Crônica à flor da Pele e Salve, Nordeste! | Yvonne Miller

 por Yvonne Miller__







CRÔNICA À FLOR DA PELE


30 de outubro de 2022.


Escrevo esta crônica com os sentimentos à flor da pele, enquanto o povo brasileiro está indo pras urnas. Como estrangeira, não posso votar. Mas se pudesse, meu voto seria 13. Seria 13 porque quero de volta um governo que se preocupe com o bem-estar da população, com a educação, a saúde e a justiça, com a moradia e o pão de cada dia que 33 milhões de brasileiros não têm. 


Seria 13 por Bruno e Dom, por Daiane Griá Kaingang, Paulino Guajajara e todos os guardiões da floresta. Seria 13 por Marielle, pela menina Ágatha, por Evaldo Rosa e Luciano Macedo. Seria 13 pelas minorias e também pelas maiorias negligenciadas pelo Estado. Seria 13 pelas mais de 680 mil vítimas de covid. Seria 13 pela humanidade que faltou nos últimos quatro anos ou mais. Seria 13 contra as armas e a violência, 13 contra a injustiça e a fome. Seria 13 pelo povo, 13 pela Amazônia, 13 pela democracia. 


E enquanto estou escrevendo estas linhas, vêm entrando mensagens no celular sobre ações da PRF para impedir nordestinos de votar. E eu me pergunto: se é assim, até que ponto ainda temos democracia? Talvez estas eleições nem sejam para salvar a democracia, mas para recuperar uma parte dela que a gente já perdeu para este governo que quer se reeleger. 


E é por isso que não estou nem aí para os erros do PT no passado. Ninguém é perfeito, mas todo mundo pode aprender. Estou nem aí para o Alckmin e para as alianças que o Lula teve que fazer para ter apoio suficiente para se eleger. Estou é grata por esse apoio porque a democracia é isso: juntar-se para fazer o melhor para o povo. É focar no bem maior, independentemente do ego de cada um e de rixas novas e antigas. É focar no que a gente tem em comum, em vez de ficar batendo martelo nas nossas diferenças. É sair do muro e tomar lado, fazer a nossa parte para que os próximos quatro anos sejam melhores do que os últimos. É disso que se trata. 


E se não for nestas eleições, pode ser tarde demais. Tarde demais para o povo, tarde demais para a Amazônia, tarde demais para a democracia.


Não posso votar. Mas registro aqui meu voto simbólico. Digito 13 e confirmo.




SALVE, NORDESTE!


Tenho 37 anos e alguns meses, o que corresponde a 13655 dias vividos. E de todos esses 13655 dias, posso dizer que hoje é um dos mais felizes. Hoje, 31 de outubro de 2022. 


O primeiro dia depois de semanas em que não acordei com ansiedade no peito, e sim com um sorriso nos lábios. As sombras embaixo dos olhos não são de preocupação, são da euforia de ontem. Hoje não acordei de madrugada com a cabeça a mil e pensando em estratégias contra a máquina eleitoral do governo. Hoje eu acordei com leveza no coração, com a alegria da vitória e, sobretudo, com uma sensação de alívio. Ganhamos! O povo e a democracia venceram. A esperança de um futuro melhor também. Um futuro em que todos os brasileiros tenham o que comer, um futuro com mais educação e menos armas, com mais saúde e menos descaso, com mais ciência e menos negacionismo, com mais respeito e menos violência, com mais igualdade e menos exclusão. Um futuro também para a Amazônia e para os povos indígenas.


Acabei de ler em algum canto que só entende o grito de felicidade quem chorou de dor em 2018. Eu fui uma dessas pessoas. Aliás, minha esposa sempre fala – meio brincando e meio a sério – que o dia do segundo turno em 2018 foi a primeira vez que me viu chorar. E é capaz que tenha sido mesmo. Algumas pessoas estranham. “Mas você nem é brasileira”, dizem. Só que não é uma questão de nacionalidade. Quando a democracia, os direitos humanos e o meio ambiente estão em perigo, torna-se uma questão de humanidade. 


Ontem o Nordeste deu uma lição de civismo para o Brasil e o mundo inteiro. Mais uma vez as nordestinas e nordestinos salvaram o país com seu voto. A democracia venceu. É por isso que hoje é um dos dias mais felizes da minha vida. E sei que não estou só. 






Yvonne
 
Miller nasceu na cidade de Berlim em 1985, mas mora, namora e se demora no Nordeste do Brasil desde 2017. Escreve contos, crônicas e literatura infantil em alemão, espanhol e português. Tem textos publicados em coletâneas, como Paginário (Aliás Editora, 2018), A Banalidade do Mal (Mirada, 2020), Histórias de uma quarentena (Holodeck Editora, 2021). É cronista do coletivo sócio-literário @bora_cronicar, do blog Escritor Brasileiro e assina a coluna “Isso dá uma crônica” do ColetiveArts. Além de ficcionista é autora e redatora de livros escolares. É uma das organizadoras da coletânea de contos cearenses “Quando a maré encher” (Selo Mirada, 2021). Instagram: @yvonnemiller_escritora