Pré-pagando promessa | Yvonne Miller


por Yvonne Miller__



Marcelo Ferreira / @l.de.lula / @classe_media




“Doze”, ela diz, “primeiro com o pé assim e depois virado pra fora”.


Nunca pratiquei um esporte tão sem graça quanto o pilates. Já pensou em repetir doze vezes o mesmo movimento com uma perna, depois doze vezes com a outra perna, depois de novo doze com a primeira, mudando ligeiramente a posição do pé, e finalizar esta série monótona com mais doze movimentos da segunda perna, mudando agora ligeiramente a posição do outro pé? Pior: já pensou em fazer tudo isso e perceber que ainda faltam 50 minutos para a aula acabar? E, sim, depois vêm os braços, no mesmo esquema.


“Agora horário e anti-horário.”


Ela também deve achar que esse negócio é chato pra caramba, por isso transformou o estúdio em um tipo de central de telefone sem fio com aparelhos de musculação: enquanto nós repetimos os mesmos movimentos de toda semana, pra cima, pra baixo, pra frente, pra trás, em sentido horário e anti-horário, inspirando pelo nariz e expirando pela boca, sem bola ou com bola, ela repassa as informações quentes sobre os últimos acontecimentos da vizinhança. Mais ou menos quentes, na verdade. Dona Lídia e suas flores – “Inspira na parada!” –, a empregada que não veio – “Agora prende como se fosse xixi!” –, o pilateiro que passava as aulas todinhas conversando com outro, motivo pelo qual teve o horário mudado pela esposa – “Agora só faltam os abdominais!”. 


Confesso que pouco ligo pras flores de dona Lídia, se eu fosse a empregada e pudesse escolher também não viria, e quanto a gastar as aulas de pilates jogando papo fora... bom, não sou muito de conversar. Prefiro ficar caladinha, ouvindo tudo, falando nada, captando material para uma crônica ou outra e ir fazendo minhas repetições. Isso sim: 13, não doze. Já tem um ano que me transformei em uma pilateira subversiva. Faço 13 repetições sempre, e as faço com seriedade e devoção, como quem paga uma promessa. Pré-paga, no caso. Porque nestas eleições todo ato de boa-fé é válido. Até pros descrentes e céticos como eu. Vai que isso funciona. Vai que qualquer coisa ajuda.


Depois de uma hora volto para casa com a coluna menos dolorida, o coração mais esperançoso e a cabeça em estado de contagem regressiva. Faltam dois dias. Repito 13 vezes. 





Yvonne Miller nasceu na cidade de Berlim em 1985, mas mora, namora e se demora no Nordeste do Brasil desde 2017. Escreve contos, crônicas e literatura infantil em alemão, espanhol e português. Tem textos publicados em coletâneas, como Paginário (Aliás Editora, 2018), A Banalidade do Mal (Mirada, 2020), Histórias de uma quarentena (Holodeck Editora, 2021). É cronista do coletivo sócio-literário @bora_cronicar, do blog Escritor Brasileiro e assina a coluna “Isso dá uma crônica” do ColetiveArts. Além de ficcionista é autora e redatora de livros escolares. É uma das organizadoras da coletânea de contos cearenses “Quando a maré encher” (Selo Mirada, 2021). Instagram: @yvonnemiller_escritora