por Taciana Oliveira__
Uma entrevista, um bate-papo virtual com Marcelo Rêgo, um dos criadores do duo Sargaço Nightclub.
A música sempre nos acompanhou
O projeto Sargaço Nightclub é um duo de música autoral formado por nós, Sofia França e Marcelo Rêgo. Nós tocamos, respectivamente, violão e guitarra e dividimos os vocais de praticamente todas as músicas: sempre que um faz a voz principal, o outro faz backing vocal, e assim dividimos o repertório meio a meio.
Sargaço Nightclub : Marcelo Rêgo e Sofia França Fotografia: Kamila Ataíde |
por
João Gomes__
Enquanto
o ódio deveria ser combatido, por meio da educação, ele vem à
tona por perseguição às minorias. Não quero falar a notícia, só
cravar minha ira sobre Dorias, Crivellas e toda trupe treinada ao
absurdo tão sem ordem e progresso. Mas só relembro que um recolheu
apostilas do ensino público de São Paulo por uma página tratar de
identidade de gênero e o outro fez perseguição às obras de
temática LGBTI comercializadas na Bienal do Rio de Janeiro. O ódio
disfarçado de política pública quando desperta a exclusão guiado
na violência ao próximo. O que excita os fascistas é mesmo uma
arma na mão. E livro é uma arma, ferramenta das mais poderosas.
Mais amor em SP e RJ e em todo o Brasil é pedir o mínimo diante
desses vendavais.
por João Gomes___
Raimundo de Moraes |
Raimundo, sua trajetória carrega muito da performatividade artística que acontece no Recife. Escrever a partir dessa faceta cria na sua escrita algum estilo que o torna distinto de um poeta interiorano? E em que ano chegou Raimundo de Moraes no Recife?
Se o mar e o mangue desenharam o contorno do Recife, eu cheguei aqui talvez por intromissão e para destoar um pouco da paisagem, rsrs. Gosto dessa coisa das simultaneidades, de ser de um lugar e ao mesmo tempo não pertencer a lugar nenhum. A modernidade nos colocou todos num mesmo caldeirão cultural. Dessa forma, não vejo o litoral ou o interior como sendo um rótulo, uma maneira de me inserir na geografia de algum estilo. Ter nascido e crescido numa metrópole acrescentou (e acrescenta) algo ao mix de coisas que escrevo. Mas existem muitos interioranos mais urbanos e hightechs do que eu.
Não sei se o meu trabalho carrega a tal performatividade artística que você menciona. A tradição poética pernambucana de flertar com o teatro e a música é muito antiga, creio que antecede até mesmo a musicalidade dos poemas de Ascenso Ferreira. Talvez eu tenha influência dos recitadores de rua, como os companheiros que fizeram parte do Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco (década de 1980) e de todo o cenário teatral do Recife daquele período, onde eu transitava, nos bastidores e nas plateias.
por
Rebeca Gadelha__
Artista:
kirisawa Juuzou
Isto
é o que sei (e não é muito):
Os bisavós teriam fugido para casar, bisavó teria morrido poucos anos depois, “doença” era tudo que vovô dizia; bisavô a seguiu pouco depois, o corpo precipitando-se de encontro à via férrea — se o fim foi proposital ou acidental, isto não o sei, vovô também nunca disse e só agora começo a desconfiar da veracidade desses fatos. Segundo vovô seus pais haviam fugido da Europa para o Brasil, pois os pais de seus pais eram contra o casamento, o que o avô (homem do qual eu nunca soube o nome) de meu avô fazia no Brasil na época da morte de seu filho eu nunca soube, também nunca questionei até este momento. O fato é que meu avô acabou indo morar com o pai de seu pai, um homem duro do qual ele nunca falava o nome. Falava da fome, das surras, das picadas de escorpiões, mas nunca o nome dele. Seus irmãos foram todos desbaratados em uma geografia incerta: alguns ficaram com os tios, outros com os avós maternos e somente um irmão — que tinha exatamente o mesmo nome do pai — juntou-se a ele na infelicidade de ser criado pelo avô paterno. Aos 15 anos meu avô e seu irmão falsificaram documentos e entraram para as forças armadas, era a década de 1940, num estado abandonado por deus e pelo estado como o Ceará, as opções eram poucas: mendicância, crime, tentar a sorte em Fortaleza e, se falhar, cair nas duas primeiras alternativas. Ouvi isso direta ou indiretamente de alguns dos poucos colegas militares que conheci, também ouvi dos filhos de outros, que encontrei por aí: “naquela época era a alternativa mais honrada para não morrer de fome”. Honrada ou não, foi a alternativa que meu avô escolheu, juntou-se à Marinha ainda antes de 1950 e os frágeis laços que tinha com sua família foram se desfazendo. Quando estava no mar — ou antes de viagens que sabia ser longas — depositava todo o ordenado para a esposa e o confiava ao bom senso da mulher, sem nunca saber se realmente voltaria. Já quando nasci, na década de 1990, só lembro de um cartão postal de minha tia-avó, enviado dos Estados Unidos, uma casa coberta de neve em uma rua qualquer, palavras de saudade que não esperavam resposta. Nunca soube muito da família de vovô: havia dois primos padres, um sobrinho era pistoleiro, a irmã perdera o útero para um câncer, outra estava nos EUA (talvez até fosse esta a do câncer), mas vovô nunca realmente se explicava, de forma que ele próprio parecia mais uma lacuna do que homem.
Os bisavós teriam fugido para casar, bisavó teria morrido poucos anos depois, “doença” era tudo que vovô dizia; bisavô a seguiu pouco depois, o corpo precipitando-se de encontro à via férrea — se o fim foi proposital ou acidental, isto não o sei, vovô também nunca disse e só agora começo a desconfiar da veracidade desses fatos. Segundo vovô seus pais haviam fugido da Europa para o Brasil, pois os pais de seus pais eram contra o casamento, o que o avô (homem do qual eu nunca soube o nome) de meu avô fazia no Brasil na época da morte de seu filho eu nunca soube, também nunca questionei até este momento. O fato é que meu avô acabou indo morar com o pai de seu pai, um homem duro do qual ele nunca falava o nome. Falava da fome, das surras, das picadas de escorpiões, mas nunca o nome dele. Seus irmãos foram todos desbaratados em uma geografia incerta: alguns ficaram com os tios, outros com os avós maternos e somente um irmão — que tinha exatamente o mesmo nome do pai — juntou-se a ele na infelicidade de ser criado pelo avô paterno. Aos 15 anos meu avô e seu irmão falsificaram documentos e entraram para as forças armadas, era a década de 1940, num estado abandonado por deus e pelo estado como o Ceará, as opções eram poucas: mendicância, crime, tentar a sorte em Fortaleza e, se falhar, cair nas duas primeiras alternativas. Ouvi isso direta ou indiretamente de alguns dos poucos colegas militares que conheci, também ouvi dos filhos de outros, que encontrei por aí: “naquela época era a alternativa mais honrada para não morrer de fome”. Honrada ou não, foi a alternativa que meu avô escolheu, juntou-se à Marinha ainda antes de 1950 e os frágeis laços que tinha com sua família foram se desfazendo. Quando estava no mar — ou antes de viagens que sabia ser longas — depositava todo o ordenado para a esposa e o confiava ao bom senso da mulher, sem nunca saber se realmente voltaria. Já quando nasci, na década de 1990, só lembro de um cartão postal de minha tia-avó, enviado dos Estados Unidos, uma casa coberta de neve em uma rua qualquer, palavras de saudade que não esperavam resposta. Nunca soube muito da família de vovô: havia dois primos padres, um sobrinho era pistoleiro, a irmã perdera o útero para um câncer, outra estava nos EUA (talvez até fosse esta a do câncer), mas vovô nunca realmente se explicava, de forma que ele próprio parecia mais uma lacuna do que homem.
Morreu
e hoje não sei nada sobre ele. Sei que me recitava poesia e falava
sobre universos alternativos e radiação, falava sobre psicologia e
mediunidade (era espírita, creio eu), suas únicas palavras sobre a
ditadura eram sempre “entrava gente para nunca mais sair”. me
pergunto se teria adiantado inquirir, investigar esses fatos de
verdades dilaceradas que vovô sobre si, creio que não. Vovô sabia
guardar segredos.
_____________________
Rebeca
Gadelha
nasceu no Rio em agosto de 1992, cresceu em Fortaleza, na companhia
dos avós. Geógrafa sem senso de direção, artista digital, é
apaixonada por animes, mangás, games e chá gelado. Tem medo de
avião e a única coisa que consegue odiar de verdade é fígado. Foi
responsável pela diagramação, ilustrações e concepção visual
em Balbúrdia, participa da coletânea Paginário, publicada pela
Editora Aliás. Atualmente escreve para as revistas do Medium Ensaios
sobre a Loucura e Fale com Elas sob o pseudônimo de Jaded.
por João Gomes__
Política tem e deve estar em tudo. Mas quando chega ao desrespeito à morte de alguém, isso já é fascismo, chega à hipocrisia e ao poder virtual que foi dado ao ser humano por meio da interação para o mal. Será que não é possível conseguir separar uma coisa da outra? No caso de quem falamos, talvez não, porque seu estilo de escrita não tem misericórdia nem meia palavra e o que cabe no seu verbo é a sinceridade e, acima de tudo, a honestidade. Para quem duvida da real causa de sua morte, critica o excesso de tatuagens em sua pele, seu posicionamento político e inveja seu talento, que descanse em paz, já que não sabem desejar isto a quem morre tão prematuramente. O roteiro da clareza, guiado com humor, a narrativa de seus romances caóticos, os seus poemas tão não românticos estarão sempre à espreita de quem busca a evolução. E é isso o que realmente importa, a cafonice não.
Fernanda Young |
por
Taciana Oliveira__
Um bate-papo virtual com a escritora calí boreaz, a nossa entrevistada do mês na coluna Desassossego.
_______________________________
calí boreaz - Foto: Henrique Chendes/ SESC MG |
como
diria Hamlet, ou a minha avó, tudo acontece exatamente como tem de
acontecer.
nasci
num outono português, num hospital da marinha nos arredores de
Lisboa, pois meu avô foi marinheiro. minhas origens remontam todas
ora ao Ribatejo — a lezíria — ora, mais a norte ainda, à Beira
Baixa — a serra. cresci a olhar para o rio Tejo, primeiro ali pelos
arredores de Lisboa, depois em Santarém, para onde nos mudamos
quando eu tinha uns 13 anos. com 17, retornei sozinha à capital para
fazer faculdade de Direito. depois, quando já não aguentava mais o
tédio da faculdade e só pensava em escrever poesia, pensei em mudar
qualquer coisinha para ver se a adrenalina aumentava... e então
aventurei-me a leste, em Bucareste, na Romênia, na língua romena, a
qual desconhecia completamente. achei isso perfeito: um ponto zero.
lá, além de completar o último ano de Direito num intercâmbio
universitário, estudei língua e literatura romenas e tradução
literária, tornei-me tradutora de romeno. voltei a Portugal e, em
meio a muitas idas e vindas entre Lisboa e Bucareste, especializei-me
em Direito da Imigração e passei a trabalhar, em Lisboa, num
instituto governamental de suporte jurídico ao imigrante, para além
de realizar traduções e interpretações simultâneas para a
embaixada da Romênia, polícia e tribunais. traduzi um romance
também, do escritor romeno exilado nos EUA, Norman Manea. logo
depois, talvez por sentir que a vida estava outra vez a ficar muito
encaixada, pensei novamente em desarrumar tudo: assim, atravessei o
Atlântico rumo ao sul, e pelo Rio de Janeiro fiquei até hoje — já
são quase 10 anos. tornei-me brasileira também, inclusive na voz.
ou seja, ganhei uma espécie de bilinguismo. traduzi outro romance do
romeno, já para português do Brasil. estudei teatro, escrevi e
realizei peças, ganhei um prêmio de melhor atriz, fui indicada a
outros, enfim, passei a dedicar-me completamente a esse ofício, que
eu, na verdade, queria desde muito pequena e que andara a adiar... ou
não. como diria Hamlet, ou a minha avó, tudo acontece exatamente
como tem de acontecer.
por Taciana Oliveira__
Aurora
de Cedro, Editora 7 Letras (2019), é uma revolução de
sentimentos, em uma jornada, por vezes amarga, pelo tortuoso caminho
da existência. O monge habita o poema e seu ofertório é a palavra:
Sonora
é a solidão, sonoro
silêncio,
sonora
a
carne do gueto
e
sonora é a boca
em
busca de palavras
que
se abram em pálpebras.
trecho
do poema O que nos falta