuda à polícia, que na verdade queria chamar ambulância para ele, achando que estava mal de saúde. No fim da vida, minha mãe teve Alzheimer – esse é um dos motivos de pensar tanto nessa doença. Fui o único dos irmãos a cuidar dela. Esqueceram-se da nossa saudosa mãezinha, porque ela não distinguia sequer os horários de fazer as suas necessidades, imagine os filhos e netos. Era condicionada por mim a fazê-lo de manhã bem cedo, e eu que a limpava. Tinha uma cuidadora, a Márcia, muito versátil, mas na hora do pega para capar era comigo mesmo. Morreu como um passarinho, numa noite branda. Não soube, nem sentiu as dores de sua partida, assim suspeito. Agora, para os meus esquecimentos tenho uma tática infalível, guardo sempre as minhas coisas no mesmo lugar. Quando vou sair, confiro todos os bolsos e a mochila, para ver se não deixei nada para trás. No trabalho, tenho tudo guardado em pastas, seja no computador seja nas minhas gavetas. Sei exatamente onde estão os grampos e os clipes. Confiando na superstição, para os casos mais aflitivos, peço ajuda a São Longuinho, para achar o que me escapou. Ainda assim, tenho esquecido mesmo, com certa frequência. Será que é Alzheimer precoce? Pedi conselho à Marta, mas ela acha que é sem-vergonhice minha, que não tenho coisa alguma. Mandou que tomasse Ginkgo biloba, para aliviar o estresse e apurar os antioxidantes. Tenho feito uma mistura danada de medicamentos. Não tomo só o Ginkgo biloba, mas também um complexo vitamínico e mais o N-acetilcisteína, o famoso NAC, que, além desses atributos, livra da depressão, algo que de vez em quando tenta me atacar. Devo procurar um médico para me livrar dessa horrível indefinição. Mas tenho medo do que possa acontecer; ser diagnosticado com uma doença precoce e irreparável. Iria enlouquecer se, por exemplo, fosse declarado com ELA ou coisa do gênero. Tenho medo da loucura também. Vem sempre, irresistível, o temor da constatação. Sou doente ou não?



Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir — sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. instagram: @adrianoespindolasantos | Facebok:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com