Hoje a poesia é o caminho pelo qual eu me acesso - Entrevista com Patrícia Naia


por Taciana Oliveira___


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Patrícia Naia é poeta, periférica, ativista e produtora do Slam das Minas PE. Conversamos um pouco sobre sua trajetória e os preparativos para as novas performances e batalhas poéticas em 2019.

1 - O Slam nasceu na década de 1980 nos guetos e periferias americanas. Poesia, hip hop e grafite construíram uma cena e ajudaram a produzir uma identidade de resistência e reconhecimento cultural nos Estados Unidos. No Brasil essa onda toma força em 2008 com uma série de eventos dedicados ao rap e a poesia. Em 2015 acontece o primeiro Slam em Brasília, e no ano seguinte em São Paulo. Você é uma das organizadoras do Slam das Minas em Recife. Conta como foi a ideia de trazer o evento pra a cena urbana recifense. Fala um pouco desse diálogo com o Slam das Minas de SP.

Eu e Amanda Timóteo já trabalhávamos com o Controverso Urbano, acompanhávamos o Slam Resistência, e o Slam das Minas SP por vídeos, materiais e etc... O Controverso Urbano é um coletivo que realiza saraus em praças e lugares públicos da cidade, daí, eu e Amanda ficamos empolgadas em trazer o Slam pra cá, ficamos confortáveis porque já tínhamos essa experiência, e achávamos muito importante ter um espaço para mulheres mostrarem suas produções literárias, compartilhar experiências… Então, em agosto de 2017 fizemos o primeiro evento.

2 - No Slam a poesia reverbera a autonomia do corpo feminino dentro do espaço urbano. As batalhas poéticas apresentam bem mais que um desafio de rimas. Elas conectam uma geração de mulheres que atuam para quebrar uma estrutura social de cerceamento aos seus direitos e a sua opção de ser. Podemos considerar que o evento por ter participação exclusiva de mulheres é também um espaço de “segurança“ para abordar pautas relativas a repressão sexual, preconceito racial e homofobia? 

Claro. Trazer o espaço pra cá, tem tudo a ver com isso. Com criar espaços seguros onde as mulheres se sintam a vontade, confortáveis e animadas em ver outras mulheres mostrando suas produções, suas performances literárias, seus trabalhos.
Além disso, é um espaço que gera visibilidade, trocas, identificações e com certeza se torna um espaço de reivindicações, de protesto através da poesia.

3 - Você é natural de São Paulo, radicada em Recife desde os 08 anos de idade. Sua trajetória é periférica. Vivemos em uma capital que registra altos índices de violência contra as mulheres. Violência essa que se manifesta também em agressões verbais e na repressão religiosa e sexual. Sua criação literária é fruto desse olhar sobre essa cidade e da sua condição de mulher negra e lésbica?

Sem dúvida. Sempre digo, que gosto muito de escrever sobre a cidade e todos os meus sentimentos em relação a ela, sejam os de medo, de alegria, de bem-estar, ou de protesto. O que escrevo hoje é fruto das minhas experiências vividas na favela, na zona norte de Recife, das minhas vivências enquanto professora, mulher negra dentro desse contexto urbano tão violentador. Hoje eu escrevo muito do que eu vivo, e também crio outras vidas através da poesia.

4 - O Punho fechado no fio da Navalha (Editora Castanha Mecânica, 2017) e o zine A Vida é delas são obras com sua assinatura. Sua poesia carrega visceralidade e potência aliadas a uma postura feminina de resistência. O poema é sua geografia. Vou pegar carona em um dos seus versos e te pergunto: O poema é o caminho do teu corpo?

Hoje a poesia é o caminho pelo qual eu me acesso, me conecto com minha ancestralidade, me conecto com histórias de representatividade, me renovo. Então, de todas as forças existe um caminho de mão dupla entre mim e as poesias que eu escrevo, e que eu leio.

5 – Agora em janeiro acontece mais uma edição do Slam das Minas. O que você espera para os próximos meses em um país alimentado pelo ódio as minorias? A literatura será bandeira, estandarte de combate a intolerância?

A poesia que é produzida no Slam tem uma característica forte de manifesto acho que esse ano essa vai ser uma bandeira importante de luta para quem trabalha no cenário literário.
Após o evento de janeiro, estamos preparando a edição de 2019 das batalhas, fazendo parcerias com escritoras de outros estados, projetos. Acredito que 2018 foi um ano muito importante para o Spam das Minas PE. Alcançamos coisas grandes, visitamos escolas, realizamos batalhas na cidade e fora dela, aprovamos editais, enfim. Para 2019 o desejo é dobrar essas realizações, estamos trabalhando duro, com afeto e resistência para isso.







Taciana Oliveira é mãe de JP, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.