Cinco poemas do livro "Amarelo Mostarda", de Maria Emanuelle Cardoso

 por Maria Emanuelle Cardoso

                                  
                     
a neblina atravessava a retina
mas você me olhou do calo à caspa 

e cantou-cantei


conheço matas 

quase tão uivantes 

quanto os teus olhos


também nelas quando entro

nunca olho para trás






chicletes tutti-frutti


andar sempre na ponta dos pés 

descalça

silenciosa

sem olhar para os Reumatismos 


não despertar os Nomes

sob o tegumento das charcutarias 


quieta, cada vez mais quieta

imóvel, translúcida, intocada

como a saudade grotesca das cristaleiras 


podes beber nos meus copos

esta poeira na superfície 

é do acúmulo de olhos





dengodesdém


comprei um pequeno cacto 

permaneço fiel à paixão das coisas 

de baixa manutenção. a orquídea floresce,

os afropássaros acordam cedo

o chá e o café estão sempre frescos. 

curioso como os olhos podem servir

de colher. assim meço os dias, o risinho

o grito, o balanço, fazem trinta. 

duas colheres de sol, quatro olhos

de nuvem, assim vai. é nublado. 

queria continuar a te dizer

 




Felis catus não fênix cactos


escrever um poema 

é como acariciar um gato arredio 


se à sua porta

ele decide:

penetrar em silêncio 

com sede

ou à contínuo

e primitivo uivo


importante é que veja-me: isso não é

defaunação intratoráxica 

é melhor que queira

subirei a sua janela


com unhas anciãs recém-paridas 

destruirei suas redes de proteção 

passarei horas em sua barriga 

fazem-me cócegas 

suas cãibras lombrigas/gases/preocupações


fique completamente quieta

tudo que peço é acaricie minha testa novamente

novamente


ficarei de canto,

esqueça-me


miarei com fome:

me olhe.


se fico de canto

um susto


batidas em sua porta 

bato à sua porta 

lembre-se:

eu preciso entrar


vou te deixar 

com marcas

dos meus dentes 

em sua canela


toda vez que passar por mim

arquearei as costas

para que dê um pulo


humana minha 

tenho todas as vidas

mas rápido posso morrer 

se você não souber

onde colocar o raticida






aprendizado dos gatos frajolas


I.


no teatro

nas têmporas no tempo

virar de costa aguardar

ainda no personagem

a queda

das cortinas


II.


estou sempre

esbarrando minha mão em tudo 

somente assim 

se entra no mundo


III.


nunca chego na hora por isso o hábito

de entrar na roda pelas janelas


IV.


ouvi dizer que quem abraça 

a condição natural de carrapicho

ganha pés autocóricos



V.


como as gramíneas fazer birra



VI.


nenhuma porta se manterá fechada se enquanto cairmos gritarmos]


VII.


caso queira me procurar 

tenho um nome completo

composto quatro apelidos nunca olho

quando me chamam.





*Maria Emanuelle Cardoso nasceu em 15 de novembro de 2000 em Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Possui bacharelado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), mesma instituição onde atualmente é mestranda em Biodiversidade e Uso dos Recursos Naturais (PPGBURN). Seu primeiro livro, intitulado Amarelo mostarda, saiu pela Editora Nauta (2024). Anterior ao livro, sua obra vem sendo publicada em antologias e revistas (Há quarenta e seis pés, Totem&Pagu, Cassandra, Aboio, Ruído Manifesto, Casa Inventada, Oficina Literária da Revista Cult, Cupim). Ganhou o segundo lugar do Prêmio Poesia Agora Verão 2021 (Trevo) e participou do Clipe Poesia 2023 na Casa das Rosas.