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por Adriano B. Espíndola Santos__


A vitória , 1939 - por René Magritte

Escutei, ao longe, indícios. Logo o arrepio e o asco, feito unhas raspando a parede lisa da sala, percorreram o meu corpo. O mal-estar iminente, a galope, atravessava as entranhas e arrancava meu coração, boca afora.

Era real. Incrível. Mal pude acreditar, em pleno começo de ano. O sujeito entrou e sentou, com louros, no mesmo espaço que eu. E aí? Recolhi-me à insignificância de um mero trabalhador. Eu, simplesmente, fui forçado a dividir o ar com um sujeito que detonou, durante cinco meses, a minha vida e a da minha família. Que podia fazer naquele estado de submissão? Repito, para me convencer, sou um reles assalariado; e os ganhos valem mais a pena que a cordialidade, humanidade, etc., etc., etc. E quando o dinheiro não valeu mais que qualquer pessoa?

O sujeito, por pura implicância, intrínseca desfaçatez, vinha ganhando, aos poucos, a simpatia do patrão, que, coitado, pode acabar se ferrando como eu me ferrei. E ele sabe; isso é o pior. Ele acompanhou a minha tormenta, o desgaste sobre-humano irresistível por que passei. Mas, sem fugir à regra, para o chefe foi um grandíssimo mal-entendido. Ao passo que, assim, ele disse, em outras palavras: “Você está pirando, rapaz”. E ri – ar blasé derramado. E não consigo esquecer o mantra que ele adquiriu (pagando caro) nos últimos tempos: “Controle emocional, Silvério! Controle emocional, rapaz!”.

Estou vendo, reparando a cara dos dois, que gracejam: “Grande negócio!”; ainda mais, zombando da minha presença. Ganhos mútuos? Talvez. Ou um pensando em ganhar um pouco do outro. A única certeza: nenhum naquela sala estava absolutamente tranquilo, relaxado. Eu, por ter de permanecer ali, como funcionário imediato, atado aos comandos do chefe. E eles, com os seus blefes; treinamentos para controle emocional; tons ponderados e toques milimetricamente calculados de mãos; maneiras circunspectas que se olham, para transparecer confiança, certeza e, por fim, vantagens recíprocas.

Tentei me alhear, primeiramente, mas os sons aumentaram, sem controle. Dispersei-me, completamente. Enquanto estavam lá, não conseguia trabalhar.

Fui arrastado e me espalhei; vaguei e aventurei-me a passear pela praia, onde eu queria estar. Então, um chiste medonho me sugou à realidade; outra frase de efeito, e, como bons e velhos conhecidos, expertos em negócios, certificaram efusivamente que processo iria continuar.

Quando pensei que o sujeito ia despedir-se, virou-se, enfocou o patrão, e articulou: “Aproveitando o ensejo, e o coworking?”. Meu chefe, de braços abertos, sem o abraçar, quase o pegou no colo, acolheu como quem acolhe um parente vivido anos no exterior, e exclamou expansivo: “Ótima oportunidade!”, e desembestou a falar que teria o maior prazer em recebê-lo e fazer parcerias; que precisava de uma pessoa comprometida como ele, para desenvolverem bons trabalhos; e o principal, claro que iria proferir: “Vamos ganhar muito dinheiro em 2020!”.

O embuste, enfim, se foi. Depois de passado o estorvo, da energia pesadíssima que comprometia o lugar, pensei mais e desejei que o meu chefe tivesse tino e sorte. Ele não tem o filtro natural para despachar o mal-estar. Ele não sente. Já percebi. Sorte ou azar? Não sei. Ele, infelizmente, tem a propensão para pensar em cifras, números. E eu, que achei que podia livrá-lo dos absurdos inconvenientes, não pude. Sou, além de tudo, impotente.




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Adriano B. Espíndola Santos. Natural de Fortaleza, Ceará. Autor do livro Flor no caos, pela Desconcertos Editora, 2018. Advogado humanista. Mestre em Direito. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.



por André de Leones__

Editora Rocco, 2013 - Foto: Roseli Vaz

por Rebeca Gadelha


Artista: Palow Nakamura
por Alessandro Caldeira___

Durante toda a minha juventude brinquei só. Fingi ter amigos, amigos da espécie mais rara que só criança consegue presenciar: os imaginários. No entanto, a presença deles nunca foi capaz de sanar a minha infelicidade. Depois de horas brincando, até eles voltavam para a casa e, assim, eu voltava a ficar só. Desde então, descobri que a solidão era a casa onde eu morava e por isso que ninguém sobrevive quando peço para entrar.

Me é estranho que a infância ainda me seja um desejo porque não lembro muito bem dela. Mesmo tendo 15 anos, a minha infância é um passado distante. Mas quando perguntam meu nome, eu respondo: Rafael, mas na infância eu sei que só atendia às vozes do vazio que se aproximava e me perguntava: você tem nome, garoto? E eu respondia, com os olhos assustados, só que cheios de esperança dessa pessoa desconhecida que habita no escuro dos meus dias ser meu novo amigo: tenho sim! Me chamo solidão. 

Hoje, no auge da minha pré-adolescência, onde a pele não queima no sol e nem enruga na chuva, portanto, com boa saúde, não escapo da minha insanidade que habita em mim constantemente e dos meus pensamentos  que me tornam criança novamente, como diria Graciliano, eu misturo coisas atuais a coisas antigas.

É por isso que muitos me pegam de surpresa por lugares que nem são mais meus ou que se quer existiram, e numa atitude desesperadora e impaciente, me acudam, “acorda”. A minha vida é reduzida em alguém sempre me pedindo para eu acordar. Não as culpo. Elas querem que eu esteja perto, mas quando “acordo” nego que estivesse dormindo.

Estava sim!”, afirma de forma veemente e irritante a Lari. Ela é a minha amiga, sei que é; principalmente quando ela diz que “se preocupa com as coisas que eu tenho na cabeça”, mas quando ela fala desse jeito me sinto aborrecido porque tenho a impressão de que faço parte de uma espécie diferente. É legal ser diferente, porém só quando as pessoas percebem que você é diferente, caso contrário, você só fica sozinho.

Por que têm tanto medo da solidão, Rafa?”, a Lari me pergunta isso todos os dias (irritante!), mas eu minto que “não sei”, em parte porque eu quero que a Lari pare de ser chata e não se intrometa onde não é chamada, mas é porque, também, não quero entrar em assuntos que me doem.
Só que mais uma vez me ponho distraído e volto a viver coisas antigas...

Continua...


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Alessandro Caldeira é jornalista, santista e nas horas vagas prefere postergar qualquer um desses títulos para se dedicar à literatura, música e cinema.



por Rebeca Gadelha__


Artista: Reinforced

por Rebeca Gadelha__
Artista: Asteroid

Tenho (re)visitado essas memórias até se tornaram lugar-comum, revisito-as com uma xícara de chá, como se me preparasse para algo: poderia ser o começo de um novo dia, o fim de uma fase, o meio de qualquer coisa que já passou da hora de terminar. Quando criança, costumava dizer “meu pai caiu no mar e um navio passou por cima” era a explicação infantil para justificar o descaso da ausência. Alguns anos depois, mamãe me disse, com uma voz macia, que meu pai vinha me visitar — e então meu mundo virou do avesso — então ele não havia caído no mar, se perdido entre o infinito de água acima e abaixo, mas estava lá em algum lugar e finalmente este lugar seria perto de mim. “Ele quer te conhecer” e foi assim que se começou o processo de idas e vindas, sem permanências. Conto nos dedos suas visitas e suas promessas — quero ter contato com você, dessa vez vai ser diferente — já na terceira vez que mamãe anunciou com a mesma voz macia a visita deste ser distante, eu disse “NÃO” e somente vovó me convenceu do contrário, ao que parece, avós tem um certo jeito para convencer pessoas. Nada foi diferente, tudo ficou no lugar, exceto a criança em mim, que deslocava-se cada vez mais para algum lugar estranho, as somas de decepção minando aquela vontade de ser completa, aquela nostalgia pelo o que não existia.

Veio-se então a vez que seria a última — e dentro de mim acredito que já sabia — porque agora seria diferente, porque eu já tinha 20 anos e éramos adultos, poderíamos falar sinceramente um com o outro, abrir o jogo sobre questões do passado, lavar a roupa suja que se amontoara nos quartos escuros. Não houve sinceridade que bastasse, nem todo a roupa suja foi lavada, talvez fosse preciso todas as águas do mundo para isso, talvez bastasse um pouco mais de vontade. O fato é que sabia que ele não ficaria, não importava o que fosse dito e que, sabendo disso, fosse melhor que fosse embora para sempre e sumisse de uma vez. Continuaríamos como dois estranhos: ele como um nome na certidão de nascimento e eu como um nome no imposto de renda. Uma relação de ausências convenientes, principalmente para ele — que ainda recebe descontos aqui e ali do leão por me declarar como dependente. Alguns trocados por mês para poupar o que o dinheiro não compra: tempo.

Este texto é parte da série Reminiscências, que narra a tentativa de uma garota de recuperar parte da história de sua família a fim de compreender a si mesma. Clique aqui para ler o prólogo.



Rebeca Gadelha nasceu no Rio em agosto de 1992, cresceu em Fortaleza, na companhia dos avós. Geógrafa sem senso de direção, artista digital, é apaixonada por animes, mangás, games e chá gelado. Tem medo de avião e a única coisa que consegue odiar de verdade é fígado. Foi responsável pela diagramação, ilustrações e concepção visual em Balbúrdia, participa da coletânea Paginário, publicada pela Editora Aliás. Atualmente escreve para as revistas do Medium Ensaios sobre a Loucura e Fale com Elas sob o pseudônimo de Jade

por Baga Defente



Nota do Autor

Primavera Árabe, golpe de estado no Egito, revelação dos esquemas de espionagem da NSA. Guerra na Síria, Papa sulamericano, morte de Mandela e Chávez. Legalização do casamento gay, descriminalização do aborto e liberação da maconha — os três no Uruguai.

Jornadas de Junho, incêndio na boate Kiss, ampliação dos direitos das domésticas. Lançamento do programa Mais Médicos, prisão dos condenados do Mensalão, o sumiço do pedreiro Amarildo:

Dentro e fora do país, 2013 foi um ano tumultuado.

A nível pessoal & subjetivo, também.

Em junho de 2013, enquanto explodiam as manifestações (a priori) contra o aumento das tarifas de ônibus, eu amargava o término de uma relação.

Quase dois anos antes, havíamos — minha então companheira, nossos dois filhos e eu — trocado o cinza da cidade pelo verde do interior e vivíamos em um bairro rural.

Após a separação, optei por continuar ali, morando sozinho em uma pitoresca edícula “hobbit” — espécie de bunker encrustado em um pequeno morro, com arcos de bambú sustentando o telhado e a base das janelas ao nível do solo —, acompanhando online, em tempo-real, toda essa movimentação na capital enquanto encarava uma ressaca afetiva, que nasce o meu interesse pela política.

Até então eu me dizia um ser apolítico. Seis anos passados, nas mais diversas esferas — pessoal, social, profissional, artística — a Política é um dos meus temas centrais.

Este livro pretende ser um relato poético-político-pessoal dos fatos ocorridos no Brasil dos últimos anos.

Um retrato subjetivo do golpe jurídico-midiático de 16, cujo ápice foi o impeachment da primeira presidente mulher do país, e suas consequências — as quais estamos vivemos e, pelo visto, ainda viveremos por um bom tempo.

Por isso, creio ser válido comentar algumas coisas: primeiro, os poemas aqui apresentados seguem sua ordem de escrita. Assim, podemos ver uma certa inocência no poema de abertura, na crença de que “o gigante havia despertado”.

Inclusive, no início da edição deste livro, em parte por vergonha dessa ingenuidade — e por não mais compartilhar algumas das visões ali proferidas —, não o havia incluído nesta seleção; porém, conforme o livro foi tomando forma, achei importante tê-lo aqui, justamente por marcar o início, ainda que inconsciente, desta nova fase.

Poema dos anos 20, o único desta seleção previamente publicado — em Pingalove, meu livro de poemas anterior —, é aqui repetido por ter sido escrito durante a bizarra sessão da câmara que culminou com o afastamento de Dilma
Rouseff, um marco político tornado poético.

Na sequência temos o Poema de Repúdio, escrito para ser lido durante a abertura da 7ª Conferência Municipal de Cultura de Botucatu, em maio de 2016

O evento contemplava a leitura e aprovação do regimento interno da conferência, além de algumas intervenções artísticas; essa foi a minha, feita de supresa, sem aviso prévio, visto que fui integrante da comissão organizadora.

A leitura gerou desconforto em três ou quatro presentes, que foram embora e depois reclamaram nas redes sociais.

Por receio de retaliação do público, integrantes do poder público cogitaram a possibilidade de adiar as atividades do dia seguinte. Insistimos em seguir com a programação.A conferência transcorreu sem problemas com recorde de público.

Para mim, serviu para sentir e observar o poder mobilizador e transformador que a Poesia possui, mesmo quando não nos damos conta disso.

Então a vida seguiu, o país afundou e, graças ao Grande Acordo Nacional — com Supremo, com tudo — e suas consequências, os poemas deste livro se fizeram ser escritos.
Torço, realmente, para que possamos, o quanto antes, celebrar nossa saída do fundo desse poço lamacento cheio de alçapões — mesmo que isso signifique não mais (precisar) escrever poemas políticos.


Baga Defente, abril de 2019

***para download acessar o link: POLITITITICA




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Baga Defente é poeta, artista visual & produtor cultural, sempre utilizando o Acaso como sua principal ferramenta criativa. Em 2011 trocou o cinza da cidade pelo verde do campo e se mudou da capital paulista para um bairro rural no interior, onde divide seu tempo entre trabalhos comissionados através do NADA∴Estúdio Criativo e sua produção autoral, a qual se manifesta em vídeos, pinturas, colagens e textos que abordam e mesclam relações humanas afetivo-sociais, política & ocultismo.
Desde 2015 também se dedica à publicação independente, produzindo livros artesanais de pequena tiragem e grande cuidado, tendo até agora lançado 13 títulos, quase todos de sua autoria.
Conheça mais procurando por @bagadefente e @NADAestudiocriativo pelas redes sociais.


por Adrienne Myrtes___



por Rebeca Gadelha__

Artista: Smile

Horácio veio do Norte com seu irmão, deixou na floresta um outro,perdido à beira de um rio, apenas a espingarda deixada para trás. Na cidade ao lado da capital comprou umas terras num povoado, fez um sítio, casou-se com Chiquita, viveu da terra, dos bichos, teve filhos e filhas — todos os nomes começavam com a letra M . Dizem estes que Horácio ajudou a construir a cidade, hoje nada resta dele além de uns poucos papéis na secretária de planejamento: Horácio é apenas um nome que se perdeu, dentre tantos outros, no meio da história de uma cidade — como tantas outras — que cresceu engolindo gente.


por Rebeca Gadelha__


Artista: kirisawa Juuzou


Isto é o que sei (e não é muito):
Os bisavós teriam fugido para casar, bisavó teria morrido poucos anos depois, “doença” era tudo que vovô dizia; bisavô a seguiu pouco depois, o corpo precipitando-se de encontro à via férrea — se o fim foi proposital ou acidental, isto não o sei, vovô também nunca disse e só agora começo a desconfiar da veracidade desses fatos. Segundo vovô seus pais haviam fugido da Europa para o Brasil, pois os pais de seus pais eram contra o casamento, o que o avô (homem do qual eu nunca soube o nome) de meu avô fazia no Brasil na época da morte de seu filho eu nunca soube, também nunca questionei até este momento. O fato é que meu avô acabou indo morar com o pai de seu pai, um homem duro do qual ele nunca falava o nome. Falava da fome, das surras, das picadas de escorpiões, mas nunca o nome dele. Seus irmãos foram todos desbaratados em uma geografia incerta: alguns ficaram com os tios, outros com os avós maternos e somente um irmão — que tinha exatamente o mesmo nome do pai — juntou-se a ele na infelicidade de ser criado pelo avô paterno. Aos 15 anos meu avô e seu irmão falsificaram documentos e entraram para as forças armadas, era a década de 1940, num estado abandonado por deus e pelo estado como o Ceará, as opções eram poucas: mendicância, crime, tentar a sorte em Fortaleza e, se falhar, cair nas duas primeiras alternativas. Ouvi isso direta ou indiretamente de alguns dos poucos colegas militares que conheci, também ouvi dos filhos de outros, que encontrei por aí: “naquela época era a alternativa mais honrada para não morrer de fome”. Honrada ou não, foi a alternativa que meu avô escolheu, juntou-se à Marinha ainda antes de 1950 e os frágeis laços que tinha com sua família foram se desfazendo. Quando estava no mar — ou antes de viagens que sabia ser longas — depositava todo o ordenado para a esposa e o confiava ao bom senso da mulher, sem nunca saber se realmente voltaria. Já quando nasci, na década de 1990, só lembro de um cartão postal de minha tia-avó, enviado dos Estados Unidos, uma casa coberta de neve em uma rua qualquer, palavras de saudade que não esperavam resposta. Nunca soube muito da família de vovô: havia dois primos padres, um sobrinho era pistoleiro, a irmã perdera o útero para um câncer, outra estava nos EUA (talvez até fosse esta a do câncer), mas vovô nunca realmente se explicava, de forma que ele próprio parecia mais uma lacuna do que homem.

Morreu e hoje não sei nada sobre ele. Sei que me recitava poesia e falava sobre universos alternativos e radiação, falava sobre psicologia e mediunidade (era espírita, creio eu), suas únicas palavras sobre a ditadura eram sempre “entrava gente para nunca mais sair”. me pergunto se teria adiantado inquirir, investigar esses fatos de verdades dilaceradas que vovô sobre si, creio que não. Vovô sabia guardar segredos.

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Rebeca Gadelha nasceu no Rio em agosto de 1992, cresceu em Fortaleza, na companhia dos avós. Geógrafa sem senso de direção, artista digital, é apaixonada por animes, mangás, games e chá gelado. Tem medo de avião e a única coisa que consegue odiar de verdade é fígado. Foi responsável pela diagramação, ilustrações e concepção visual em Balbúrdia, participa da coletânea Paginário, publicada pela Editora Aliás. Atualmente escreve para as revistas do Medium Ensaios sobre a Loucura e Fale com Elas sob o pseudônimo de Jaded.









por Leo Silva__



Fotografia: Eliane Lobato
Fonte  Revista ISTOÉ


Por Rebeca Gadelha__
Artista: Katsuo


por Taciana Oliveira___


Eis o Manifesto Balbúrdia Poética: 80 tiros, composto por 24 poemas escritos por 24 poetas oriundos de diferentes regiões do país. Vozes que reverberam outras milhares de vozes. Mulheres e homens que alimentam o fogo da resistência. O Manifesto nasce como resposta contrária à celebração messiânica da ignorância, ao déjà vu fascista travestido de Ordem e Progresso. Esse é o nosso território: a palavra. Este é o nosso verbo: existir.
E para que não reste nenhuma dúvida sobre o que nos inspira, segue o último texto do educador Paulo Freire:

(…) Se a educação sozinha não transforma a sociedade sem ela tampouco a sociedade muda. Se a nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho senão viver plenamente a nossa opção. Encarná-la, diminuindo assim a distância entre o que dizemos e o que fazemos. Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher não estarei ajudando meus filhos a ser sérios, justos e amorosos da vida e dos outros.


Participam: Adriane Garcia, Álvaro Santi, André Luiz Pinto da Rocha, Ana Argentina Castro Sales, Aymmar Rodriguéz, Baga Defente, Bell Puã, Cândido Rolim, Casé Lontra Marques, David Alves, Flavia Gomes, Fred Caju, João Gomes, Juliana Meira, Leonardo Antunes, Lisiane Forte, Luiz Carlos Coelho de Oliveira, Luiz Martins da Silva, Norma de Souza Lopes, Renan Peres, Ronald Augusto, Taciana Oliveira, Talles Azigon e Tania Consuelo.

#elenão #balbúrdiapoética #manifesto


Coordenação: Taciana Oliveira
Concepção Visual & Projeto Artístico: Rebeca Gadelha
Conselho Editorial: Ronald Augusto e João Gomes
Agradecimentos: Cleudivan Jânio, Miguel Rude e Carla Vilela
Editora: CJA Edições
Link para download:  One Drive






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Taciana Oliveira é mãe de JP, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.


Um conto de Fernando Ferrone





por João Gomes___

Obra de Leonilson
Nunca me senti tão lembrado, a contragosto dos héteros, por ser o que sou. Junho é o mês LGBTQ, essa sigla que só cresce, arrastando multidões e adere quase tudo pela diversidade em si. Nunca também fui à Paradas, metrópoles, saunas e cinemas pornô. Mas não é por isso que desejo lembrar nossas conquistas, mas há quem ache que uma Parada da Diversidade do Orgulho LGBTQ é apenas um Carnaval fora de época, um golden shower em becos ou mesmo que cirurgia de vasectomia é a causa de ser homossexual.

Não haveria necessidade de uma sigla se as pessoas não gostassem tanto do rótulo, do estar identificado e agrupado para lutar por direitos óbvios. Com a modernidade, depois da Revolução Sexual, não deveríamos estar batendo nisso. Mas como o óbvio é ululante, como sugere Nelson Rodrigues, persistimos em garantir nosso espaço a um preço caro às vezes. Médicos aclamados por sua atuação, como Drauzio Varella, pesquisador do tema HIV/Aids, atenta para a questão biológica citando inclusive a homossexualidade entre animais. Até o Papa Francisco pede que tudo isso seja esclarecido no julgamento final e que não cabe a ninguém julgar no mesmo plano, todos merecem respeito. Mas há quem acuse que toda a cúria é homossexual, as freiras são bissexuais ou lésbicas e tudo é coberto pela manta divina.

Custa pensar como seria se não houvesse esse embate, essa troca de forças, de olhares, de repressões e ataques homofóbicos. É um salve-se quem puder, só deixe que seus amigos saibam, não dê a entender nada para não morrer. Mas tudo é uma questão cultural, do modo de agir e pensar, e biológica do modo natural de desejar. Negar a si mesmo é algo religioso, por isso há os curiosos, os ativos na homossexualidade e negadores da passividade, donos de uma meta corporativa de homofobia que os encubra. Há um pensamento bem verdadeiro que se encaixa a isso: você pode ser gay e não ser homossexual, e homossexual sem ser gay.


por Taciana Oliveira___

No artigo Mito construído II: o desenvolvimento da crônica esportiva brasileira, de Felipe Rodrigues da Costa, o autor pergunta: Teria sido Mario Filho que, trazendo uma nova forma de escrever, um estilo mais simples, sepultou a escrita de fraque dos antigos cronistas esportivos? Seria ele a referência do nascimento da crônica esportiva, incorporando ao gênero, além da nova linguagem, respeitabilidade ao ofício da crônica? 

O jornalista Mario Filho, irmão do dramaturgo Nelson Rodrigues, é pioneiro na criação de textos que promoveram uma aproximação do jogador de futebol com o leitor. Mas é Nelson Rodrigues, autor do célebre A Pátria de Chuteiras, o responsável pela popularização do gênero. O escritor sabia como ninguém transformar em arte literária sua paixão pelo esporte mais popular do país.

O jornalista Alessandro Caldeira recentemente criou o projeto Afinta, um espaço dedicado ao futebol e a crônica esportiva. Nessa edição publicaremos uma crônica e uma pocket entrevista com o autor.

A crônica esportiva é um gênero visitado por figuras célebres como Nelson Rodrigues e Armando Nogueira. Nelson a imortalizou como gênero literário. Fala pra gente dessa sua paixão pelo jornalismo esportivo. Nelson está certo quando afirma que “No futebol, o pior cego é o que só vê a bola.” ?

Eu acho que a minha paixão pelo futebol começou quando eu era criança. Sempre fui muito viciado em futebol, mas sempre preferi jogar. Lembro que eu tinha um jogo de botão e ficava montando campeonatos com representação da realidade. Criava times, jogadores, montava escalações, enfim, em dia de jogo eu não assistia futebol. Eu ouvia no rádio e ia acompanhando enquanto meus times de botão tinham seus campeonatos particulares. Depois que passou a infância e a adolescência, tive uma fase que gostei mais de tática, estatísticas, modelos de jogos e tudo mais.... Só que nunca me sentia verdadeiramente bem com isso, não sentia que a representação do futebol estava nisso porque se perde um pouco a humanidade sentida durante o jogo. A partir daí eu decidi aceitar o que realmente acredito, que é não só ver a bola, como ela vai até os jogadores, mas sim o que os jogadores fazem com ela... Seus comportamentos, seus sentimentos diante da bola.

Afinta é o teu projeto pessoal. Um espaço para quem acredita na capacidade de transformar o futebol em arte. Escrever sobre futebol ainda é um execício afetivo sobre algo que define alma do brasileiro?

Eu acho que o brasileiro tem muito interesse pelo futebol, de falar sobre futebol. Embora esse interesse tenha diminuído por questões afetivas e culturais. Mas vejo ainda assim muitos escrevendo como uma forma de interagir com quem se interessa. Ainda mais hoje em dia que as redes sociais, como o Twitter, permitem se falar sobre qualquer assunto livremente.

O poeta Paulo Emílio Azevedo diz que "Arquibancada de estádio de futebol é igual missa de domingo - um senta e levanta danado esperando Deus marcar um gol pra libertar o delírio" Pra você futebol é uma liturgia, uma celebração?

O brasileiro tem uma conexão muito grande com o futebol. A cultura brasileira permite isso. Não é difícil encontrar um brasileiro que tenha o sonho de ser jogador, e isso se deve muito à nossa formação nas ruas. Normalmente são os meninos ou meninas que saíram de uma família pobre que tem esse desejo. O futebol te permite ser o que quiser. É aonde o brasileiro tem a capacidade de sonhar e transformar em realidade através da bola. Sempre tivemos uma tendência maior em jogar do que assistir futebol. Brasileiro gosta de sentir o jogo na prática. Mas isso mudou com o passar dos anos por estarmos presenciando um choque cultural. Muitos "cientificistas" idolatram o que vem de fora e expulsam o que vem daqui, rotulando como algo simples e pobre. Isso gera um desinteresse, a torcida não se identifica com isso. Eu vejo o futebol como uma celebração. É no campo que o brasileiro se sente livre para ser o que quiser.


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O Drible Interrompido

por Alessandro Caldeira

O interesse desmedido pela vitória deixou o brasileiro alheio à tradição da gestualidade corporal na cultura do País.


Certa vez, numa quadra escolar onde amigos organizavam as “peladas” todas segundas-feiras, o garoto que mais gostava de driblar recebeu uma advertência de seu companheiro de equipe: “Não faça muita firula”. Assim que acabou o jogo, o garoto comentou perto de mim: “Eu não sei jogar bola”, convencido de que seu estilo de jogo era errado.

Ao mesmo instante, senti como se alguém tivesse tirado o sonho daquele garoto, como um mágico limitado na criação de truques menos ilusórios.

No entanto, quem via o pequeno franzino jogar, logo se sentia diferente perto dele. Em outras palavras, era como se o público obtivesse uma nova descoberta quando a bola grudava nos pés daquele garoto. Os comentários de quem o assistia eram os melhores possíveis: “Esse garoto tem talento”. “Não dê muito espaço, senão já viu! ”. “Ele não fica nervoso na frente de marcador algum”.

A expectativa que a “torcida” gerava em cada toque na bola daqueles pés pequenos e magros o transformava em uma “celebridade”, o público notava-o, aquele era o momento em que ele podia interagir com outras pessoas e tornar-se conhecido sem precisar falar, porque é esse o objetivo do futebol: a conectividade social entre aqueles que estão presenciando o jogo, dentro e fora da quadra.

Mas, de repente, após aquele comentário que veio como uma faca em seus pés, o futebol do menino sumiu junto com a vontade de ser notado através de seu talento. Assim, o garoto se viu pisando em uma “terra estrangeira”, deslocado em um espaço que não comportava seus sonhos.

Entre os brasileiros, o drible virou uma espécie de ritual profano, uma dança Lundu. Parafraseando Nelson Rodrigues: Brasileiro é menos brasileiro no Brasil. E a cena ocorrida naquela quadra fez-me imaginar o peso daquele garoto em se sentir culpado por apreciar o lúdico, o imaginativo, ou seja, por conservar o estilo brasileiro.
Se Garrincha, Pelé e Rivelino tivessem no futebol de hoje, eles teriam se aposentado sem ter dado um drible sequer na vida, impedidos de exercerem sua arte por excelência por terem que ceder à obediência da “ciência-tática”.

Porém, não é novidade entre os “cientificistas da bola” a concordância de que o futebol evoluiu e por isso não tem drible, ou de que o futebol precisa ser mais competitivo, negando o drible como recurso que leva à vitória.

Mas eu contra-argumento dizendo que, na verdade, o futebol não evoluiu, nós é que perdemos a essência do jogo brasileiro porque não entendemos nada da nossa cultura, substância que se manifesta dentro e extracampo, e que valoriza a nossa tradição lúdica.

É mais fácil ver o brasileiro sair de seu País de origem e virar um alemão, espanhol ou inglês relatando uma certa “cultura futebolística” que aprendeu no exterior como se fosse ensinar aos brasileiros um esporte novo.

O último jogo da Seleção Brasileira, por exemplo, contra a Rep. Tcheca, surgiu um comentário criticando a forma como o Brasil está se preocupando demais com a tática, justificando que esse era o principal motivo pelos jogadores do País não terem mais a capacidade de driblar.

Não demorou muito para os cientificistas da bola estufarem o peito e refutarem a opinião dizendo que o brasileiro não pode ser mais individualista porque o futebol mudou.

Porém, a impressão que eu tenho é de que o futebol não mudou, mas a forma como queremos interpretar o jogo brasileiro sem entendermos a cultura do nosso país e as influências que dela decorrem.

Tomemos o Carnaval como exemplo: imaginem um carnaval sem dança, sem todo seu processo lúdico e, assim, limitando suas gestualidades corporais, o que aconteceria de imediato? O público jamais teria a capacidade de interagir com aquilo que está acontecendo porque perderia a capacidade de sonhar em conquistar o mundo dançando.

A mesma coisa é o futebol brasileiro: o jogador precisa ter espaço para desfilar suas gestualidades para que não só ele, mas também o público sinta prazer em estar participando. Sem isso, o jogador perde a sua força e seu talento, desconexo com o público e abandonado dentro de si.

É o drible do jogador brasileiro que resulta na sua interação com o torcedor. É a despretensão do jogador que desperta a aproximação com as suas origens e o faz renascer de uma vida outrora desconhecida.
Em suma, cada jogador é um garoto impedido de driblar porque a competitividade e a vontade de apenas passar a bola para ganhar, respeitando a mãe-tática, é tão mais forte quanto a nossa vergonha por termos uma cultura.
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Alessandro Caldeira é jornalista, santista e nas horas vagas prefere postergar qualquer um desses títulos para se dedicar à literatura, música e cinema.









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Taciana Oliveira é mãe de JP, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.