por Marcela Elisa__
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Foto de Jr Korpa na Unsplash |
Coloquei uma música na JBL que me lembra você, mas essa parte já superei. Peguei a caixinha, liguei na tomada (porque a bateria dela é uma droga e acho que isso é sua energia duvidosa, pelamor), coloquei no volume alto e comecei a dançar no chuveiro. No ritmo. Exatamente no ritmo e você saberia dizer os passos e compassos, tenho certeza. Aí veio o pensamento:
Será que terá um alguém que perceberá que estou seguindo a bateria com os quadris, a guitarra com os ombros?
Bom, dia desses peguei o carro do meu pai (o meu perdi no divórcio — e perdi muito mais que um carro, perdi um amor, mas isso é assunto para uma crônica chamada “maré baixa, maré alta”) e fui até São Paulo capital. Era show do Hermeto Pascoal. Você sabe, até me considerava incapaz de ouvir Hermeto, é muito além do que meus ouvidos são acostumados, não por falta de oportunidade, pois meu irmão ouve há tempos! Era uma falha minha mesmo. Mas eu fui.
No caminho, como dizia, no automóvel do meu pai, coloquei um top mostrando a barriga. Acho que nunca saí com a barriga de fora em toda minha vida! E, agora, aos quarentões, decidi mostrar as pernas e a barriga. Que petulância a minha. Esse papo de “meu corpo, minhas regras” é batido, mas posso te garantir, amor, é até uma certa idade. Depois, passa a ser “meu corpo, todas as regras”. Enfim, me perdi no pensamento.
Voltando.
Encontrei minha amiga na rodoviária e lá fomos. Natura Musical, lugar chique, tiramos uma foto no espelho, óbvio. A casa não estava lotada, poderia dizer que até, surpreendentemente vazia, por ser o Bruxão da música, mas estava aconchegante. Entrei rindo, um pouco embasbacada por estar ali, de barriga de fora, para ver Hermeto Pascoal! Pelamor!
Dei dois passos e vi você. Andando e rindo com seu sorriso aberto, me abraçando, feliz. Fiquei sentindo aquele corpo tão longe e tão perto, que clichê, diriam minhas amigas mais chegadas. Andei, virando o rosto de um lado para outro e vi você. Não acreditei, vi você com seus óculos pretos, redondos, olhando pra mim como se quisesse me comer de garfo e faca. Fiquei apaixonada, como sempre fiquei. Te amei. Mas foi preciso deixar suas mãos porque ali, perto do palco havia outro de você. Ele estava com uma camiseta massa, do lobo-guará, e vestia também, meias verde-folha. Um gato! Cheguei perto e ele sorriu pra mim. Parecia hipnotizado, sorri de volta, ainda que não quisesse demonstrar tal emoção, saiu sem passar pela cabeça. Te amei tanto! Dançamos as primeiras músicas um ao lado do outro. Você sabe que gosto de dançar sozinha. Hermeto tocava um berrante, sentado com sua barba branca e seu chapéu de bruxo e a gente ria pra ele. Nessa, de dançar cada um na sua, tentei encontrar minha amiga e encontrei mais um. Esse era especial. Admiramos, juntos, o percussionista estrondoso que acompanhava a estrela do palco. Eu não sabia falar sua língua musical, mas você sabia que eu sabia no corpo toda a teoria.
Percebi, por um segundo, que o show estava lotado de você.
Saí de lá de mãos dadas para um samba de padaria, dos bons, caminhada pelas ruas noturnas e uma longa noite pela frente. Do jeito que a gente gosta.
Me chamo Marcela Elisa e sou mãe do Francisco, além de escritora, professora na educação básica e pesquisadora da Linguística Aplicada. Atualmente, moro no sul da Bahia e me dedico a ensinar Língua Portuguesa para a comunidade de Taipu de Dentro, enquanto escrevo meu primeiro livro sobre as experiências de ensinar e aprender pelo Brasil afora. No mais, gosto de tarot, de ir a shows e de suar na corrida.