Sobre o que não falamos, de Ana Cristina Braga Martes

 por Eliane Coelho__


                                                          
                                                   
       

            Em Sobre o que não falamos, a narradora, uma adolescente, conta sua própria história. Detalhes do cotidiano são permeados por uma certa angústia e silêncio. O silêncio que deixa tantas perguntas no ar.  

        A protagonista narradora é uma jovem criada pelos avós com bastante zelo, pois desde pequena sofre com problemas de saúde. Mais precisamente dor reumática. Já nasceu com dores incubadas, físicas e emocionais. É uma garota de olhos míopes. Olhos esmiuçadores.

            O dia a dia é construído por rotinas bem normais. No entanto, a ausência da convivência com os pais e o fato de os avós não relatarem sobre o sumiço deles deixam a jovem num vazio sem respostas. Assim, ela vai construindo sua história com base em pegadas. A professora, amiga de sua mãe, lhe oferece a primeira pista: uma fotografia registrando duas amigas e a frase escrita no verso “que a gente nunca esqueça este dia.”

            Clara veio de uma mãe e de um pai. Mas onde estarão sua mãe e aquele pai? Uma mãe branca e um pai negro. Clara. Negra. O invólucro de seu corpo tem um significado social. A escuridão e a claridade como fator identitário, a cor da pele hierarquizando as pessoas entre si naturaliza o preconceito. O racismo como ideologia permanece desde sempre. Clara logo percebe: ela se insere numa sociedade que a discrimina.

            A história vivenciada se passa no período da ditadura. Quando tudo era ocultado. Quando o medo, a falta de liberdade, a tortura, a desinformação, imperavam. DITADURA!

            A garota inicia suas descobertas numa casa que também acobertava acontecimentos. Uma casa em que as perdas promoviam uma sensação de abafamento.

            O avô colecionava borboletas de várias espécies. As borboletas são personagens nesta narrativa. Representam transformação, renascimento e voo. A menina Clara começava a alçar seus próprios voos. Como uma borboleta de asas invisíveis, similar à personagem borboleta de asas transparentes. Por vezes acuada, tentando romper as arestas do mundo.

            Não sabemos se as borboletas encontram todas as respostas com seus milhares de olhos compostos. Seus olhos piscam como os nossos? Mas se não temos olhos de borboletas, temos olhos que trafegam no assombro. “Abrir os olhos passou a ser um susto, uma espécie de assombro que aumentava.” Olhos que correm atrás de verdades. Disto não há dúvida: a gente aprende, entende e apreende é quando invoca com as coisas e os acontecimentos. “Eu me sentia diferente, carregando comigo outras perguntas.”

 


Sobre o que não falamos

Ana Cristina Braga Martes

Romance

Editora 34

2023

 

Sobre a autora

Ana Cristina Braga Martes é socióloga e foi professora na Fundação Getúlio Vargas até 2019, de onde saiu para se dedicar integralmente à literatura. Nascida em Varginha–MG, passou sua infância e juventude em São Carlos–SP, formou-se em Ciências Sociais pela UNESP/Araraquara e doutorou-se pela Universidade de São Paulo (USP), tendo feito parte do seu doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Foi pesquisadora-visitante na Universidade de Boston (BU) e fez pós-doutorado na Universidade de Londres (King’s College). Publicou e organizou diversos artigos e livros acadêmicos no Brasil e no exterior. A origem da água (2019), editado pela Confraria do Vento, foi seu primeiro livro de ficção. Atualmente é colunista da revista Pessoa e colaboradora do jornal Rascunho e da revista Quatro Cinco Um.



Eliane Coelho,
leitora e poeta. Mineira de Governador Valadares, reside em Belo Horizonte. Encontrou na poesia uma forma de crescimento, autoconhecimento e forma de aprimorar a sensibilidade e emoção. Publica seus poemas no Instagram no perfil @eco_registrosepoesias. Publicou na antologia Entre palavras e labores e na revista Laudelinas.