Sedução ortográfico-amorosa | Poemas de Bruno Ramalho

 por Bruno Ramalho__


           


acumulador



para cada uma 

que se foi, 

tornei-me um novo 

múltiplo de dois.


-


água da fonte



embora não saísse

palavra cristalina 

da fonte daquela boca, 

a sede encontrava 

água potável 

na saliva daquele beijo.


-


delivery



à boca que

entrega o silêncio,

a outra pede

com saliva.


-


ardente



ninguém 

cala

a boca 

dos olhos.


-


ecos



seu olhar ecoava o caos

nos espaços silenciosos do meu coração

e ocupava de desejo as minhas cavernas.


-


mudo



minha boca 

conheceu seu beijo

e perdeu 

o desejo de falar,

não sonhou mais 

com a palavra,

mas com um dia

em que dominasse,

em sua língua

e ampla acepção,

os seus lábios.


-


do flerte



não sei o que será de mim,

se a saliva tiver o gosto
daquele sorriso.


-


desfile 



que eu seja passarela

onde suas fantasias

sambem meu enredo.


-


o poema



a palavra carrega, no ombro, o poema,

como, às vezes, faz uma filha com seu pai velho,

sabendo-se grata pelo sentido que não teria sem o verso,

mas também brilhante,

como uma estrela que não vemos durante o dia

somente por causa do sol.


o poema carrega uma ideia de sentimento,

mas, como é de pousar na leitura de alguém,

desconhece sua essência de fato,

como a sombra que agoniza distintamente imprevisível 

sobre a dada superfície e, por isso, 

nunca sabe exatamente onde está a fonte da luz.


-


verdejante



se eu verdejar 

em seus olhos dezembros,

talvez, todo dia

amanheça réveillon.


-


biográfico 2



cedo, quis ser tarde

e acabei sendo quase;

tarde pra ser logo,

quase fui pra sempre.


-


sedução ortográfico-amorosa



entre decepções

e excitações ortográfico-amorosas,

meu português cuidadoso

acha todos os pontos,

mas nunca enxerga o final.



Bruno Ramalho de Carvalho (1978, Rio de Janeiro–RJ) escreve poemas, diverte-se tocando despretensiosamente o flugelhorn e se interessa por filosofia. Médico ginecologista em Brasília, DF, atua na área da reprodução humana assistida. É autor dos livros A penúltima coisa que se faz (edição do autor, 1999); Do amor deveras e das quimeras (e-book, Emooby, 2011); e livra-me, poesia (Scortecci, 2019), todos de poesia. Tem poemas publicados em revistas e portais de literatura, como Gueto, Mallarmargens, Ruído Manifesto e Mirada. Tem, ainda, mais de 70 artigos publicados em periódicos científicos.


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