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por
Cinthia Kriemler_
Março
de 2018. Quênia.
Eutanásia.
O último rinoceronte branco do norte está morto. Sudan, 45 anos, se
torna parte das espécies e subespécies dizimadas pelo único
predador que mata por ignorância, por lucro. E sempre por prazer. Um
macho de sorte — mesmo que sorte seja uma palavra estranha de
significado. Não foi abatido como caça. Sobreviveu. Capturado aos
10 meses de idade, foi enviado para um zoológico. Por 36 anos
agradou humanos. Morre, agora, num santuário. E santuário também é
uma palavra de significado incomum. Um cativeiro cercado por boas
intenções. Uma fração da história que deveria ter sido. De um
jeito ou de outro, Sudan foi uma vida desvirtuada. Deturpada em seu
roteiro original. Fecha os olhos cercado pelos soldados que o
protegem, pelos cuidadores e pelos pesquisadores que o observam há
quase uma década. E quando o seu corpo de dois mil e trezentos
quilos — tomado por uma infecção generalizada — segue para o
descanso da morte, ainda ostenta, intocado, o cobiçado chifre que
fez dele um alvo por toda a sua vida. Sudan é o último macho dos
rinocerontes brancos do norte. Mas o seu sêmen congelado ainda é
esperança de rebentos. Multiplicados, alimentarão a lenta e difícil
tentativa de reverter a extinção da subespécie. Se os caçadores
não se reproduzirem como pragas, se a cobiça não caminhar mais
rápido do que a ciência, se todos os obstáculos forem superados,
talvez seja possível repovoar a savana.
Não
há lágrimas pelos rinocerontes brancos do norte. São apenas
bichos.
Abril
de 2014. Chibok, Nigéria.
Negras.
Virgens. Crianças. 276 meninas sequestradas de uma escola em Chibok
por fundamentalistas islâmicos do Boko Haram. Em nome do fanatismo,
da dominação e do ódio, essa trindade depravada. Afastadas de suas
famílias, impedidas de suas crenças, privadas de qualquer
dignidade. Pasto fresco para as bestas que justificam atrocidades em
nome de um deus falsificado, omisso, cúmplice. Caças impotentes.
47
fugas. 117 libertações em trocas árduas com o governo. Mas 112
meninas de Chibok nunca mais são vistas. Para elas, não há a
proteção do santuário. Só o cativeiro. E as curras que não
cessam. E a parição de bebês indesejados que crescem ao lado de
seus reprodutores selvagens, influenciados pela bestialidade de
crenças pervertidas. 112 meninas-matrizes, como as cadelas
acorrentadas que cruzam e cruzam sem descanso até a morte por
infecção, por inanição ou por maus-tratos.
Não
serão resgatadas. Não têm nome ou foto nos jornais. São apenas
meninas negras da África. Descarte.
Fevereiro
de 2018. Dapchi, Nigéria.
Não
bastaram. O sequestro das 276 meninas de Chibok. Os casamentos
forçados. A destruição das identidades. O aniquilamento dos
alicerces psicológicos, religiosos e morais. As crianças geradas
por espermas sem nome. Mais 110 são raptadas em Dapchi. Meninas. Em
plena luz do dia. Porque a luz do dia parece ter se tornado uma
sentinela inútil e impotente. Em igualdade perversa, as meninas
nigerianas de Dapchi são como as meninas de Chibok. E como os
rinocerontes brancos do Quênia. Indefesas. Caçadas. Afastadas de
suas histórias originais. Exiladas. Cativas. Desenraizadas. Vítimas
da mesma ganância. Neles, o que se cobiça são os chifres. Nelas,
os úteros.
No
mundo, tudo permanece silêncio. São apenas estatísticas ruins do
Terceiro Mundo.
2
de setembro de 2015. Costa da Turquia.
Aylan
Kurdi não vence o mar. Como poderia? [... as águas são
rotas de braços frios / que adormecem bebês / meninas, bebês
meninos / para entregá-los, purificados / a um Criador
envergonhado]. Aylan Kurdi é só um menino de três anos. Sírio.
Como a maioria dos refugiados que fogem das guerras pelo poder. Aylan
Kurdi é mais uma criança afogada numa praia da Turquia. Vira
notícia porque a turca Nilüfer Demir e sua câmera estão em
vigília na areia trágica. Ah, os fotógrafos! Esses seres
despudorados que denunciam com suas lentes o que os olhares frágeis
das pessoas frágeis preferem não ver. Ver é inquietação. Por
isso, talvez, o mundo não tenha chorado por Galip, 5 anos, irmão de
Aylan. O corpo dele não chegou à praia. Não foi fotografado.
Não
ver é a alienação desejada.
Aylan
e Galip saíram de casa para morrer no mar. Sem entender por que
deixaram para trás o seu país. Crianças não entendem as guerras.
Não deveriam, igualmente, fazer parte delas. Nem deveriam ser
arrancadas das suas referências para serem jogadas no cativeiro do
exílio.
Aylan
e Galip fazem parte da cegueira cômoda. Afinal, são apenas meninos
sírios.
20
de setembro de 2019. Morro do Alemão, Brasil.
Morro
do Alemão. Ou qualquer outro morro. Desde que seja morro. Ágatha
Vitória cai. 8 anos. Tiro nas costas. De fuzil. Coisa de covarde
fardado. Mais uma — e já foram tantas. Crianças como ela, meninas
como ela. Feitas de sorrisos, de brincadeiras, de fantasias. A de
Mulher Maravilha invocando o sonho de um mundo de justiça e de
mulheres guerreiras. E o pesadelo da realidade se contrapondo.
Ceifando, ceifando, ceifando.
Crianças.
Já nem se trata de quantas. Ágathas, Guilhermes, Alanas, Kayos,
Larissas, Adrielles. Já nem se trata de onde. Nova Holanda, Borel,
Alemão, Guarabu. Faz tempo que essa conta está perdida. E perdido é
o que tudo está. Bala. Homem. Consciência. Futuro.
Outubro
| Novembro | Dezembro de 2019. Em todos os grotões de pobreza.
Caixões
brancos encaixados uns sobre os outros empilham-se em tédio cínico.
Aguardam os hóspedes perpétuos que se deitarão entre suas paredes
finas. E o cheiro do sangue que, mesmo lavado, se entranhará nas
suas fibras fracas como uma droga perigosa, viciante, nauseante.
Meninas. Meninos. De algum morro, de alguma comunidade, de algum
bairro pobre. De qualquer lugar esquecido ou desprezado pela tal
gente de bem.
Há
também covas rasas. Esperando os que não podem pagar pela mísera
decência de um caixão vagabundo. São bocas indigentes essas covas
arreganhadas em espera curta. Sabem que logo será saciada a sua fome
ávida. Mais tarde, corpos pequenos preencherão as suas entranhas.
Perfurados por balas perdidas. Vítimas dos predadores que somos: os
que abatem, os que aprisionam, os que empurram para a morte, os que
perseguem até a extinção. Como os caçadores do Quênia, os
estupradores da Nigéria, o ditador da Síria. Como os homens e
mulheres de farda que atiram pelas costas.
Podemos
fechar os olhos. Mais uma vez. Essa é a nossa
expertise. Podemos desligar a TV, tampar os ouvidos, cobrir a
cabeça. Podemos nos mudar para Paris. Ou para a Finlândia. Quando
voltarmos, tudo estará terminado. E olharemos para o genocídio de
meninas e meninos pobres com toda a piedade hipócrita que nos foi
ensinada pelos nossos pais e pelas nossas igrejas. E nos sentaremos
com um copo de cerveja, de vinho ou de uísque entre amigos que
também terão acabado de voltar de Berlim ou de Barcelona. E
discutiremos planos para reverter a extinção.
Em
nossos planos, só uma falha. Não temos o sêmen do rinoceronte
branco.
____________________________________
Cinthia
Kriemler
é carioca e mora em Brasília. Autora, pela Editora
Patuá,
de O
sêmen do rinoceronte branco
(Contos, 2020). Tudo
que morde pede socorro
(Romance, 2019); Exercício
de leitura de mulheres loucas
(Poesia, 2018); Todos
os abismos convidam para um mergulho
(Romance, 2017) – finalista do Prêmio
São Paulo de Literatura de 2018;
Na
escuridão não existe cor-de-rosa
(Contos, 2015) – semifinalista do Prêmio
Oceanos 2016;
Sob os escombros (Contos, 2014); e Do
todo que me cerca
(Crônicas, 2012). Organizou a antologia de contos Novena
para pecar em paz
a convite da Editora
Penalux,
em 2017. Tem textos e poemas publicados em diversas antologias e em
revistas literárias.
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Por João Gomes__
por Quiercles Santana__
Estação São Bento no Porto/Portugal |
Rosenbud,
as coisas retornam, feito num filme. De algum lugar distante, dentro
da gente, arquivos velhos perdidos no HD, elas voltam com força,
como se tivessem sido registradas há pouco. Saltam de uma
fragrância, de um livro, de uma fotografia rasgada ao meio num
momento de fúria.
1. A
manhã em que desci na Estação São Bento no Porto/Portugal,
levando um espetáculo de teatro que ajudei a parir. Fazia frio e o
sol tingia de laranja as fachadas dos prédios antigos. Eu estava
feliz que só. Comprei um Henri Miller numa feira de livros usados,
ao pé da estação, como eles dizem por lá;
2. 1976.
Meu pai desolado com o assassinato de seu irmão Dudé, meu
padrinho, em Volta Redonda (nunca mais esqueci esse nome). As
pessoas convencendo-o a sair do carro por que só se podia agora
lamentar, o mal feito já tinha sido feito. Recostadas no volante,
suas mãos trêmulas e a cabeça fervendo de angústia e dor;
3. A
primeira vez que subi no palco de um teatro (1992) com direito a
refletores e cortina. Fazia o personagem mais estúpido da “Farsa
do Pathelin”. Teatro José Carlos Cavalcanti, no Derby. Minhas
pernas tremelicando no escuro da coxia pouco antes de entrar em
cena;
4. Eu
com 8 anos. Minha mãe com Vick Vaporub numa noite de tosse e febre
alta (sua mão cálida enxugando a minha testa, sua voz mansa
dizendo “tudo vai ficar bem, meu amor");
5. Minha
ex-sogra uma vez no inverno. Eu, molhado da cabeça aos pés, abro a
porta da sala, vindo frustrado da rua (tinha passado o dia a procura
de trabalho e recebido um não atrás do outro). Ela estava junto ao
fogo, mexendo a panela: “meu genro querido, fiz uma sopa adubada…
vai ou fica?” Logo depois, debaixo do chuveiro, sentindo um misto
de alegria e frustração, entalado, eu choro baixinho, agradecido
por não estar sozinho na tormenta. E, em seguida, eu todo animado,
rindo alto na mesa, o mesmo cara que chorava há pouco, sorriso de
canto a canto (por que a vida pode ser dura, irmão, mas pode ainda
assim guardar algum alento. E é preciso aprender a celebrar as
vitórias, por mais insignificantes que elas possam parecer, não é
isso?).
Entenda.
Nada disso diz muito. Mas ao mesmo tempo diz. Ainda não sei bem o
porquê, mas me ajudam a entender meu percurso, enquanto atravesso
esse confinamento sem fim. Agradeço mais uma vez o seu carinho e sua
boa vontade em me ouvir. Força aí na sua quarentena. Estamos
juntos.
___________________________________
Quiercles
Santana é arte-educador, ator, encenador, dramaturgo e professor
de teatro, formado em Educação Artística com Habilitação em Artes
Cênicas pela UFPE Fez parte do corpo
docente de diversos projetos sociais, a exemplo do Projeto Santo
Amaro (da Escola Superior de Educação Física/ESEF-UPE), do Projeto
ReVersus (da UFPE), do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
(PETI/Projeto Teatro do Oprimido) e do Programa de Animação
Cultural (este último em parceria com o ex-Padre Reginaldo Veloso e
Fátima Pontes, na Secretaria de Educação da Prefeitura da Cidade
do Recife, durante a gestão de João Paulo). Foi diretor artístico
da Trupe Circos, da Escola Pernambucana de Circo (Circo Social).
Trabalhou seis anos na Diretoria de Políticas Culturais da Fundarpe.
Dirigiu diversos espetáculos entre eles: Olhos
de Café Quente, do Nútero de Criação Artística;
Alguém Pra Fugir Comigo, do Resta 1 Coletivo de Teatro;
e Espera o Outono, Alice, do Amaré Grupo de Teatro;
Berço Esplêndido, do Grupo Panorama de Teatro; e
Balbúrdia, da turma profissionalizante da Companhia
Fiandeiros de Teatro. Foi
gerente do Teatro de Santa Isabel de 2015 a 2017. Estreou como
documentarista em 2013, no filme “Contos
Ruas Casa & Quintais”, filme que registra fragmentos
de memórias de pessoas idosas, residentes em Recife. É analista de
projetos culturais.
_____________________________________________________________________
por
Adri Aleixo
O pintassilgo
Eu,
tão mineira querendo falar sobre o mar
o
mar e a ideia do eterno retorno
dia
desses me perguntaram se lá em casa havia quintal
—
minha
mãe criava porcos
meu
pai plantava cana, eu disse
mas
esse fato também não é a garantia de uma boa história.
Há
uma forma indefinida pela qual passamos a pertencer a algo
assim
como pertencemos a certas histórias só de ouvir contar.
A
caçula chegou em casa e soube que o mais velho havia ganho um
prêmio
de redação
O
título. O pintassilgo.
Ela
mal conhecia os pássaros e de repente ouvia sobre voar no
pintassilgo
essa
ave que canta e dança a rodear o dia
algo
como pintar o céu com suas asas e assim
pertencer
ao céu de alguém
estar
livre e voltar a casa
ao
ninho
como
agora o espevitado pássaro fizera ali
no
meio da sala.
As
coisas aparecem sem a perspectiva de sua fugacidade
algumas,
retornam
Adri
Aleixo publicou Des.caminhos (2014) e Pés (2016),
ambos pela editora Patuá. Em 2019 publicou Das muitas
formas de dizer o tempo, com imagens de Lori Figueiró, pela
editora Ramalhete. É professora de Linguagens e mestranda em
Literatura Brasileira pelo CEFET-MG.
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por João Gomes__
O coronavírus é um assunto que não se esgota porque é uma grande ameaça a tudo e a todos. Anunciado no último dia do ano passado num alerta da OMS após notificação de autoridades chinesas a respeito de casos de uma misteriosa pneumonia na cidade de Wuhan, infelizmente sendo impossível de firmar aqui um número de infectados e óbitos pela grande tomada da pandemia, pois já estaríamos desatualizados, segue vitimando descontroladamente. Apesar da tristeza e medo gerais, reproduzo a sugestão que encontrei num post no Facebook: “Alguém poderia desinstalar 2020 e instalar de novo? Essa versão veio com vírus.” Um vírus que entrou chutando governos de todo o mundo, fazendo um estrago já comparado ao da Peste Negra e das duas Grandes Guerras. Chegado a poucas semanas nas Américas, o pior ainda está por vir.
Fonte; Cecom UNICAMP |
O coronavírus é um assunto que não se esgota porque é uma grande ameaça a tudo e a todos. Anunciado no último dia do ano passado num alerta da OMS após notificação de autoridades chinesas a respeito de casos de uma misteriosa pneumonia na cidade de Wuhan, infelizmente sendo impossível de firmar aqui um número de infectados e óbitos pela grande tomada da pandemia, pois já estaríamos desatualizados, segue vitimando descontroladamente. Apesar da tristeza e medo gerais, reproduzo a sugestão que encontrei num post no Facebook: “Alguém poderia desinstalar 2020 e instalar de novo? Essa versão veio com vírus.” Um vírus que entrou chutando governos de todo o mundo, fazendo um estrago já comparado ao da Peste Negra e das duas Grandes Guerras. Chegado a poucas semanas nas Américas, o pior ainda está por vir.
Nós brasileiros tivemos a chance que alguns países não tiveram de estabelecer o isolamento social o quanto antes para conter a disseminação do vírus, apesar de termos tido o Carnaval. Na Itália, por exemplo, no dia 23 de fevereiro, 45 mil torcedores foram a Milão assistir a uma partida de futebol pela Liga dos Campeões. Considerada como uma bomba biológica, Milão não parou, seguiu normal quando havia já 650 infectados. Um mês depois o prefeito da cidade reconheceu que errou em não ter aderido à quarentena horizontal (total e não apenas dos grupos de risco) quando hoje já passam de 1000 mortos no país. Não pretendo buscar culpados, mas a normalidade não pode insurgir quando o mundo todo segue as recomendações da OMS, que é a de ficar em casa.
Por aqui os números são baixos, mas sabemos que estamos no começo da pandemia. Justamente por isso e o que já era de se esperar, o discurso de políticos que não entendem nada de nada já vem deixando confusa a população, e a imprensa vem cada vez mais se defendendo e fazendo seu papel, o de informar. Não podemos totalmente chamar de ignorante o presidente, pois ele defende em primeiro lugar suas bases eleitorais. Quando ele desobedece as recomendações de quarentena, indo para manifestações que aglomeram seguidores, para firmar-se ainda mais como mito, ao lado de eleitores que dão suas vidas e de suas famílias pelo extermínio em massa, é tão óbvio que seja ele e não outro. Um governo que nunca fez pelo país não poderia ser diferente num momento de tamanha preocupação mundial.
Leio exaustivamente sobre o coronavírus, desde antes do momento em que se anunciava os vencedores das escolas de samba, e a vontade que sinto é só de chorar. Além da de poder ficar mais em casa, é claro, se eu pudesse e não precisasse fazer entregas de bicicleta por aplicativos para sobreviver. Não sinto vergonha por estar no quadro de pessoas em vulnerabilidade econômica, mas não é demais dizer que muitas outras classes trabalhadoras, como a dos artistas e do comércio também estão. O socorro emergencial é o mínimo que o Governo Federal pode fazer pela economia do país, não fossem os impostos que devolverão cada centavo do socorro que muitos acham que é bondade aos mais vulneráveis.
Os grandes empresários do país já cobram do presidente para reabertura do comércio, prometendo fechar vagas de emprego caso o isolamento não seja suspenso até meados de abril. Não é demais lembrar que o surto por aqui começará justamente neste mês. Teatros sem abrir ao público, salas de cinemas com lançamentos adiados, gravações de novelas interrompidas, escolas fechadas porque as crianças são as mais assintomáticas. Como a solução para os não especialistas em nada é sempre sacrificar a população em nome de uma economia que já não crescia mesmo sem a epidemia, a normalidade por meio sobretudo da reabertura do comércio assusta ainda mais a todos. Seria a quarentena vertical, não total, quando sabemos que pessoas de todas as idades podem vir a falecer por complicações da Covid-19.
Sendo um assunto inesgotável, que sacrifica hábitos, como o de poder mostrar afeto por não ser permitido nenhum tipo de contato, impõe recomendações técnicas contestadas por leigos. É realmente uma crise, e sem precedentes. Na etimologia latina crise significa momento de mudança súbita, enquanto na grega: ação ou faculdade de distinguir, decisão, momento difícil. Então não seria exagero, ou fantasia, chamarmos de crise do coronavírus, não considerando como gripezinha, ou algo que passa sem complicações. Você pode até não ter graves sintomas, mas contaminado pode levar a vida de pessoas ao fim, o que seria tão grave como sair dando disparos por aí.
O desgoverno atual defende o armamento, logo o extermínio da população por um vírus contagioso seria mais eficaz que qualquer tiro à queima roupa. Por isso o pior não se conta, tudo é levado com irresponsabilidade e o Estado não protege como deveria. Ou ao menos o Federal não faz isso, enquanto o regionais ainda tentam num diálogo com seus municípios. O mundo não está questionando quanto tempo será preciso ficar em quarentena, mas por aqui pessoas como a ministra da Cultura, atriz que ao aceitar o cargo afirmou estar se casando com o governo, não poderia fazer diferente. Em seu perfil do Instagram postou e já deletou um texto criticando a quarentena, com uma foto sua de guardanapo no rosto, ironizando a utilização de máscaras por pessoas com sintomas.
“Você quer ficar em casa? Tá OK!”, como se fosse um pedido ou forma de agradar seu novo patrão. Em resumo, seu texto defende a ideia de que, para ficarmos em casa, alguém tem que estar na farmácia, no posto de gasolina e na padaria. Realmente, há certa comodidade, eu por exemplo não a ofereço completamente aos clientes me recusando a subir até seus andares quando entrego pedidos de restaurantes. Mas o argumento do seu texto não é o de ter compaixão de quem está trabalhando, é o interesse econômico de quem investiu na bolsa, de quem apoia a exploração em massa. Da forma criativa como foi escrito, com uma lista quase interminável, perdendo somente para o silêncio e a falta de bom senso ao confundir a população quando a solução já está estabelecida em tentativa da segurança de todos.
Para não terminar totalmente com uma energia ruim como o desserviço à humanidade de pessoas assim, trago aqui o álbum “Planeta Fome”, de Elza Soares, que se for escutado nessa quarentena pode fortalecer as paredes da mente e trazer luz aos dias de dor em que estamos vivendo. Na canção “Comportamento geral”, ouvimos: Você deve rezar pelo bem do patrão / E esquecer que está desempregado. Em “Não tá mais de graça”, temos a resposta à sua canção “A carne”: A carne mais barata do mercado não 'tá mais de graça / O que não valia nada agora vale uma tonelada / A carne mais barata do mercado não 'tá mais de graça / Não tem bala perdida, tem seu nome, é bala autografada. “País do sonho” e “Pequena memória de um tempo sem memória” são de um otimismo capaz de expandir a luta por um mundo melhor. E mais, a maioria destas letras aqui citadas são de Gonzaguinha, algumas da época da Ditadura.
Ouçam Elza, não escutem declarações fascistas, apenas as recomendações médicas, como a do Presidente da Academia Nacional de Medicina, Dr. Rubens Belfort: “Saiba que o vírus se espalha como areia fina num vento forte para todos os lados. Portanto, fiquem em casa.” E com uma comparação que achei de uma eficiência imensa: “Não dá pra escapar de mil bolas de futebol todas elas vindo na sua direção. Você que tem de sair de campo agora, para mais tarde ganhar o jogo.”, completa. Não é o fim, há muita gente lutando ainda por um mundo melhor, mas pra isso cada um precisa fazer a sua parte e ser ainda mais responsável por si e por todos.
P.S.: E aos fascistas bolsonaristas, saibam que quarentena não é achismo. Vocês odeiam a mídia e consideram tudo como politicagem porque suas passeatas não atravessam sequer a esquina.
_____________________________________
João
Gomes
(Recife, 1996) é poeta, escritor, editor criador da revista de
literatura e publicadora Vida
Secreta.
Participou de antologias impressas e digitais, e mantém no prelo seu
livro de poesia.
por Ângelo Fábio__
Estamos focados no combate à pandemia do coronavírus
(COVID-19) e assistimos aos constantes absurdos, que também
considero como uma pandemia mental, do então Presidente da República
Jair Messias Bolsonaro. Além da incapacidade administrativa, da
falta de diálogo e da ausência de um real posicionamento como líder,
tudo que sai da boca deste indivíduo beira a estupidez, a insensatez
e ao desrespeito humano. Sobre vários aspectos em jogo, pontuo a
falta de recursos para saúde pública, o enfraquecimento do
desenvolvimento econômico do país, a estagnação de políticas de
fomento à cultura e o enfraquecimento de medidas pontuais para a
defesa do meio ambiente. Estes e outros temas afetam diretamente a
autoestima da nossa população. E mais uma vez o setor cultural sofre
perdas. As alternativas para contenção dos problemas para a
categoria são cada vez mais escassas. É
importante frisar que, em 19/03/2020, uma conferência online reuniu
gestores e secretários estaduais de cultura. Foram apresentadas
propostas emergenciais para a Secretaria Especial de Cultura do
Governo Federal, através de um documento formulado pelo do Fórum de
Secretários e dirigentes estaduais.
.
Alvim e Goelbbes |
Da
unção ao discurso Nazista. Uma cortina de fumaça até a chegada do
pum produzido pelo palhaço.
Um
assunto que repercutiu bastante no cenário cultural, em janeiro deste
ano, foi o vídeo divulgado pela Secretaria Especial da Cultura, em 17/01/2020, onde o até então Secretário Especial da Cultura,
Roberto Alvim, copiou e adaptou trechos do discurso nazista,
proferido pelo ministro da propaganda Joseph Goelbbes (1897 -
1945+).
“A arte brasileira da próxima década será heroica e será
nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento
emocional, e será igualmente imperativa, posto que profundamente
vinculada às aspirações urgentes do nosso povo – ou então não
será nada”.
Tal
discurso gerou uma onda de indignação e rejeição por parte de
vários setores no Brasil e no exterior, inclusive pela Embaixada da
Alemanha, que publicou uma nota de repúdio. Um dia antes do fatídico
pronunciamento, Alvim apresentava ao presidente Bolsonaro as novas
diretrizes do programa de incentivo à cultura, um projeto criado
dentro de um perfil conservador e segregador. Após seu polêmico pronunciamento, Roberto Alvim é exonerado
da Secretaria Especial da Cultura.
Regina Duarte e Roberto Alvim |
Em
04 de março, de 2020, a pasta é assumida pela “Viúva
Porcina ou a “Namoradinha
do Brasil”, Regina
Duarte. Ela, uma efusiva lutadora
pelos interesses do agronegócio, é contra a demarcação de terras
indígenas, além de se posicionar a favor dos cortes na cultura. No programa Conversa com
Bial (29.mai.2019) na Rede Globo o
apresentador e jornalista comenta: “Regina,
eu tô me coçando pra dizer uma coisa… Se ainda tivesse ministério
da cultura, você podia ser ministra da cultura. Não tem mais
Minc*...”.
Regina completa: “Isso aqui não é meu não. Não é uma ideia
minha, mas é uma ideia que eu compro inteiramente, eu endosso. ME
CHAMA PRO CONSELHO TÁ!?...”.
Desde então tínhamos o prenúncio de sua possível entrada no
extinto Minc, que hoje se resume a uma mera secretaria sem rumo.
Em
momento prévio, antes do anúncio da sua nomeação, em rede social
Regina sinaliza que “estar de corpo e alma com o governo e vai dar
o melhor pela causa.” Não é nenhuma novidade que governos
radicais findam ações ou qualquer proposta de melhoria no setor
artístico. A pasta da cultura já havia sofrido uma tentativa de
extinção no governo golpista de Michel
Temer (MDB-SP). Na ocasião se
discutia uma reforma ministerial, sendo o Ministério da Cultura o
primeiro da lista para ser extinto. O Minc
apenas sobreviveu por conta da pressão de diversos movimentos
culturais e sociais. Artistas de todo o país lutavam e ocupavam
espaços em atos de resistência. Atuamos para que o Ministério
da Cultura se mantivesse de pé,
mesmo com diversos problemas.
Mas
aos poucos os movimento de resistência perderam a força. Por outro
lado um [grupo de artistas
brasileiros cria no ano de 2019, o Movimento Artigo 5º em defesa da
liberdade de expressão e contra qualquer ameaça de volta à censura
no Brasil. É um movimento coletivo espontâneo e suprapartidário do
qual participam cineastas, atores, grupos artísticos, diretores,
escritores, profissionais da moda, gestores culturais, jornalistas e
advogados de todo o país que trabalham voluntariamente pelo respeito
à Constituição Brasileira, nascida em berço democrático, vital
para existência das atividades criativas e para a preservação do
direito de ir e vir, ser e existir e da liberdade de pensar e se
expressar.] - Fonte:
https://www.artigoquinto.art.br/
Em
2019, com a chegada do governo da “Pátria
A(R)mada Brasil”, o fim do
Ministério da Cultura
é oficializado. Sobra a categoria a criação de uma secretaria,
medida semelhante a do governo Collor,
que em represália a classe artística impôs o autoritarismo.
Nasce
então a Secretaria Especial da
Cultura sob a gestão de Roberto
Alvim, ex-artista(?), ungido pelo
apóstolo e “profeta” Kevin Leal,
da Igreja Bola de Neve Church,
no bairro da Lapa, em São Paulo. Alvim apresenta uma “máquina de
guerra cultural”, talvez a partir daquele momento já servindo como
uma cortina de fumaça para abrir as portas a tantos descasos e
quiçá, a própria Regina Duarte.
O
pronunciamento “nazista” de
Roberto Alvim não foi gratuito, e
sim orquestrado. A entrada da Regina talvez seja um aporte à
barbárie da cultura. No discurso da oficial da sua posse, ela diz que:
“Cultura é aquele pum produzido
com talco espirrando do traseiro do palhaço”. A partir daí já conseguimos visualizar o tanto que ainda está por
vir.
Colaborou: Taciana Oliveira
___________________________________
*Acesse a entrevista do programa Conversa com Bial: Globoplay: https://globoplay.globo.com/v/7653765/)
____________________________________________
Ângelo
Fábio, 1981.
Artista interdisciplinar e produtor cultural que trabalha com o
cruzamento das linguagens cênicas. Fundador do
Pós–Traumático,
Hemisférios Itinerantes
(AR/BR) e
Caosmo Cia. Experimental.
Estudou jornalismo de
investigação na Universidade
Popular Madres de la Plaza de Mayo
e Licenciatura Direção Cênica (UNA), Argentina, porém
não concluiu os estudos universitários. É
idealizador do Cineclube
Universo Paralelo e co-idealizador da
Mostra Periférica,
em Camaragibe.
Também já foi diretor do Cine
Teatro Bianor Mendonça Monteiro (2017/2018),
produziu o livro Bianor – Trajetórias e Memórias
e promove o Encontro das
Artes Cênicas de Camaragibe
(2017/2019). Como ator e diretor, integrou diversas companhias
artísticas no Brasil e outros países.