por Mirada__
Almeida, que nasceu em Taboão da Serra (SP), mas cresceu em Luminárias (MG), revisita o passado colonial brasileiro com um olhar crítico e literário apurado. Em sua ficção, o Brasil Colônia é recriado como um território amaldiçoado, onde mercenários da Coroa Portuguesa, indígenas guerreiros e párias sociais travam disputas por sobrevivência em paisagens desoladas e simbólicas. “Para os nativos, a Colônia não é o Novo Mundo: é o amanhecer depois do Apocalipse”, afirma o autor na abertura da obra.
Durante seu mestrado na PUC-SP, Almeida descobriu que a história do Sete Orelhas foi publicada como folhetim em 1832 por Joaquim Norberto, um dos primeiros textos ficcionais da literatura brasileira. A descoberta inspirou o autor a investigar como narrativas inventadas tornam-se “históricas” — e como a memória coletiva é moldada por versões, silenciamentos e lendas. “Fiquei espantado ao perceber como a ficção havia se tornado ‘história’. Em São Bento Abade, há três monumentos ao Sete Orelhas, figura que talvez nunca tenha existido como a imaginamos”, revela.
O romance reconstrói a trajetória da gangue dos Garcia, grupo que atuou na Comarca do Rio das Mortes, acompanhando quatro mercenários enviados para destruir um quilombo liderado pelo Sete Orelhas, ao lado dos temidos Guaicurus. A trama é marcada por narrativa não linear, recursos visuais como fotografias, mapas, e por uma escrita que cruza passado e presente em uma crítica feroz ao colonialismo e à construção mitológica da nação.
O esfolamento, motivo da vingança do Sete Orelhas, é apresentado como símbolo central da violência colonial. Almeida rastreia esse tema em fontes que vão das Metamorfoses de Ovídio à história da Fazenda Tira Couro, em São Bento Abade. A imagem brutal do corpo esfolado — presente tanto nos mitos greco-romanos quanto nos relatos de bandeirantes — ecoa como metáfora daquilo que a colonização arrancou da terra e dos povos.
As influências literárias do autor atravessam desde Cormac McCarthy (Meridiano de Sangue) e Walter Benjamin, até o mito de Apolo e Mársias, ampliando os sentidos da obra. “Queria mostrar como o passado é uma construção tão aberta quanto o futuro”, afirma Almeida, que utiliza o romance como instrumento para repensar o Brasil para além de seus mitos fundadores.
FICHA TÉCNICA
Autor: Marcos Vinícius Almeida
Editora: Aboio
Categoria: Romance
ISBN: 978-65-980578-3-1
Formato: 14×1,2 ×21 cm
Páginas: 224
Ano: 2023
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