Poemas de João Felinto Neto


                                                    


MIUDEZAS ( Virtual Books Editora - 2025)


ENTRE NOSSOS LENÇÓIS

Eu sonho nós.
E é tão real estarmos juntos
Que chego a sentir muito
Pelos que estão à sós.
Acordo ao seu lado,
Calado, colado
Entre nossos lençóis.



NINGUÉM NUNCA ME DISSE



Ninguém me disse
Que a casa ficaria triste
Sem as suas risadas.
Que a sala com a porta escancarada,
Não traria você de volta.
Que a calçada,
Agora silenciosa,
Permanecerá à nossa espera
E das mesmas histórias.
Ninguém me disse
Que você só existe
Em minhas memórias.
Ninguém nunca me disse
Que eu ficaria tão triste
Como estou agora.


CONTORNOS ( Virtual Books Editora - 2025)


a mansão é tão soberba
quanto o nobre.
o apartamento podre,
condenado a desabar.
o barraco a abrigar,
a mais um pobre.
onde mora o anjo esnobe?
no altar.

…questão de moradia


segundo, minuto, hora
fazendo conta no agora.
por dia, semana, ano
a vida vai se somando.
e de segundo em segundo,
tomando nota do mundo.
e de minuto em minuto,
perdendo um pouco de tudo.

a cada passo que passa,
o mesmo pé que descalça
calça com a pressa.
e se o relógio se quebra,
o tempo jamais espera
e nunca acaba.

                ... quebra das horas



VERSALHADA ( Virtual Books Editora - 2023)



ENTRE OBRA E PASSATEMPO

A vida me desdobra
Entre obra e passatempo.
E paga em fingimento
O que me cobra.

Enquanto lhe dou corda,
O relógio me condena,
Aumenta a minha pena,
A cada hora.

No adeus, eu vou embora.
E num aceno,
Resumo em silêncio,
A minha história.



CASA DE PALHA

Sou uma casa de palha
Numa praia solitária
Que envelhece e se degrada
Com a intempérie e o tempo.

Na ilusão de movimento,
Vive seu próprio silêncio
Nessa imensidão de nada,
Em seu desconhecimento.




O DEVOTO

Meu corpo sequioso de querer,
Renovou-se em seu rosto cultuado,
Entregou-se para se ver imolado
Num rito consumado pra morrer.

Na minha devoção ao prazer,
Ousei louvar você, ajoelhado.
Beijei seu baixo ventre abençoado
Para em seus grandes lábios, renascer.

Exultei pela graça de sofrer
O êxtase de um ávido condenado.



EXPRESSÕES ( Virtual Books Editora - 2023)


SIMPLES COINCIDÊNCIA

Tenho a sensação que minhas lágrimas
Não afogam meu sorriso.
Que os meus demônios são movidos
Pelos que me dão as bênçãos
Com suas crenças assombradas
Pelos mitos em um rito
De temor e obediência.
A minha nudez é indecência,
Uma ofensa aos seus princípios.
E os meus dias de hospício
Serão vistos
Como simples coincidência.



ALMA PENADA

Que pena minha alma penada
Que à noite me assombra
E de dia é sombra
De uma vida sem graça.

Anseio pela noite passada,
Onde a imagem embaçada
No espelho,
Entre medo e desejo,
Ansiosa, me olhava.



LÂMINAS QUE ME EXPÕEM A CARNE
( Virtual Books Editora - 2019)


ENTRE COSTURAS

Tenho vontade de tramar ternura
Em colares de amores ressentidos,
Adornar vestidos com babados de doçura,
Descoser as linhas que sustem a angústia
E entre costuras de sonhos bons,
Desatar laços de esperança e otimismo.

Em camisas abertas ao desespero,
Pregar botões de alegria e dinamismo.
Coser com ponto miúdo os bons amigos
E alinhavar os fúteis cós dos desmazelos.
E entre costuras de sonhos bons,
Cortar tecidos macios e coloridos.



TEMPO DISSIPADO


O meu tempo dissipado pela rua,
Continua a me consumir.
Envelheço sem ruir,
Entre prédios e calçadas.


Minhas calças esgarçadas
Não me deixam seminu.
Ante o céu ainda azul,
O meus olhos caem em lágrimas,


Chuva fina que me encharca de sentir.
Meus remédios não têm tarja pra dormir.
Em silêncio eu espero a madrugada.
Amanheço sem palavras,
Vendo o sol me seduzir.



JÁ NÃO DOU OUVIDO ÀS MESMAS PALAVRAS

Não reconheço meu caminho, porém sigo.
Quem serão meus inimigos, desconheço.
Hoje esqueço, o que fora imprescindível.
Se eu ficava acordado, adormeço.


Virou riso, o mais crítico segredo.
Meu fascínio se tornou aborrecido.
Destemido, o que tinha tanto medo.


Eu mudei a opinião que sustentava.
Minha casa tem a paz dos falecidos.
Já não dou ouvido às mesmas palavras.
De uma fé consolidada, ceticismo.


Talvez seja minha idade, o motivo
Para acreditar que o nada
É o meu existencialismo.



APENAS UM DELES

Se me tomarem por sombra
De uma porta entreaberta...
Meus olhos espreitam as velas
Do morto sendo velado.
De todos, menos culpado,
Pois já não creio na espera
Além do corpo enterrado.


Se me tomarem por sábio
Que do saber observa...
Do pasto, a mesma erva
Que alimenta o gado;
O verme no chão molhado
Que se oculta na terra,
Na cova do sepultado.


Se me tomarem por cama
De um bêbado adormecido...
Na esperança do esquecido
De jamais ser encontrado.
Como um braço amputado,
Sou o membro invisível
Que deseja ser lembrado.


Se me tomarem por único,
Serei apenas um deles.



CAMISA DE FORÇA (ELUCUBRAÇÃO NO MANICÔMIO) ( Virtual Books Editora - 2014)


PERSONAGEM VIVA DOS MEUS ERROS

O meu medo é que você exista,
Personagem viva dos meus erros,
Que volátil por entre meus dedos
Desfaz-se em escrita.
Sua voz em silêncio grita,
Mesmo oculta entre papéis e selos.
Tais apelos, mais ninguém leria,
A não ser eu mesmo.


OS MEUS FANTASMAS

Os meus fantasmas
Não são de pessoas mortas
Que se levantam das covas
A procura de redenção.

Os meus fantasmas são
De personagens vivas
Que por serem esquecidas,
Pedem por recordação.


O PARAÍSO

Os mortos estão mortos,
Eis o paraíso.
Enquanto os vivos ficam omissos
E sem remorsos.

Os nossos
São os mortos escolhidos,
Os ritos
São ridículos esforços.



NADA ALÉM DO QUE SE TEM AQUÉM DO NADA ( Virtual Books Editora - 2017)


ENTRE MISÉRIA E DESGRAÇA

Qual o nome de minha rua?
Eu moro numa dessas ruas solitárias e mal iluminadas
Onde ninguém se situa
Por jamais serem citadas.

Ruas de estreitas calçadas
Onde a penumbra oculta
A vítima, o sonho, a culpa,
A dor, o riso e a lágrima.

Onde a moleca descalça,
Brinca com a boneca suja
Na soleira desgastada.

Lá, o tempo se arrasta.
Pois a vida está reclusa
Entre miséria e desgraça.



PELA CASA VAZIA

Tarde da noite, acordei
Com a impressão que era dia.
Mas era a vela que ardia,
Que à cabeceira, deixei.

Mesmo assim, me levantei.
E pela casa vazia,
Com a pisada macia,
Tranquilamente, andei.

Na sala, eu encontrei
A solidão que sofria
Pela mesma companhia
Que a vida toda, esperei.

Na cozinha, eu pisei
No calcanhar da alegria
E pela sua agonia,
Eu tristemente, chorei.

Quando ao quarto voltei,
Vi que a saudade dormia
E ao pé da cama jazia,
O sonho que não sabia
Que eu não me acordei.




NEM MAIS UMA PALAVRA ( Virtual Books Editora - 2013)


O COMEDIANTE

Sou do tamanho que posso,
Que não pode ser tão grande.
Sou às vezes, num instante,
Tão pequeno, tão remoto
Que me sinto um gigante.

Sou maior do que fui antes,
Infinitamente escasso.
Tão extremamente raro
Quanto vasto e abundante.

Sou gritante
Quando calo.
Sou silencioso e magro
Quando gordo e falante.
Sou um triste ocupante
De um espaço ainda vago.
Sou tão trágico
Quando sou comediante.


NO ESPELHO DOS REMORSOS

Eu desconheço o meu ódio
E desvaneço em meu medo.
A minha trama é enredo
Do desapego e do ócio.

Eu sempre faço o que posso
Para rever com acertos,
O reflexo dos meus erros
No espelho dos remorsos.

E cada dia, me esforço
Para manter meus segredos
Que são os mesmos que vejo
Ocultos aos rostos alheios,
Dentro de seus próprios olhos.


ENTRE JAZIGOS LUSTROSOS

Aonde iriam os mortos?
Ao rio dos remorsos,
Onde apesar dos esforços,
Não há como emergir.

Os vivos teimam em seguir
O caminhar de seus ossos.
O praguejar de seus rogos,
Ainda tentam ouvir.

O verbo é inexistir.
A carne, pútridos corpos.
As vozes, meros monólogos,
Entre jazigos lustrosos,
Dos que permanecem aqui.




TRÍPTICO
( Editor/Autor - 2007)


Contraceptivo

Eu não sei se é o desespero
que me leva à loucura
quando o sexo estupra
a minha alma,
ou a calma
que advém do meu tormento
pelo tempo
que passou em minha palma.
Movimento anormal
de penetração moral
em sua saia,
e no cheiro da indecência,
feromônio da ciência
em uma jaula.
Uma fera excitante
que no último instante, ofegante,
cospe a vida
no seu couro de borracha.
Não há luta, nem corrida;
há uma triste despedida
de um suposto vencedor
que foi fruto de um amor
e se enforcou
com a própria cauda.



Coveiro

Entre corpos velados,
de joelhos.
Entre lábios selados,
um desfecho,
como as covas que cavo.
A ferrugem do prego
que eu cravo.
Na madeira um estalo,
traz o medo.
Na demência, o segredo
de um fim trágico.
Na ausência, um lapso,
um desterro.



Em demasia

Eu sou demasiado triste,
pelos versos que componho.
Eu sou demasiado louco,
pelo pouco
que proponho.
Não deveria o mundo ser assim,
em demasia.
Talvez não seja o mundo,
seja enfim,
minha poesia.
Demasiada em meu tédio,
sem remédio,
em grafia;
em longas noites mal dormidas;
nos insultos
que eu ouvia.
Não caberia em minha mão,
toda a visão
que em mim cabia.
Eu sou demasiado em tudo,
que ironia,
demasiado em meu luto
por ser fruto
de utopia.
Em demasia são os dias
que me escapam entre os dedos
como uma teia
que é lânguida e esguia.
O mais sublime pensamento
que perde tempo
em demasia.
Demasiado, meu tormento,
pelo tanto
que eu não via.
Demasiadamente eterno,
meu inferno em agonia.
Em demasia sou
quem sou,
um astronauta que acordou
num mundo estranho
em demasia.



SOPRO POÉTICO
  (Editor/Autor - 2006)


Impune

Chego a acreditar
em sonhos.
Mas minha alma
só me leva
à realidade de meus passos,
que pelo acaso
não são frutos de minha vontade.
Meus impulsos
são argueiros
nos olhos alheios.
Mantenho meus pulsos
acorrentados à natureza humana
em delírio.
Sou tão frágil
ante meus erros
quanto ante meus desenganos.
Sou tão falho
como os atos
que me deixam
impune.



O gato

Sobre as patas,
não há falas que incomode.
Na areia,
deixa o molde.
Não se importa
se o mundo não tem paz.
Sua paz
é o pé da porta.
Entre pernas
não se deixa iludir.
O telhado
é a sua cobertura.
Não se importa com a altura
a subir.
Sua presa,
quando presa, lhe apraz.
Não tem hora.
Os carinhos da senhora,
pede mais.
Não lhe impõe questões, a vida.
O seu beco-sem-saída
é apenas sua morada,
sua casa escancarada
para a rua.



SOMBRA & ESPELHOS  Editor/Autor - 2007)


Soneto da vitrine

A vidraça estilhaçada,
Não desfaz a minha imagem,
Não subtrai da cidade,
A luz do sol ofuscada.

De pé, fiquei na calçada
Com minha mão estendida.
Exorcizei minha vida
Na pedra que arremessara.

Por um instante, escutara
O som de ossos quebrados
Da montra fragmentada.

Meu corpo feito estilhaços
Que os passantes pisavam
Entre espanto e gargalhadas.



Poetas

São tantos os poetas
Quanto estrelas,
Dispersos em bandeiras
Pelo mundo.

Eternos e profundos
Pelas letras,
Em digressões soberbas,
Em dimensões sem fundo.

São tantos os poetas
Que o planeta,
Em tinta de caneta,
É resumo.

Enorme rascunho
Em línguas estrangeiras.
A tradução perfeita
Das emoções do mundo.



Só em te amar

Só em teus lábios,
Eu encontro meus gemidos.
Só em meus gritos,
Eu consigo te encontrar.
Como enganar
A emoção de estar aflito.
Eu te preciso
Como a noite, do luar.

Só em teus passos,
Eu caminho decidido.
Surpreendido,
Tento não justificar.
Sem teus abraços,
Os meus beijos são sofridos
Como os feridos
Que não podem se curar.

Só em te amar
É que eu encontro o sentido
De tudo aquilo
Que consigo imaginar.


SOB MEUS CALCANHARES (Editor/Autor - 2007)



Turgescência

Eu sinto os teus cabelos
entre meus dedos,
teus lábios comprimidos
ao meu desejo,
o arfar de teu cansaço
entre meus braços
e ouço teus gemidos.

Vejo teus olhos tolhidos
fitar meu medo
de não tê-la satisfeito ainda.
Tenho todos os sentidos
na extensão do meu leito.
E no auge da turgescência,
me torno uma larva imersa
em teus fluidos.



CAMINHOS (Virtual Books Editora - 2011)


OSSOS DO OFÍCIO

Nossos ossos do ofício,
São quebrados no trabalho.
Rodeados de exercícios,
Nossos riscos
São marcados
Entre nossos compromissos,
Pelos traços do acaso.


FOLHAS

As estrofes são dispersas
Tais quais folhas pela terra
Sob as árvores desfolhadas.
Versos secos,
Amarelos por si mesmos,
Entre páginas desbotadas.
Pelo tempo,
As palavras
Como folhas pelo vento,
São levadas.
Acompanho o movimento
De meus próprios pensamentos
Arrastados em silêncio,
Feito folhas pelas águas.


ABRIGO ENCANTADO

Pelas velhas janelas,
O casarão me observa.
Com a porta aberta,
Sorri desdentado.
Abrigo encantado,
Que o mundo despreza.
Foi salão de festas,
Palco iluminado.
Hoje, abandonado,
O mato lhe cerca,
A chuva atravessa
O antigo telhado,
O vento soprado
À noite, revela
Que em sua miséria,
É mal assombrado.


SONETO ÀS CONSOANTES FORÇADAS

Provou-se pelas letras de um mapa
Que vem de um primata, nossa cepa.
Numa remota época, ele se trepa;
Em outra, se oculta numa lapa.

Dele também descende o próprio papa.
Mas a sua mente sábia, a fé decepa.
O que resta na cabeça é só carepa
Que a bela coroa sempre rapa.

Na evolução de uma mera tulipa,
Não cabe artesão com uma garlopa
A dar acabamento a uma chalupa.

Se você der um nó na sua tripa,
O novo alimento nele topa.
E é apa, epa, ipa, opa, upa!



BROCADO (Virtual Books Editora - 2017)


A PEDRA

Pergunta uma pedra empoeirada,
A uma ossada desarticulada e decomposta:
Homem, o que espera nesta estrada?
Não sei se ainda aguardo a volta
Dos pés que me calçaram as botas
Que deixaram na lama, suas marcas
Ou se espero as tão pavorosas tábuas
Que me levariam a uma cova.
A pedra é a lápide que suporta
A mais silenciosa das palavras.



NESSA CASA

Nessa casa eu vivo só, apesar de tanto espaço.
Ouço os meus próprios passos no nefasto corredor,
Arrastando-me de onde estou de quarto em quarto,
A procura e no encalço do meu velho cobertor.

Nessa casa o que eu sou senão empático,
Um belo quadro pendurado e ao dispor
De olhos mágicos que me vejam enigmático
E que sorriam lábios de escárnio e dissabor.

Casa esta que mal cabe meu presságio,
Que qualquer noite num catártico estertor,
O meu corpo purgue a alma desse amor

Que em seu cáustico sadismo sedutor,
Escraviza minha lembrança a uma dor
Que é bem-vinda no silêncio solitário.



BOLODÓRIO Uma farra na poesia
(Virtual Books Editora - 2009)


À deriva

Posso até perder o brilho dos meus olhos,
Mas jamais, deixar de ver tanta tristeza.
No esbanjar de pratos sobre minha mesa,
Vejo a fome refletida nos teus olhos.

O que faço se estou preso ao sistema
Onde a indiferença
Sobrepõe a caridade,
Onde a verdade
É varrida
Pra debaixo da mentira
E onde a vida
É um barco à deriva
Sem ações de piedade?



A rainha

Quem é essa companheira
Que está sempre ao meu lado?
Reconheço seu estado de princesa.
A coroa sobre a mesa,
É o abacaxi cortado.
Seu reinado,
A cozinha que almeja.
Sua prole
É de um pobre
Principado.
O seu rei não coroado,
Transformado em um sapo,
Não é nobre.



REMINISCÊNCIAS - Fragmentos do que não existe mais (Virtual Books Editora - 
2014)


PERPLEXO

Maravilhoso é o meu intelecto.
Apesar disso, é um espinho doloroso.
Ter consciência de mim mesmo é espantoso
E não saber o porquê é um inferno.

De minha origem, esse grande mistério,
O quase nada que sei é tão pouco.
O que me deixa mais perplexo e bobo
É a evolução do meu cérebro
Que em si é extremamente complexo
E incrivelmente engenhoso.

Mas apesar do meu imenso esforço,
Eu não entendo como um ser tão esperto
É incapaz de enxergar quão incerto
É tudo isso que até hoje foi exposto.



O BARULHO DO MEU ÓCIO

Não tenho sócio
E não guardo compromisso na memória.
Não tenho horas,
O meu pulso é desprovido de relógio.
Tique-taque, tique-taque, tique-taque...
Esse é o barulho do meu ócio.



JANELAS ABERTAS (Liro Editora Livre - 2012)


ENSIMESMADO

O amor não me dá medo,
Mas me deixa ensimesmado
Por fazer de um coitado,
Um cavalheiro
E de um príncipe herdeiro,
Mero vassalo.

O amor é inusitado
Quando o primeiro.
É primário em seu desejo
Ordinário.
Tão contrário
O amor é a si mesmo,
Que é eterno e passageiro,
Confiante e temerário.



EM MEU SILÊNCIO

A única certeza que eu tenho,
É de que nada é certo.
E tudo que afirmo é decerto,
Extensão do que eu penso.
É tão imenso
E incompreensível o universo,
Que fico imerso
Em meu silêncio.



LIVRO NEGRO (EXALTAÇÃO À MORTE)
(Virtual Books Editora - 2010)


EPITÁFIO XIV

Ela se aproxima
Sorrateira e linda,
Com seu manto escuro,
Sua mão suada.
Não nos pede nada,
Mas nos toma tudo.
Deixa então, de luto,
A pessoa amada.

Ela não se importa
Com aquele que fica.
Pois só se dedica
Ao que se despede.
Sorrateira, impede
Que a gente viva.
E sutil se infiltra
Sob nossa pele.

Ela só se afasta
Quando mata a alma
E deixa o corpo inerte.



EPITÁFIO XXV

Entre lustrosos castiçais,
Escuto uma triste ladainha,
Percebo armações florais
Em coroas muito finas.
Nas velas brancas acesas,
Observo sobre as mesmas,
Tênues chamas reluzentes.
Através de minhas lentes,
Um caixão escancarado,
Dentro dele, mil pecados
Ensopados de suor.
Eu já não me sinto só,
Ouço Deus e o Diabo
Combinando qual o fardo
Para esse malfadado
E desalinhado, bocó.




GOTA D'ÁGUA (Editor/Autor- 2009)


Soneto à avó magra

Varre o terreiro da casa
Sob o mormaço da chuva.
O seu magro corpo sua;
Seu vestido velho esgarça.

Não vê e nem sente graça.
Nem um tiquinho de culpa
Ao vento que lhe açula
Quando ao seu lixo, espalha.

Sob a palha do telhado,
O chão de terra se ajusta
Entre as paredes de barro.

Cheirando a café coado,
Uma voz fina lhe assusta,
O neto se faz lembrado.


Homens de fumaça

No arrastar de minhas sandálias
Pela casa,
Tenho as lembranças arranhadas
E esquecidas.
Por onde andam as conversas conduzidas
Pelos homens de fumaça?

Se desfizeram com o tempo,
Nas costas de um tênue vento,
Pela janela escancarada.

O velho barco na distância, ainda aguarda
Pela tripulação dispersa,
Numa espera
Que parece eternizada.

Em meio a tralhas,
Depuseram suas velas.
Em meio a elas,
O seu capitão se apaga.



ÁRVORE MORTA (Editor/Autor- 2009)


O poema que eu deixei de escrever

O poema que eu deixei de escrever,
Falaria de você,
De nosso tempo,
De angústia, de tormento,
De alegria e de prazer.
Iria contradizer
Cada palavra
Que as nossas falas
Tinham pouco a dizer.

O poema que eu deixei de escrever,
Seria na verdade,
Uma ameaça.
Calaria minha boca,
Qual mordaça.
Não seria uma desgraça,
Por não ser.
Os meus versos,
Talvez fossem sem querer,
Uma ofensa
A sua crença,
Que eu acreditava
Ter.

O poema que eu deixei de escrever,
Não seria
De valia.
Sem valia,
O deixei de escrever.



Verdadeira intimidade

Eu não suporto
O cinismo humano
Na sua filantropia,
Na sua caridade,
Na falsidade
De um ingênuo plano
De plena liberdade.
Nessa necessidade de querer ser visto,
De ser benquisto
Enquanto pratica maldade
Com o seu próximo,
Que quanto mais próximo,
Mais coloca em risco,
Sua verdadeira
Intimidade.




Meus ais

Entre carne e osso
Me sucumbo.
Minha alma em fumo
Se esvai.
O que me abstrai
Não é meu vício,
É o sacrifício
De meus ais.



MEGALÍTICOS (Editor/Autor - 2008)



Mero espectador

Sou mero espectador;
Não sigo torcidas,
Não adoro a ídolos
E nem cultuo deuses.
Apenas me apercebo das descidas,
Quando caio.
Se estou no meio,
Saio.
E quando me dou por vencido,
Choro.


Um amor

Tenho um amor que fere
E cura o próprio corte.
Um amor que em mim não morre,
Mesmo sob desventura.

Um amor que levarei à sepultura,
Por ser forte.
Que talvez, eu não suporte
E ele me leve à loucura.

Um amor nascido sob a jura
De um eterno casamento
Que se desfez com o tempo
Pela falta de cordura.

Lembro desse amor cada momento,
Em um breve pensamento
De ternura.



COMPOSIÇÕES SEM CIFRAS  (Editor/Autor - 2008)


Cinto no pescoço
Tenho um chapéu
Que me põe à sombra;
Uma camisa longa,
Que me faz suar;
Tenho uma calça
Que de bar em bar,
Cobre minhas meias
Que se escondem, feias,
Dentro de um par
De velhos sapatos
Que tão apertados
Seguem meu pesar.
Tenho que citar
Meu esnobe e fino,
O elegante cinto
Que usei faminto,
Para me enforcar.



POESIA NO LIXO (Editor/Autor - 2007)


Poesia no lixo

Há o riso, o amor, a liberdade,
uma prisão, a dor e a saudade;
também há flores, um barco e até o mar;
folhas, o vento, o tempo e um lugar.
Há incertezas, suas razões, confirmação,
o universo, um mundo inverso, indagação;
há quase tudo,
há todo um mundo,
o mais profundo de um coração,
dentro do lixo de um poeta.



CÁLICE (Editor/Autor - 2007)



O matuto

O matuto está triste,
cabisbaixo e pensativo.
Não encontra um só motivo
para saber se existe.
Tal canário sem alpiste,
preso a uma velha gaiola,
vendo longe a aurora,
sem ter ânimo pra cantar.
Com vontade de voar
para longe, ao horizonte;
a saudade o consome
antes mesmo de partir.
O matuto fica ali,
a pensar no que seria
sem a única companhia,
a choupana em que vive.
Tal amor só visto em versos,
o matuto é regresso
de um lugar que não existe.



Alpendre

Sob a telha mal botada,
uma brecha
que ao sol não pôde deter.
Sob a casa assombrada,
uma sombra,
que não se assombra
quem a vê.
Entre armadores de pau
e pilares de argamassa,
olho o vento que espalha
a areia no quintal.
Vejo a vaca no curral.
Da coivara, a fumaça.
Minha avó achando graça
de algo que ela não entende.
É assim que a vida passa
bem debaixo do alpendre.




Afazeres II

Já lavaste o rosto,
menina?
O sol já vai raiar.

Bota a água no fogo,
Menina,
pro café eu tomar.

Já botaste o alpiste,
menina,
para o teu sabiá?

Vá aguar o terreiro,
menina,
pra poeira baixar.

Onde está meu chinelo,
menina?
Quero me levantar.

Põe mais lenha no fogo,
menina,
pro feijão cozinhar.

Vai lavar as panelas,
menina,
pra fazer o jantar.

Apaga o candeeiro,
menina,
que eu já vou me deitar.

Peço a tua bênção,
mamãe.
Vou também me deitar.

Que Deus te dê destreza,
menina,
pra amanhã trabalhar.

Com as duas dormindo,
leitor,
posso a história acabar.



DE VERSOS, DIVERSOS VERSOS (Editor/Autor- 2007)


Desesperança

Quem é essa
Que me tira o sono,
Que arrebata o dono
De uma humilde casa?

Quem é essa
Louca, desvairada,
Que ao seio me prende
Sem saber se sente
A dor que a outro causa?

Lábios que procuram vida
Carne apodrecida
No envelhecimento.

Quem é essa
Que corrói por dentro
Como um veneno
Sem nenhum antídoto?

Eu sou outro,
Sou um homem dito,
Dito morto
Pela agonia.

Quem é essa
Musa e tirania,
Mistura que havia
Desde minha infância?

Quem é essa
Triste companhia?

Talvez seja a morte,
A desesperança.



Postal

O que é real
Perante os olhos intuídos;
A flor, o riso,
Uma forma casual?
Sou imortal
Perante os olhos redimidos,
Ou sou motivo
De um fenômeno temporal?
A pedra, o sal
Seriam sólidos diluídos?
Os meus sentidos,
Divisão de bem e mal?
Talvez, normal
Seja estereótipo fictício.
Feio e bonito,
Os dois lados de um postal.



ALGUNS DEGRAUS (Editor/Autor- 2007)

Apelo à miséria

Quem me dera, miséria,
eu fosse parte
de um baluarte de sonho e de quimera.
Pela boca mantém-se assim o povo,
a lavagem é a comida que a si, dera.
Na vergonha de reconhecer-se porco,
ter o rosto metido na sujeira,
enlameado atrás de uma porteira
seu anseio é mantido na espera.

Quem me dera, miséria,
eu me calasse
e ocultasse o meu rosto na janela.
Meus princípios mantêm-me assim exposto.
Sou mau gosto travado na goela.
Quem engole as palavras que eu digo
traz de volta a vontade de lutar,
elas tocam a ferida no umbigo
que o conformismo já ia cicatrizar.

Quem me dera, miséria,
quem me dera,
que de ti eu pudesse me livrar.



Dia-a-dia

Tu és para mim
uma flor retirada de uma tela viva.
Aquela flor que há
no vaso da vida,
um vaso revestido de amor e tédio.

Não sei se és a minha cura.
Mas, és o único remédio.

Estou na velha cadeira,
a engolir poeira e a fazer planos,
pensando na mesma e rotineira
tarefa do cotidiano.

Você já não agüenta mais,
disfarça e faz de conta
que não faz conta de mais nada,
que a liberdade é uma estrada
e que no fim da caminhada
o seu destino a espera.

E agora somos meramente,
dois patéticos sorridentes
que acreditam ser felizes.



Cibernéticos

Corremos entre verbos e quimeras,
em uma vida estóica e sem sentido.
Já fomos aos pólos da esfera.
Descemos ao mais profundo abismo.
Subimos às elevações da terra.
Conquistamos o altar.
Evoluímos.

E agora o que fazemos?
Só caímos.
Caímos em desgraça,
em desuso.
Não somos mais humanos.
Somos máquinas.
Os nossos periféricos,
que absurdo,
são extensões
de nossa própria alma.



PAX-VÓBIS (Editor/Autor - 2007)



Substantivo abstrato

O amor,
Alardeariam os eternos,
É optar céu ou inferno,
Deus ou Diabo.
Explicariam os letrados,
O amor é certo
Substantivo abstrato.
É um sentimento ultrapassado,
Assim, diriam os modernos.
É na verdade, um mistério,
Resumiriam os mais práticos.

O amor,
Sussurrariam os celibatos,
É casto, é puro.
Resmungariam os sisudos,
É apenas infantilidade.
É luta pela liberdade,
Exaltariam os dissidentes.

O amor
É para sempre,
Suspirariam os emotivos.
É simplesmente mito,
Afirmariam os mais céticos.
É tão somente sexo,
Falariam os impulsivos,
Impulso de uma vontade.
É perdoar a humanidade,
Ensinariam os profetas.
É a solidão e a saudade,
Declamariam os poetas.



Pelo vento

O vento traz
Vozes tristes e distantes
Que interpreto no silêncio
Como sendo versos casuais.

E os meus ais,
O vento leva para longe,
Em rascunhos que jamais
Terão meu nome.

Ninguém verá o meu semblante,
Mas, saberão de minhas dores,
Pelo mesmo vento que antes,
Outras, a mim, trouxe.



Sempre estamos sós

Reservo-me ao silêncio
E à espera
Até que a humanidade me esqueça.
O travesseiro, talvez me apodreça,
Enquanto espero a morte, minha algoz.

Não quero escutar a minha voz
Em forma de lamento e/ou gemido.
Surpreendo-me, às vezes, esquecido
Que sempre estamos sós.

Percebo que ainda permanece acesa,
A vela que puseram em minha mão.
Discordo da oração que alguém peleja
Tentando me arrancar da solidão.



Sombra de nanquim

Que a vida,
Mesmo frágil, continue.
Que perdure
Meu amor, além de mim.
Que não tenham fim,
Meus passos pela rua.
Que dissipe sob a lua,
Minha sombra de nanquim.



LETRAS, REPRESENTAÇÕES DE IDÉIAS TOSCAS DISPERSADAS EM POEMAS DO COTIDIANO
(Editor/Autor - 2007)



Pedestal de barro

Revogo silêncio
ante palavra e voz.
Reato os nós
que me prendem ao medo.
Reavivo memórias
em busca de segredos
que já não interessam mais.
Reclamo por paz
em meio a intensa guerra.
Replanto a erva
que não nasce mais.
Relato as dores
de males e fome.
Repito o meu nome,
antes de dormir.
Reato os laços
que me prendem aqui,
ao pedestal de barro.



Torre de Babel

O juiz do supremo,
Jeová,
se irrita e sai do sério,
quando seu filho Jesus
vai à noite, ao cemitério.

No boteco do Davi,
onde quem manda
é o Golias,
não há funda,
quem afunda
na cachaça, é o Isaías.

No salão do senhor Sansão,
quem faz o cabelo
é sua mulher Dalila.

As mulheres de Salomão,
o cafetão lá da vila,
choram e sentem solidão
quando estão de barriga.

Lúcifer anda arrasado,
o seu mundo virou trevas,
por ter visto abraçados,
Adão e a senhora Eva.

Noé, o velho barqueiro,
não gosta de animais.
No entanto, adora um peixe-frito
no barzinho lá do cais.

Essa torre de Babel
é o mundo em que vivemos,
onde não há inocência.
Se algum nome ou fato ofender,
é mera coincidência.




OBSCURO (Editor/Autor - 2007)


Como um fantasma

O meu amor é tão presente,
Embora esteja no passado,
Que permanece ao meu lado
Como um fantasma permanente.

Em letras tristes e apagadas,
De uma carta comovente,
Esse amor já sem palavras,
Lê o futuro à minha frente.

Amor ardente
Que não me deixa em solidão.
Talvez pra sempre,
Humildemente,
Exista no meu coração.



Literatos

Aos que balançam a cabeça,
Eu replico
Que no começo,
Somos todos criticados.
Nossos escritos,
Se um dia, premiados,
Não nos darão a certeza
De que foram merecidos.
Eis que a nós,
Os literatos,
Não importa o estrelato.
Mas que ao mundo,
Nós, de fato,
Não sejamos esquecidos.



SONETOS NUMÉRICOS (Editor/Autor - 2007)


Soneto nove

É o segundo dia de novembro,
Parei diante de uma antiga lápide,
Olhei pro céu, era final de tarde,
Lembrei de nós em cada bom momento.

Perdoa não cumprir o juramento.
Mas, não posso fugir da realidade.
Seria revogar minha verdade,
Viver de ilusão e fingimento.

Você não pode mais me escutar.
Pois, só existe agora em lembrança,
A única forma de se eternizar.

Assim, mantenho ainda uma esperança:
De vê-la em criança, aqui voltar,
Mesmo que seja apenas semelhança.



Soneto dez

O que espera de mim, pátria minha,
Um eleitor de punhos amarrados;
Se me dão, separados, dois punhados
Que vêm do mesmo saco de farinha?

Sua nação encontra-se sozinha.
Alguns dos seus pupilos são culpados.
Os seus poderes são manipulados.
Suas forças, suas armas saem da linha.

Parece que é essa sua sina,
Não aprender com os erros do passado.
Assim, sem direção você caminha.

A esperança é o último legado.
Quem sabe, a consciência nos ensina
A condenarmos todos os culpados?



Soneto oitenta e quatro

O que somos na verdade que não seja
Ilusão de nosso próprio pensamento?
Nós vivemos no mais tolo fingimento,
Por que nossa consciência, assim, deseja.

Essa posição que o homem tanto almeja,
Por achar que é de seu merecimento,
Já não passa de um enorme isolamento
Ao qual a nossa espécie está sujeita.

Nossa civilização ainda rasteja,
Apesar de todo o seu conhecimento
E da esdrúxula mania de grandeza.

Triste espécie que degrada a natureza,
Consciente do próprio aniquilamento,
No intuito de acumular riqueza.



QUADRILÁTERO (Editor/Autor - 2006)



Fruto de um sonho

Achava que o mundo em que vivo
era só sonhos;
que cada um tinha um amigo;
que ninguém passava fome;
que era respeitado o sobrenome
independente da cor;
que todo jardim
tinha flor
e que a vida não tinha fim;
que o homem sentia dor
diante dos atos seus;
que adeus,
era apenas espere por mim.

Mas vi a vida chorar
e descobri que para crer
era preciso enxergar.
Enfim eu pude notar
que a vida ficava velha;
que havia fome e miséria;
que o homem fazia guerra
e destruía seu lar;
que nunca mais,
era adeus;
que o amor
era fruto de um sonho
que a mãe chamava de Deus.



H2O

Meus pés, sob a água
que escorre pelas pedras,
se consomem me levando
em lágrimas, sangue e suor,
por eu ser predominantemente H2O.
E no mais profundo do que sou,
mergulho em mim.
Agora sou moléculas de água.
Integralizo-me à fonte,
desço do monte
e reflito a imagem da ponte
que sobre mim, estática,
sustenta as pessoas que me olham
e não me percebem.
Não sou outro.
Não sou morto.
Não me encontro só.
Sou universalmente
H2O.



Indecente

Não sou um cavaleiro imaginário,
apenas um vassalo
que caminha.
Pela realidade,
um escravo
que tem a ilusão
que é livre ainda.
Não sou nenhum beato,
nem um cão.
Eu não uso sermão
e nem batina.
Meu rosto
é palidez,
enquanto expiro.
Meu sexo
sem estilo,
estupidez.



Não seria

O que seria de mim
sem ter você?
Seria um livro sem a página do fim;
uma janela sem um belo jardim;
uma jangada sem vela pra rumar.

Seria eu, uma lágrima sem chorar;
um dia inteiro sem ter pra onde ir;
uma criança que teima em não sorrir;
um sonhador que não sabe mais sonhar.

O que seria de mim
sem ter você?
Seria um bravo impedido de lutar;
um grosso espinho sem ponta pra furar;
um narcisista que não se vê.

Seria eu, uma causa sem porquê?
Uma espera por quem jamais viria.
O que seria de mim?
Um triste fim.
Sem ter você,
nada seria.




GRAVETOS (Editor/Autor - 2006)


Soneto da iniqüidade

Eu não dividi águas;
nem multipliquei comida.
Não sigo mandamentos
de uma lei prescrita.

Se eu usei provérbios
para falar da vida,
não vejo condenados,
vejo apenas vítimas.

Em meu barco à deriva,
há homens imortais
da terra prometida.

Dos homens imortais,
havia apenas ossos,
quando aportei no cais.



Lambuzadela

Meus vasos não são sangüíneos,
são de barro,
para acomodar minhas raízes
que não precisam de estrume,
pois são minha língua
que não lambe, fala,
e são meus costumes
que não morrem
por serem lembrados.

Seus lábios,
grandes e pequenos,
não me beijam,
porém fecham o meu esporo hereditário em seu interior reprodutivo.

Meu fruto
é amadurecido
na imensa árvore genealógica.
Meus membros
são da família,
primatas modernamente instintivos.
Entre fauna e flora,
sou mamífero vegetariano.




OLHOS DE GURI (Editor/Autor - 2006)



O trem

Eu tenho um trem,
bordado em minha toalha.
Um trem colorido,
soltando fumaça.
Não ouço o apito.
Não vejo a estação.
O trem só caminha
na minha
imaginação.



Ciranda

Enquanto ali, de mãos dadas,
rodava em uma ciranda,
de meus brinquedos, afastava
minhas lembranças.

Com um sorriso encantava,
irradiava esperança.
Crescia em mim, o carinho
pela menina de tranças.

Meia-volta no caminho
que me levava à escola,
para voltar à ciranda
e vê-la brincar de roda.

Volta e meia sou criança.
Ouço a inocência cantar.
Desmancha, o vento, as tranças.
Os olhos põem-se a chorar.





Ciranda

Enquanto ali, de mãos dadas,
rodava em uma ciranda,
de meus brinquedos, afastava
minhas lembranças.

Com um sorriso encantava,
irradiava esperança.
Crescia em mim, o carinho
pela menina de tranças.

Meia-volta no caminho
que me levava à escola,
para voltar à ciranda
e vê-la brincar de roda.

Volta e meia sou criança.
Ouço a inocência cantar.
Desmancha, o vento, as tranças.
Os olhos põem-se a chorar.




CABAZ com frutos do meu delírio
(Editor/Autor - 2006)



Gramatical

Só em letras imprimo minha alma.
Mais do que texto
sou contexto indecifrável.
Meu sinônimo é antônimo de si mesmo.
Um sujeito indefinido
que é objeto de um erro
gramatical.
Entre modos e tempos,
triste verbo
que ecoa na forma nominal.
Orações que são subordinadas
aos meus vícios de linguagem.
Um início em letras ordenadas
e um fim
numa expressão oral.




Abstração

Meu paradeiro,
não me pergunte,
é ermo.
Meu erro,
um desengano.
Meu abstrato querer
é verdadeiro.
O meu agora,
é quando.
Por ser em parte,
não sou inteiro.
O meu tinteiro
é preto e branco.
Apenas passo pelo primeiro,
mas sou o último plano.



Amplidão

Meu rosto já não cabe em minhas mãos
por ser meu pranto
bem maior que minha face.
Eu sou em parte,
parte de mim
que em mim não cabe;
sou amplidão.
Ponho na mão
o mundo que nela não cabe.
Peço perdão
à parte que ainda cabe em mim,
por meu sorriso,
é por saber que nada sabe.




Liame

Sou livro
intitulado.
Um desabafo.
Sou todo
em parte.
Um lacre violado.
Sou tudo
num nada
dissipado.

És flor
dissecada
na mão aberta
em palma.
És colo e calma
na casa onde cresci;
moeda encontrada
que perdi;
o berço
em que nasceu
minh'alma.



Sobrenomes

Não somos tão importantes
com as nossas caras
inconstantes,
nossas falas
intercaladas
pelo silêncio.
Somos sobrenomes
que talvez não digam nada,
pois nossa alma
não atende pelo nome.
Somos doce mundo,
triste fundo,
espelho d'água,
somos quase tudo,
quase somos nada.



Cotidiano

Os dias,
passamos por eles.
A vida
já não nos pertence.
No mundo
do qual fazemos parte,
vivemos por posse.
Nos expomos na vitrine
do cotidiano
para nos vendermos,
para nos comprarmos.
Passamos a vida
a nos olharmos
sem nos percebermos.
Somos meramente
manequins que sonham.



Última morada

Na casa do teu desterro
um fecho cerra a entrada.
Não há cortina à janela
para ocultar os teus medos.
Há um espelho quebrado,
pedaços de quem se olhar.
Num quarto de lua partida,
uma mortalha em retalho.
Não há bem vindo na porta.
Não tem sala de visita.
Há sempre uma rede armada
como armadilha perdida.



Sepultamento

Os meus olhos pregados
no infinito
como os pregos nas tábuas
cravejados,
e de pontas viradas,
redobrados,
sustentados e fixos
numa curva.
No aconchego da madeira macia,
minhas costas
nos ossos da bacia
consolam meu corpo
tão curvado.
Pelo tempo que tenho acumulado,
a ferrugem do mundo
me comeu,
e a tampa que pregam
me prendeu
para sempre num rito consumado.
Por debaixo da terra
condenado
a ser parte da mesma
e não ser eu.



POR MINHAS MÃOS (Fundação Vingt-un rosado- 2003 (Coleção mossoroense. Série 
C. V. 1322)


O vaso

Vaso sem rosas,
vazio de nossas
lembranças.
Já não se encontra,
onde o havia deixado
em nossa última dança.
Ainda a vejo,
tão cheia de esperança,
sorrindo como criança,
encher o vaso de sonhos
e colocá-lo à janela.
Rosa bela,
o nosso vaso encantado,
agora todo quebrado,
é simplesmente um vaso,
um vaso de porcelana.



Corpo e alma

Talvez na minha calça
já não caiba minha vasta idade.
Em meus cabelos ralos e grisalhos,
o tempo sente falta do que via.
No espelho embaçado de saudade,
minha camisa já não me abraça.
As alpercatas me arrastam dia-a-dia.
Minh'alma ainda conserva a mocidade
num corpo que é imprescindível companhia.
Os laços que nos unem são tão fortes,
que nem mesmo a morte
nos separaria.



Abandono

Um banheiro sem cortina,
de uma casa abandonada.
Nada de portas e janelas,
nas portadas o que resta
são dobradiças quebradas.
Quantas cenas relembradas.
Um telhado que faz medo.
Um livro com páginas arrancadas,
um romance sem começo.
A madeira apodrecida.
Uma pia esquecida,
há tanto tempo sem ver água.
Grande fenda que me cabe,
na parede lateral.
Uma flor que ainda se abre
entre a erva do quintal.



Guia

Mais bonita flor
Infinita dor senti
Nasço em ti
Hoje e sempre teu
Alucinado amor

És o guia de minh'alma
Tudo e nada
És a mão que me acalma
Riso e lágrima
Noite e dia
A mais intensa

Luz que me ilumina
Única



OPALINA  (Fundação Vingt-un rosado- 2003 (Coleção mossoroense. Série C. V. 
1322)




Suas e minhas

Estão vazias
as minhas mãos,
assim como as suas.
As minhas de pão,
as suas de comoção.
Estão cheias
as minhas veias,
assim como as suas.
As minhas de dor e revolta,
as suas de orgulho e soberba.
Estão chorosos, os meus olhos,
por perceberem que os seus
fingem não ver que os meus
ainda choram.



PÁGINAS DE ONTEM  (Fundação Vingt-un rosado- 2003 (Coleção mossoroense. 
Série C. V. 1322)



Canto de sereia

Como um canto de sereia
de belíssima harmonia,
letra correta, verdadeira poesia
e melodia
que eterniza nossa alma.
Por onde anda
a sereia encantada
nas profundezas desse mar de ignorância?
Letra incorreta com falta de concordância
e melodia
que nos faz perder a calma.
Só na lembrança,
o teu canto nos enleva
na emoção que tua voz nos faz sentir
e na saudade, o nosso coração desperta
pra realidade,
não há nada mais pra ouvir.



Insolação

As rachaduras do solo,
sem querer,
me revelam figuras imprecisas;
levanto os olhos,
não são miragens,
são imagens distorcidas.

A água mina
enchendo a tina de sonhos
que transborda até a realidade
em forma de suor
na aspereza da pele seca.

A estrela solar
parece-me tão perto,
iluminando o meu deserto,
escurecendo a minha vista.

O chão quente
me enraíza a si como corrente.
Fico passivo na ventania de areia,
olhos vazios de alma,
insofrível dor que acalma,
vida em resignação.




Aparição

O chão que piso, seus pés não tocava.
Em meus ouvidos, uma voz do além.
Além de mim, não havia ninguém.
Naquela noite, a solidão reinava.
Eu desconheço maior sofrimento.
Sobrou lamento em minha assombração,
faltou ação em meu assombramento.

Encorajado pelo próprio medo,
lancei os olhos ao velho portão.
Corri dali como se fosse o vento,
pisando em túmulos que havia no chão.
Num cemitério não piso tão cedo.
Sobrou ação em meu assombramento,
faltou lamento em minha assombração.




João Felinto Neto, nasceu em Apodi em1966 e reside em Mossoró–RN há quarenta anos. Em 1986 ingressou no serviço público. Concluiu o curso de Ciências Econômicas, pela UERN, em 1991. Publicou meu seu livro de poemas: “Por minhas mãos” em 2003 (Fundação Vingt-un rosado) e lançou “Miudezas” (Editora Virtual Books- 2025).