A vida é muito curta para ódios e mediocridade



por João Gomes__


Líria, como é ser poeta depois dos 70? E a idade contribui ou atrapalha ser escritor num país que dá tão pouca importância ao trabalho artístico? “a morte não chega / a vida não basta” é o que lemos no seu poema limitações.

- creio que o poeta é poeta desde sempre – a sua forma de olhar e ver o mundo se manifesta muito cedo. escrever poemas já é outra coisa, pode acontecer precoce ou tardiamente... no meu caso, no tempo do colégio, eu gostava de ler poesia e escrevia pequenos poemas, mais como forma de ironizar as freiras, questionar aquela estrutura rígida e religiosa da escola de garotas, que de toda forma tentava nos doutrinar, transformar-nos em mulheres dóceis... comigo, inutilmente! o movimento estudantil era efervescente, as mudanças de comportamento social da década de 60 movimentava a juventude... e houve o golpe militar! embora eu tenha nascido numa família absolutamente dentro dos padrões, desobedecia e atuava nesse cenário meio proibido às mocinhas de família.

casei-me em 1967, eu esperneava e brigava muito para ser, e era, a dona do meu nariz... mudei-me do interior para a capital, tive filhos, deixei de lecionar e por muitos anos fiquei acompanhando o crescimento e o estudo da meninada e os encargos familiares... consequência – nenhum verso por mais de três décadas! depois veio a luta pelas eleições diretas, o grupo tortura nunca mais, a militância partidária! só após os cinquenta anos retornei à escrita... se a idade ajuda ou atrapalha? no meu caso ajudou – com filhas crescidas e separada do marido, passei a viver sozinha! vinculo muito a possibilidade de escrever a ficar comigo mesma, movimento e solicitação externa interferem, distraem os sentidos...

Qual é o prejuízo que se percebe quando se tira as asas de um poeta, por meio da censura ou do impedimento de chegar num leitor por falta de acesso à educação?

toda censura é abominável, mas a gente sabe usar metáforas, dizer as coisas de forma que a burrice não compreenda – e assim a arte sobrevive, com mais dificuldades, claro, mas sobrevive...


Sua poesia é uma preciosidade na vasta produção contemporânea. Com dois livros publicados em Portugal, quatro aqui no Brasil, um finalista do prêmio Jabuti e contribuições em revistas onlines e jornais, como foi se aposentar da sala de aula e se tornar uma poeta? Como foi também estabelecer um limite entre ser escritora de livros infantis e de poesia, esta que não se prende à idade alguma?

não fiquei nas salas de aula por muitos anos, morávamos em belo horizonte e fiz um acordo em casa por uns tempos, eu cuidava da parte doméstica, o fábio na medicina, foi possível fazer isso... quando votei a trabalhar fora, não foi mais em escolas - trabalhei no banerj e depois numa editora... o público para quem escrevo é sempre o mesmo, a editora é que considerou que entre o que eu escrevo há textos que podem ser publicados também em livros infanto juvenis...


Alguns versos seus viralizaram (“a vida não é justa - é plissada, franzida, godê - e é curta” mas ser feliz nunca é demodé e “eu moro em mim, mas ô casa bagunçada”) chegando a ser canção de Estrela Lemisnki. Escrever versos curtos, precisos e contundentes, conseguindo dizer o que sente possibilita a “popularização” nas redes, e como consequência da viralização nasce o plágio ou a falta de se creditar o autor. Seus livros inicialmente foram publicados para encerrar este atenuante ?

não sei dizer sobre o que agrada o público, tenho poemas que considero muito melhores e os que “viralizam”, para mim, nem têm tanto apelo literário... no entanto isso acontece... um dia a estrela leminski pediu para usar um desses poeminhas para o estribilho da música, desenvolveu o restante da letra e gravou-a – ficou ótima! – e nós nos tornamos parceiras...
quanto à publicação dos livros tudo aconteceu de forma natural! fiz oficinas com o paulo bentancur, não por causa da forma de escrever, mas para que ele organizasse meus livros, ele era bom nisso e eu um desastre... depois que o paulo morreu, embora eu tenha muuuuito material escrito, fico enrolando para selecioná-lo e mandar novos originais às editoras...


É justo o que se paga a um poeta com a possibilidade de ser best-seller? Ou tudo é somente ilusório?

a literatura, a gente escreve poemas por não conseguir viver sem fazê-lo, mas há muita ilusão e o mercado editorial é complicado, as grandes editoras têm suas panelas, as pequenas têm pouca divulgação... além do mais, eu não sei vender meu peixe, sou tímida para alardear o que esteja fazendo... então escrevo, escrevo, escrevo...

Entre outras coisas, Líria Porto escreve para incomodar e mostrar que ser mulher não é ponto de vista, como é no título do poema a seguir: “uma partícula/um cisco/não teria importância/e nada mudaria/ não tivesse caído/em meu olho”? Ao mesmo tempo, seu último livro se chama Olho nu. Sua poesia é limpar a vista e perturbá-la, como escreveu o crítico e poeta Amador Ribeiro Neto na orelha do seu Cadela prateada, “Sua poesia é um misto de emoção, celebração (e cerebração) do verbo.” Dispensando qualquer resposta, tudo o que pretendes dizer já está em sua poesia?

não acho que tudo está dito, digo o que sinto, outros o fazem também... e vamos, por intermédio da palavra, nossa arma de luta, tentando modificar, ou pelo menos discutir as aberrações e as maravilhas desse mundo maluco.

Poderíamos falar a respeito de autopromoção e formação do escritor? Oficinas contribuem em algum sentido quando se deseja publicar livros de poesia?

acredito plenamente na leitura, que é o que fazemos, como meio de aprimoramento... sou meio bicho do mato, participo pouco de eventos de poesia, como disse anteriormente, não sei vender meu peixe nem levo jeito para o palco...


Estar nas redes sociais é o grande agente literário do escritor contemporâneo?

as redes sociais são uma boa vitrine, se bem que, no meu caso, a militância, lado a lado com a escrita, tem afastado os leitores - quem não gosta da minha opção de esquerda, deixou de ler o que escrevo!


Gostaria que falasse da importância de ser verdadeira sobre o que pensa (você é declaradamente de esquerda, faz militância por direitos humanos, grita Lula Livre e se coloca como ateia) sem ocultações. Sempre foi assim? Sente-se em algum momento perseguida?

sempre foi assim, sempre defendi o que acredito, embora ultimamente esteja sem paciência para polêmicas. o diálogo de alguma forma se inviabilizou...

Além de seu próximo e-book, A sede do rio não cede, que sairá por Vida Secreta Publicações, quais são os próximos projetos?

sou mesmo bagunçada, não faço muitos planos, gosto mesmo é de escrever, a publicação é uma consequência e tenho consciência de que sou um tanto displicente com ela...

Aproveitando essa liberdade de pensamento, qual recado você mandaria nos altos dos seus 73 anos para esta nação tão equivocada por muitos?

nasci em 1945, em outubro completo 74 anos, o que eu queria mesmo é que o brasil voltasse à normalidade democrática, que a justiça fosse justa, que as pessoas tivessem oportunidades e salários, que a educação e a leitura se desenvolvessem de forma saudável, que não houvesse preconceito de qualquer espécie!


a vida é muito curta para ódios e mediocridade!


                                                      -------                                         





*Líria Porto é uma poeta mineira com livros publicados em Portugal (Borboleta desfolhada e De lua). No Brasil publicou Asa de passarinho, Garimpo, Cadela prateada e Olho nu. Foi finalista na categoria poesia (Garimpo) do Prêmio Jabuti em 2015. Escreve no seu blog Tanto Mar e colabora com sites e revistas eletrônicas
                  


                                                     

        
                                                     -----




João Gomes (Recife, 1996) é poeta, escritor, editor criador da revista de literatura e publicadora Vida Secreta. Participou de antologias impressas e digitais, e mantém no prelo seu livro de poesia.