por Taciana Oliveira__

No aniversário de um ano de existência da plataforma Mirada, convidamos a poeta mineira Adriane Garcia para um bate-papo virtual. O resultado da entrevista é uma análise consciente do papel do artista no momento atual que enfrentamos no país. Adriane não se furta em dissecar feridas sociais e nos chamar para uma reflexão: Devemos enfrentar a estupidez enquanto vivermos, é um compromisso com nossa humanidade.




Por Tadeu Sarmento__

Fotografia: Igor Cerqueira

por Taciana Oliveira__

Dando prosseguimento a série com o trabalhos do fotojornalista Eduardo Matysiak, hoje trazemos um conjunto de registros que expressam o atual contexto político do país. O fotógrafo americano Lewis Hine afirmava: Se eu pudesse contar a história em palavras, não precisaria carregar uma câmera. Estejam então convidados a "visitar" a nossa história recente pelos olhos de Eduardo.

Vice-presidente General Mourão
por Taciana Oliveira__



por Rebeca Gadelha__
Artista: Asteroid

Tenho (re)visitado essas memórias até se tornaram lugar-comum, revisito-as com uma xícara de chá, como se me preparasse para algo: poderia ser o começo de um novo dia, o fim de uma fase, o meio de qualquer coisa que já passou da hora de terminar. Quando criança, costumava dizer “meu pai caiu no mar e um navio passou por cima” era a explicação infantil para justificar o descaso da ausência. Alguns anos depois, mamãe me disse, com uma voz macia, que meu pai vinha me visitar — e então meu mundo virou do avesso — então ele não havia caído no mar, se perdido entre o infinito de água acima e abaixo, mas estava lá em algum lugar e finalmente este lugar seria perto de mim. “Ele quer te conhecer” e foi assim que se começou o processo de idas e vindas, sem permanências. Conto nos dedos suas visitas e suas promessas — quero ter contato com você, dessa vez vai ser diferente — já na terceira vez que mamãe anunciou com a mesma voz macia a visita deste ser distante, eu disse “NÃO” e somente vovó me convenceu do contrário, ao que parece, avós tem um certo jeito para convencer pessoas. Nada foi diferente, tudo ficou no lugar, exceto a criança em mim, que deslocava-se cada vez mais para algum lugar estranho, as somas de decepção minando aquela vontade de ser completa, aquela nostalgia pelo o que não existia.

Veio-se então a vez que seria a última — e dentro de mim acredito que já sabia — porque agora seria diferente, porque eu já tinha 20 anos e éramos adultos, poderíamos falar sinceramente um com o outro, abrir o jogo sobre questões do passado, lavar a roupa suja que se amontoara nos quartos escuros. Não houve sinceridade que bastasse, nem todo a roupa suja foi lavada, talvez fosse preciso todas as águas do mundo para isso, talvez bastasse um pouco mais de vontade. O fato é que sabia que ele não ficaria, não importava o que fosse dito e que, sabendo disso, fosse melhor que fosse embora para sempre e sumisse de uma vez. Continuaríamos como dois estranhos: ele como um nome na certidão de nascimento e eu como um nome no imposto de renda. Uma relação de ausências convenientes, principalmente para ele — que ainda recebe descontos aqui e ali do leão por me declarar como dependente. Alguns trocados por mês para poupar o que o dinheiro não compra: tempo.

Este texto é parte da série Reminiscências, que narra a tentativa de uma garota de recuperar parte da história de sua família a fim de compreender a si mesma. Clique aqui para ler o prólogo.



Rebeca Gadelha nasceu no Rio em agosto de 1992, cresceu em Fortaleza, na companhia dos avós. Geógrafa sem senso de direção, artista digital, é apaixonada por animes, mangás, games e chá gelado. Tem medo de avião e a única coisa que consegue odiar de verdade é fígado. Foi responsável pela diagramação, ilustrações e concepção visual em Balbúrdia, participa da coletânea Paginário, publicada pela Editora Aliás. Atualmente escreve para as revistas do Medium Ensaios sobre a Loucura e Fale com Elas sob o pseudônimo de Jade


por Recife-Lo Fi e Taciana Oliveira__



Artista cultuado entre bandas de rock alternativo a partir da segunda metade dos anos 1980, e em circuitos de música independente amantes da produção DIY (do-it-yourself, ou faça-você-mesmo), Daniel Johnston morreu em 10 de setembro deste ano, vítima de um fulminante ataque cardíaco. Deixou um grande legado. Johnston foi um prolífico músico praticante da bricolagem sonora e pioneiro das gravações artesanais, ou lo-fi, gravando principalmente em cassetes e utilizando recursos caseiros de produção. Suas músicas e obras de arte – como seus vários desenhos e pinturas – influenciaram diversos artistas como Mike Watt, Sonic Youth, Tom Waits e muitos outros. Um dos seus fãs mais notórios era Kurt Cobain, falecido líder do Nirvana, que ajudou a divulgar seu trabalho ao usar uma camiseta com a capa do disco Hi, how are you, de 1983.
O cantor e compositor folk deixou para trás um conjunto incomparável de produções, começando com Songs Of Pain de 1981 e terminando com Beam Me Up!. Lee Ranaldo e Steve Shelley, do Sonic Youth, também contribuíram para um dos álbuns de Johnston, intitulado 1990, lançado em 1988. Johnston lutou com problemas de saúde física e mental durante a maior parte de sua vida e foi diagnosticado com esquizofrenia e transtorno bipolar. Problemas abordados no aclamado documentário de 2005, The Devil and Daniel Johnston. O herói do folk é mais lembrado por músicas como Life in Vain, True Love Will Find You the End e Walking the Cow.


Supervão, Zeca Viana e Gentrificators
 Créditos: Ana Bassasi e Kamila Ataíde

E justamente no sentido de homenagear e relembrar as músicas e o legado do artista, foi organizada por Marcelo Conter (Gentrificators) e Mario Arruda (Supervão), a coletânea nacional “Canções ao Inconsciente de Daniel Johnston” reunindo 17 faixas, entre versões, covers e músicas inspiradas. "Daniel Johnston faleceu em setembro de 2019, vítima de ataque cardíaco. Mas seu coração segue pulsando dentro de nós. É por isso que organizamos uma singela homenagem: uma coletânea de gravações instantâneas em tributo ao grande compositor, sem fins lucrativos", comenta Marcelo Conter.



A coletânea conta com Supervão, Zeca Viana, Gentrificators, Frankestein Love, Estêvão Vieira, Walter Willy, Medialunas, Cine Baltimore, Moldragon, Solomon Death, Juliano Rodrigues, Gue Martini, Gabriel Islaz, Agreste e conta com uma arte assinada por Eric Pedott. “Da minha parte, coube incentivar o Marcelo, conversar um pouco sobre o conceito e o nome da coletânea... E pude também participar musicalmente com duas músicas: uma com a Supervão, na qual sampliei “Hi, how are you” e inserimos em uma estética lo-fi hip hop; e outra sozinho em uma gravação espontânea que fiz em 2 horas livres em um dia de coração apertado...”, explica Mario Arruda.




O Mirada conversou pelo WhatsApp com Zeca Viana sobre a participação na coletânea:
1 - Por que Life in Vain?
Life in Vain foi a segunda música que ouvi do Daniel Johnston (a primeira foi Love Wheel). Isso em 1998, através de um CD-R pirata do álbum FUN (1994). Aliás, FUN é o primeiro disco lançado por uma gravadora; então meu primeiro contato com a obra dele não foi diretamente com as gravações caseiras que só consegui acesso um ano depois. Depois vi pela primeira vez o videoclipe de Life in Vain no programa Lado B da MTV apresentado por Fábio Massari. No final dos anos 90 ainda era muito difícil baixar músicas pela internet, então esse CD-R me salvou. Sempre adorei a melodia: pop, mas ainda bastante folk e muito simples. Escolhi essa faixa por conta da letra que fala sobre não passar a vida em vão, sobre manter a esperança. É uma letra bastante crítica também sobre costumes, a relação com a dependência da TV (hoje ironicamente existe essa mesma dependência das redes sociais) e como muitas vezes parecemos mortos-vivos no automático fazendo coisas sem refletir".

2 - Quem participa da produção da faixa ?
Gravei a faixa sozinho em casa. Quando Marcelo Conter, organizador da coletânea, entrou em contato, essa música foi a primeiro que me veio à cabeça. Então, gravei a música aqui no meu homestudio. Primeiro gravei a bateria e o baixo como base, e aproveitei para testar um amplificador de guitarra handmade que comprei recentemente e tentei deixar ela bastante direta e simples, sem mudar muito os arranjos originais, mas dando uma roupagem mais garage rock. Passei uns dois dias mixando para dar essa cara de ao vivo, com alguma sujeira e características de garagem mesmo, com uma sala pequena e como se todos os instrumentos tivessem tocando juntos. Depois fiz a master e enviei para Marcelo. Gostei muito de fazer essa versão e fiquei com vontade de fazer outras de outras bandas e artistas que me influenciaram de alguma forma.


Daniel Johnston
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Taciana Oliveira é mãe de JP, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.


Divulgação por Fredy Antoniazzi__

A Coleção BH. A cidade de cada um comemora 15 anos, recontando a história da capital com o livro Arraial do Curral del Rei






A poeira das obras que ergueram a nova capital de Minas Gerais no século XIX ainda encobre a história sofrida do povoado que lhe deu origem. Este é o tema de “Arraial do Curral del Rei”, da escritora Adriane Garcia, 34° título da coleção sobre Belo Horizonte criada em 2004, pela Conceito Editorial. Escrito em versos, uma inovação entre as narrativas da série, o livro de intensa força poética é, segundo a autora “uma espécie de romanceiro, que dá voz aos habitantes que a história não registrou, apenas expulsou”. O evento será no dia 9 de novembro, a partir das 10h30 da manhã, nos jardins internos do Palácio das Artes.
Na ocasião, os editores José Eduardo Gonçalves e Silvia Rubião vão reunir autores, personalidades e leitores que ajudaram a dar vida à coleção ao longo desses 15 anos de sucesso. A escolha do local é também bastante representativa. Além de ser o grande templo da Cultura mineira, o Palácio das Artes é integrado ao Parque Municipal, patrimônio ambiental criado no projeto original da cidade, que já foi tema da série. No mesmo evento, serão lançadas também as novas edições dos livros Cine Pathé e Pampulha, revistas pelos autores Celina Albano e Flávio Carsalade, respectivamente.

Flávio Carsalade e Celina Albano


Desde setembro de 2004, a coleção BH. A cidade de cada um vem construindo a memória afetiva da cidade por meio de textos literários escritos por pessoas de diversas gerações, escolhidas por sua grande identificação com os temas trabalhados. Tendo como ponto de partida suas vivências pessoais, eles falam sobre bairros, lugares, fatos e personagens diversos, sem o compromisso de se prenderem à historia oficial, gerando grande empatia entre os moradores e admiradores da capital mineira. O livro Arraial do Curral del Rei tem o patrocínio do Hospital Mater Dei, por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, e conta com o apoio cultural da Rede Globo Minas.

Fazem parte da coleção os seguintes 33 títulos: Lagoinha, de Wander Piroli, Mercado Central, de Fernando Brant, Estádio Independência, de Jairo Anatólio Lima, Rua da Bahia, de José Bento Teixeira de Salles, Fafich, de Clara Arreguy, Parque Municipal, de Ronaldo Guimarães, Praça Sete, de Angelo Oswaldo de Araújo Santos, Livraria Amadeu, de João Antonio de Paula, Sagrada Família, de Manoel Lobato, Pampulha, de Flávio Carsalade; Cine Pathé, de Celina Albano; Caiçara, de Jorge Fernando dos Santos; Carmo, de Alberto Villas e Lourdes, de Lucia Helena Monteiro Machado; Colégio Sacré Coeur de Marie, de Marilene Guzella Martins Lemos; Carlos Prates, de Humberto Pereira; Morro do Papagaio, de Márcia Cruz; Maletta, de Paulinho Assunção, Montanhez, de Márcio Rubens Prado; Santa Tereza, de Libério Neves; Serra, de Nereide Beirão; Padre Eustáquio, de Jeferson de Andrade; Centro, de Antonio Barreto; Mineirão, de Tião Martins; Colégio Estadual, de Renato Moraes; Santo Antônio, de Eliane Marta Teixeira Lopes; Viaduto Santa Tereza, de João Perdigão; Funcionários, de Maria do Carmo Brandão, Colégio Municipal, de José Alberto Barreto, Renascença, de Ana Elisa Ribeiro; Anchieta, de José Márcio Vianna e Campus da UFMG, de Heloísa Murgel Starling.

Para saber mais: www.bhdecadaum.com.br

A autora

Fotografia: Ricardo Laf
Adriane Garcia nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais. Em 2006, no curso de pós-graduação em Arte-Educação, na UEMG, interessou-se por estudar sobre a desconstrução do Arraial do Curral del Rei e a construção da primeira cidade planejada da República, com destaque para as questões de esquecimento e memória.Tendo vivido sempre na periferia (norte) da capital mineira, o olhar voltado para as origens e a exclusão social acompanha sua poesia. Publicou os livros Fábulas para adulto perder o sono (vencedor do Prêmio Paraná de Literatura, 2013, ed. Biblioteca do Paraná), O nome do mundo (ed. Armazém da Cultura, 2014), Só, com peixes (ed. Confraria do Vento, 2015), Garrafas ao mar (ed. Penalux, 2018).


Um poema

IX

É por milagre que as serras minam
Seus pés molhados começam riachos
Da pedra chorosa – fixa mudez
A esperança de voz das águas

O mundo começa no Acaba Mundo
Minha Mesopotâmia sem história
Sem Tigre, sem Eufrates, cerâmica
Eternamente argila das encostas

As suas primeiras casas, rústicas cafuas
Desenho de criança, sapê e pindoba
A lamparina acesa – quem esses seus mortos?
Nada sei do bem e do mal que lhes habitou

Sei que o fio escorre – o vale
Sei da capela para gente de passagem
Sei que se desejava boa viagem
Aos que partiam e não voltavam mais.


*Poema incluído em  Arraial do Curral del Rei, de Adriane Garcia


Serviço

Evento pelos 15 anos da Coleção BH. A cidade de cada um e lançamento do título Arraial do Curral del Rei, de Adriane Garcia
Local: Jardins internos do Palácio das Artes, av. Afonso Pena, 1537 – Parque Municipal
Data: Sábado, 9 de novembro de 2019
Horário: de 10h30 as 13h30
Preço: R$25,00 Entrada franca


#poesiabrasileira
#memoria
por Rebeca Gadelha_

O viver é matéria-prima dos versos de Ontem Estive Cálido (Editora Urutau, 2018) de Marcus Vinicius, historiador, professor e poeta. São os cenários do cotidiano que desfilam pelas páginas, são as pequenas e as grandes coisas que passam despercebidas na imensidão dos dias que se precipitam uns sobre os outros - é o silêncio que a tudo engole na madrugada, é o avô acomodado na cadeira de balanço a observar a estrada monótona, é o calor que a tudo dilata nas tardes nordestinas. 

ontem estive cálido
esvaziei as latas de pomadas
fichei as receitas dos ancestrais
as cartas que chegaram relatam
brincadeiras de fim de dia
saudades e acrobacias
ontem, deixei que os comprimidos
cuidassem do sono
respondessem minhas cartas
abarrotadas
que os medicamentos fizessem
selfie coletiva
festa célere
pôr fim.

Febre, poema de Marcus Vinicius

por Taciana Oliveira___ 


*Poemas selecionados da obra Azul Instantâneo de Pedro Vale.




por Taciana Oliveira___ 


Chile, 25/10/2019
Fotografia: Susana Hidalgo

Me mandaron una carta
Por el correo temprano
Y en esa carta me dicen
Que cayó preso mi hermano
Y sin lástima con grillos
Por las calles lo arrastraron, si

La carta dice el motivo
Que ha cometido Roberto
Haber apoyado el paro
Que ya se había resuelto
Si acaso esto es un motivo
Presa también voy sargento, si

Yo que me encuentro tan lejos
Esperando una noticia
Me viene decir la carta
Que en mi patria no hay justicia
Los hambrientos piden pan
Plomo les da la milicia, si

De esta manera pomposa
Quieren conservar su asiento
Los de abanicos y de frac
Sin tener merecimiento
Van y vienen de la iglesia
Y olvidan los mandamientos, si

Habrase visto insolencia
Barbárie y alevosía
De presentar el trabuco
Y matar a sangre fría
A quien defensa no tiene
Con las dos manos vacía, si

La carta que he recibido
Me pide contestación
Yo pido que se propague
Por toda la población
Que el león es un sanguinario
En toda la generación, si

Por suerte tengo guitarra
Para llorar mí dolor
También tengo nueve hermanos
Fuera del que se engrilló
Los nueve son comunistas
Con el favor de mí Dios, si

La Carta, Violeta Parra







Taciana Oliveira é mãe de JP, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.



por Taciana Oliveira___

Na edição desse mês a seção Fotogramas inicia uma série com o trabalho do fotojornalista Eduardo Matysiak. Nos últimos anos este olhar é responsável por registrar acontecimentos históricos que culminaram em diversas manifestações no Brasil. A fotógrafa americana Dorothea Lange, que documentou o evento da Grande Depressão nos Estados Unidos, afirmava: A câmara é um instrumento que ensina a gente a ver sem câmara. A fotografia de Eduardo atesta isso. Seus registros revelam um olhar sobre a resistência.



Manifestação Contra os Cortes na Educação/Boca Maldita/Curitiba


por Taciana Oliveira__


por Baga Defente



Nota do Autor

Primavera Árabe, golpe de estado no Egito, revelação dos esquemas de espionagem da NSA. Guerra na Síria, Papa sulamericano, morte de Mandela e Chávez. Legalização do casamento gay, descriminalização do aborto e liberação da maconha — os três no Uruguai.

Jornadas de Junho, incêndio na boate Kiss, ampliação dos direitos das domésticas. Lançamento do programa Mais Médicos, prisão dos condenados do Mensalão, o sumiço do pedreiro Amarildo:

Dentro e fora do país, 2013 foi um ano tumultuado.

A nível pessoal & subjetivo, também.

Em junho de 2013, enquanto explodiam as manifestações (a priori) contra o aumento das tarifas de ônibus, eu amargava o término de uma relação.

Quase dois anos antes, havíamos — minha então companheira, nossos dois filhos e eu — trocado o cinza da cidade pelo verde do interior e vivíamos em um bairro rural.

Após a separação, optei por continuar ali, morando sozinho em uma pitoresca edícula “hobbit” — espécie de bunker encrustado em um pequeno morro, com arcos de bambú sustentando o telhado e a base das janelas ao nível do solo —, acompanhando online, em tempo-real, toda essa movimentação na capital enquanto encarava uma ressaca afetiva, que nasce o meu interesse pela política.

Até então eu me dizia um ser apolítico. Seis anos passados, nas mais diversas esferas — pessoal, social, profissional, artística — a Política é um dos meus temas centrais.

Este livro pretende ser um relato poético-político-pessoal dos fatos ocorridos no Brasil dos últimos anos.

Um retrato subjetivo do golpe jurídico-midiático de 16, cujo ápice foi o impeachment da primeira presidente mulher do país, e suas consequências — as quais estamos vivemos e, pelo visto, ainda viveremos por um bom tempo.

Por isso, creio ser válido comentar algumas coisas: primeiro, os poemas aqui apresentados seguem sua ordem de escrita. Assim, podemos ver uma certa inocência no poema de abertura, na crença de que “o gigante havia despertado”.

Inclusive, no início da edição deste livro, em parte por vergonha dessa ingenuidade — e por não mais compartilhar algumas das visões ali proferidas —, não o havia incluído nesta seleção; porém, conforme o livro foi tomando forma, achei importante tê-lo aqui, justamente por marcar o início, ainda que inconsciente, desta nova fase.

Poema dos anos 20, o único desta seleção previamente publicado — em Pingalove, meu livro de poemas anterior —, é aqui repetido por ter sido escrito durante a bizarra sessão da câmara que culminou com o afastamento de Dilma
Rouseff, um marco político tornado poético.

Na sequência temos o Poema de Repúdio, escrito para ser lido durante a abertura da 7ª Conferência Municipal de Cultura de Botucatu, em maio de 2016

O evento contemplava a leitura e aprovação do regimento interno da conferência, além de algumas intervenções artísticas; essa foi a minha, feita de supresa, sem aviso prévio, visto que fui integrante da comissão organizadora.

A leitura gerou desconforto em três ou quatro presentes, que foram embora e depois reclamaram nas redes sociais.

Por receio de retaliação do público, integrantes do poder público cogitaram a possibilidade de adiar as atividades do dia seguinte. Insistimos em seguir com a programação.A conferência transcorreu sem problemas com recorde de público.

Para mim, serviu para sentir e observar o poder mobilizador e transformador que a Poesia possui, mesmo quando não nos damos conta disso.

Então a vida seguiu, o país afundou e, graças ao Grande Acordo Nacional — com Supremo, com tudo — e suas consequências, os poemas deste livro se fizeram ser escritos.
Torço, realmente, para que possamos, o quanto antes, celebrar nossa saída do fundo desse poço lamacento cheio de alçapões — mesmo que isso signifique não mais (precisar) escrever poemas políticos.


Baga Defente, abril de 2019

***para download acessar o link: POLITITITICA




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Baga Defente é poeta, artista visual & produtor cultural, sempre utilizando o Acaso como sua principal ferramenta criativa. Em 2011 trocou o cinza da cidade pelo verde do campo e se mudou da capital paulista para um bairro rural no interior, onde divide seu tempo entre trabalhos comissionados através do NADA∴Estúdio Criativo e sua produção autoral, a qual se manifesta em vídeos, pinturas, colagens e textos que abordam e mesclam relações humanas afetivo-sociais, política & ocultismo.
Desde 2015 também se dedica à publicação independente, produzindo livros artesanais de pequena tiragem e grande cuidado, tendo até agora lançado 13 títulos, quase todos de sua autoria.
Conheça mais procurando por @bagadefente e @NADAestudiocriativo pelas redes sociais.