Florestas Filosóficas, crônica de Valdocir Trevisan

 por Valdocir Trevisan__


           


                    
Baruch de Espinosa (1632-1677) foi um filósofo racional e seguia suas teorias com essências objetivas, porém, complexas, e mesmo abusando dos métodos matemáticos, acompanhou a Revolução Científica de seu tempo. Sua principal obra "Ética: demonstrando à maneira dos geômetras", revela suas teses seguindo um mundo material, mas não menosprezando questões subjetivas, originando paradoxos.


Espinosa era um fiel racionalista, como o mestre Descartes, mas relembrando, não ficou restrito como um pensador apenas nessa doutrina, basta ler suas teorias que veremos a filosofia em si, representada em vestígios confiáveis. 


Mark Twain disse certa vez que Espinosa tinha ideias como "a vida de qualquer criança bem formada surge no momento quando ela sente um desejo de cavar uma busca do escondido. Relevante, mas dá para perceber aí um entrevero, como diz o gaúcho,  unindo materialismo com a genuína filosofia.


Tanto é que Espinosa, crendo em Deus, visualiza florestas ou montanhas como uma coisa"superior", além, algo como demonstrações de divinas. E visualizo aí, nesse momento, a  sua atualidade.


Tô viajando? Seguindo conceitos modernos, chego ao consumismo, onde a tal "floresta" servirá por um certo tempo, pois a insatisfação do consumidor  tem prazo e uma hora se manifestará. É o desespero por algo novo.


O esplendor das florestas e toda sua magnitude não vão saciar a sede consumista do século XXI.


Que confusão, não é? Não. Vou tentar simplificar mostrando que o homem racional não se configura a atual sociedade.


Acho que nessa fase, ele deveria aprender a amar, "treinar" a conviver com esse sentimento, afetos em sentidos diferentes, curtir o cotidiano.


Vou citar um exemplo: teve um tempo que várias vezes dormi no sofá, com preguiça de levantar e ir para a cama. Se for uma vez ou outra,  não há nenhum problema. Mas a situação pode recrudescer quando vira uma mania.


Perder o prazer de dormir em uma cama com lençóis limpos, e o pior, no horário de descansar o corpo e a mente,  poderá no futuro gerar consequências depressivas. 


Percebam que temos que criar a situação de "aprender a amar a dormir" e usufruir do momento com calma, naturalidade, sem pressa e desviando para  encontrar os caminhos da felicidade das pequenas coisas.


Como Raul Seixas canta em uma das suas últimas canções: "se você correu, correu tanto, mas não chegou a lugar nenhum, bem vindo ao século XXI".


Quem entende e percebe a força que emana das florestas se integra a vida com mais sabedoria e naturalidade. O escritor Joan Solé escreveu à respeito de Espinosa: "essa filosofia é atual porque revela uma visão da estrutura da realidade e de natureza humana que pode ser aceita ou negada, nos dias de hoje"


A geometria de Espinosa vai colocar uma ordem objetiva, necessária no nosso cotidiano. E aqueles que insistem em dizer que o seu pensamento está ultrapassado, basta observar certas conexões com o nosso tempo. Se nosso objetivo racional, ou mesmo a nossa ética nos permitir dar um freio no consumo, enxergaremos que ele não nos oferece alegria.  Dessa forma a religião do bem-estar consumista vai pra escanteio. A harmonia interior do rapaz que correu, correu tanto, não vai chegar a lugar nenhum mesmo. 


Se há 300 anos o homem tinha dificuldade em ser feliz com as "árvores" e as frondosas florestas, não será agora com as novidades do mercado que ele irá se satisfazer. O desenvolvimento tecnológico não diminui a ansiedade, e mais grave, sociedades ricas se espantam com a fome e as decepções.


O francês Gilles Lipovestki revelou a felicidade paradoxal da modernidade, onde temos tudo mas não temos nada.


Se não aprendermos a arte de amar (pessoas e coisas com sua real significância) vamos correr, correr e...não chegar a lugar nenhum...






Valdocir Trevisan
 é gaúcho, gremista e jornalista. Autor do livro de crônicas Violências Culturais (Editora Memorabilia, 2022) Para acessar seu blog: clica aqui