por Germana Accioly__
Foto de ameenfahmy na Unsplash
Janda,
É impressionante como a poesia pode morar em qualquer lugar.
Mais incrível ainda é como ela consegue se alojar e reproduzir em ambientes que estejam propícios. O estado de poesia é uma coisa que não se fabrica, mas que tem alta capacidade de contágio. Hoje, por exemplo, fui contaminada na sua casa. O ambiente estava altamente poético e eu, com a minha baixa imunidade para tal vírus, senti rapidamente os efeitos da patologia. Não que seja negativo ter sintomas poéticos, até porque eles têm uma vida mais longa do que qualquer vírus ou bactéria e os efeitos são prolongados.
O que faz essa maleita? Nos deixa sensíveis a coisas ínfimas, irrelevantes, minimamente importantes. Lembro que quando criança eu passava um tempo olhando as manchas nas paredes, tentando decifrar os desenhos que existiam nas falhas dos azulejos dos banheiros. Fantasiava histórias, batizava personagens, construía um mundo particular, talvez para não me assustar com a amplitude do universo.
Hoje acordei meio criança. Ir para sua casa me lembrava o gesto de visitar minha mãe. Por mais que o apartamento ainda exista, a casa-afeto já foi desmontada. Eu, aliás, estive muito perto desse processo, separando objetos, documentos, catalogando as memórias e as faltas de amor. Não foi fácil despir a casa da minha mãe. Hoje, menos de três meses depois da partida dela, eu me vejo fazendo um movimento diferente: buscando colo.
No caminho de volta vim refletindo sobre como é estranho aceitar ser acarinhada. Quantas e tantas vezes subi o vão de escadas do prédio da minha mãe fantasiando que chegando lá teria uma fagulha de afago. E elas até vinham, mas entremeadas de tantos outros sentimentos, embrulhadas com dores, doenças e receitas de remédios. Era difícil por vezes conseguir debulhar as complexidades para encontrar um efêmero carinho.
Eu insisti até o fim, de teimosa que sou.
Aí hoje, quando entrei na sua casa, me deparei com a mesa posta, a fruta cortada, o café quentinho… tudo aquilo rimava, ritmava, milimetricamente. Uma poesia que eu nem aprendi a escrever, porque sou da prosa.
Pego emprestado da poesia a liberdade de desenhar cenários, de ilustrar o invisível, mas não sei muito sobre sílabas e rimas ricas. Não sei escrever, mas decodifico, leio.
É fato que são dos mais frugais momentos que brotam os mais doces versos. Hoje escrevemos juntas um poema lindo. E eu saí de lá acometida de poesia.
Obrigada por ser colo, abraço, café, mamão cortadinho, queijo coalho, xícara musical, olhar profundo e vida.
Um beijo, querida. Hoje tudo é prosa poética.
GERMANA ACCIOLY, diretora de relações estratégicas e comunicação da Escola da Democracia, é jornalista, especialista em Política e Representação Parlamentar pelo CEFOR em Brasília e em Política e Cultura pela Agecif, Paris. É autora do Relatório dos Mandatos Ativistas no Brasil (2023). É cronista, publicou textos em diversas revistas e sites e lançou seu primeiro livro, “Não é Sobre Você”, em 2021. Participa da coletânea “Crônica Popular Brasileira”, ambos pela editora Mirada.