Poema A Noite e dois poemas do caderno Os passos do amor | Inéditos de Manoel T. R.-Leal

 por Manoel T. R.-Leal | 



Manoel Tavares Rodrigues-Leal (1941–2016) — Fotografia em alto contraste — 2008


Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara.

Carlos Drummond de Andrade (inscrição no caderno Mar de Ausência, 1980, por M.T.R.-Leal)


Eu não sou comerciante de palavras, sou poeta.

M. T. R.-Leal — de um poema inédito do caderno Livro do Amador Nómada – Lx. 6/7/76

*


Um poema inédito do caderno A Noite (1967)


meus olhos doem

de rua

      do conceitual sucessivo anoitecer

recuam

               de dúvida ou tempo

que não muda

movimento de ser ao sabor do 

                                  quarto

emigração de forte luz

                                        entre os dedos

apontados fixados

                                 num braço

                                             apenas contacto

pela noite entro

na loucura de dentro


Lx. 25/7/67


*

Dois poemas inéditos do caderno Os passos do amor (1977)


I

"Os passos do amor"


Assim metal de infância o afirmo,

quando o desenho da noite é nu e cru,

e o gume da juventude queima.


Então amor é espera mulher e centro,


onde se navegue, em rara oferta, onde amor é adivinho


e não anoitece, obra sua, perfuma e é de brilhos meu labirinto.



Lx. 12-1-77


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II

Meu amor de azul como evanesce!

Meu amor trincado e vegetal.

Meu amor mal amado que não amadurece

senão em escrita, descrita. Assim o poeta ascende e revela-se mortal.


Lx.16-1-77


Manuscrito do poema “Os passos do amor”


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*Poemas coligidos por Luís de Barreiros Tavares






Manoel Tavares Rodrigues-Leal (Lisboa, 1941–2016) foi aluno das Faculdades de Direito de Lisboa e de Coimbra, frequentando até ao 5.º e último ano, mas não concluindo. Em jovem conviveu com Herberto Helder no café Monte Carlo frequentando com ele “as festas meio clandestinas, as parties de Lisboa dos anos 60 e princípios de 70”. Nesses anos conviveu também com Gastão Cruz, Maria Velho da Costa, José Sebag, entre outros. Trabalhou na Biblioteca Nacional como “Auxiliar de Armazém de Biblioteconomia”. “A minha chefe deixava-me sair mais cedo para acabar o meu primeiro livro”, A Duração da Eternidade (2007). Publicou cinco livros de poesia de edição de autor. As suas últimas semanas de vida foram terrivelmente trágicas. Caído no quarto, morrendo absolutamente só no Natal e passagem do Ano 2015–2016.