Bárbara, um conto de Mô Ribeiro


Por Mô Ribeiro __


Meu nome é Bárbara, e sou louca. Por favor, não espalhem. Ninguém sabe. Só eu mesma. As pessoas me têm como uma mulher calma, controlada, bastante discreta. Aqueles que convivem comigo dizem que sou o modelo do autocontrole, da lucidez. Fico feliz por conseguir ludibriar a quase totalidade humana que insiste em acreditar no óbvio.
Afinal, penso que sou, sim, muito louca, e a capacidade de disfarçar este meu lado obscuro certamente me protege. Parece contraditório alguém saber da própria loucura? Talvez. Mas o que passa por minha cabeça, associado ao que já li a respeito de transtornos mentais, consegue me convencer de que sou, sim, amalucada.
Todos os dias uma ou mais alucinações me ocorrem, e sei que são ilusões. Ao mesmo tempo sei que são verdadeiras, pois vejo com nitidez, ou melhor, vivo com nitidez acontecimentos completamente distantes do meu dia-a-dia.
Pensando bem, ainda não estou totalmente certa de minha loucura. O que me faz pensar que sou insana? A discrepância entre certos episódios de minha vida e meu "pão nosso de cada dia". Há também o fato de que os acontecimentos pouco corriqueiros só se dão quando estou só.
O que me faz pensar que sou sã? A suposição de que talvez a vida tenha eventos mágicos afinal de contas. Pode ser que tais situações sejam tímidas a ponto de só se darem na minha solidão. Bem, ainda não sei. E acho que jamais saberei.
Quando estou só, pessoas me visitam. Dizem que se identificaram na portaria, mas o porteiro nunca as vê. Serei eu a louca ou louco será o porteiro? Aí está o mistério. Bom, ele é dorminhoco, e talvez as pessoas tenham vergonha de acordá-lo: eis a solução prosaica.
Vamos à solução complexa: eu nunca sei em que situação conheci meus visitantes, embora sempre os reconheça. Basta um primeiro encontro para que eu saiba quase sempre, sem que abram a boca, seus nomes, o que fazem, de onde são.
Sei como fazem sexo, o que gostam de comer, que vida tiveram. Às vezes consigo saber até que vida terão. Mas nem sempre sei onde os vi pela primeira vez. Talvez aí resida o álibi do porteiro na defesa de sua sanidade, de sua vigília, álibi fornecido por meu desconhecimento do momento em que travei conhecimento com meus amigos.
Eles - os misteriosos seres - vêm todo dia a minha casa. Com alguns faço sexo, com outros converso, com alguns outros choro, uns poucos conforto, por muitos sou confortada. Às vezes ocorrem brigas, a maioria sem motivo. Todos me preparam lautas refeições e eu devoro a comida como se estivesse prestes a viver meses de penúria. E mesmo assim não engordo. Sou magra, muito magra.
Faço sexo sem proteção e não engravido nem adoeço. Talvez sejam mesmo pessoas imaginárias, comida imaginária, sexo imaginário.
Nunca se despedem de mim. Sempre esperam que eu adormeça e vão embora sem que eu perceba. No dia seguinte acordo, lembro-me da visita mas, como as obrigações são um fato, tomo banho e vou para o trabalho como se nada houvesse acontecido.
Ninguém jamais soube disso até este momento. O porteiro me olha com estranheza sempre que pergunto sobre alguém que tenha chegado para me ver mas, simplório que é, não faz questão de tentar entender o que me ocorre. E assim vou vivendo. Simplório o porteiro? Me é mais confortável pensar assim.
Às vezes é muito bom ter a chance desses delírios, desses sonhos despertos. Outras vezes é assustador. Por causa da violência de certos visitantes? Também. Mas sobretudo pela angústia de jamais saber qual é a verdade, de quem é o delírio, se há o delírio.
A visita de ontem foi muito boa. Tem os mesmos 33 anos que eu. Mais: nasceu no mesmo dia e no mesmo horário em que vim ao mundo. Não é a primeira vez que me procura. Às vezes some por longos períodos, mas quando resolve aparecer - ou será que eu resolvo fazer com que apareça? - sinto uma imensa felicidade.
Sempre que vem conversamos, fazemos sexo e, quase no fim da madrugada, jantamos. Ele cozinha divinamente e, inevitavelmente, me prepara algum tipo de massa. Sabe que adoro massas. Gostaria que um dia ele ficasse comigo até o amanhecer, mas isso nunca aconteceu.
Talvez seja mesmo um delírio. Às vezes me chateio com essa possibilidade, mas outras vezes me alegro. E a possibilidade da loucura acaba sendo compensadora.

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Mônica Ribeiro, ou Mô Ribeiro, é mineira de Belo Horizonte. Arquiteta de formação, descobriu-se poeta por insistência do inconsciente. Participou da antologia É Urgente o Amor, Edições Vieira da Silva, Portugal, e também da Antologia Ruínas, da Editora Patuá. Foi publicada pelas revistas Caliban, Germina, Literatura & Fechadura, Mallarmargens e Revista de Ouro. Irá publicar seu primeiro livros de poemas, Paganíssima Trindade, pela Editora PenaluxVeio ao mundo em 1971 e deu trabalho para vir à tona: o parto foi de fórceps. A escrita, ao contrário, vem nas contrações que dão à luz seus poemas. Partos rápidos, mas não sem dor, e depois o cuidado com a cria. Assim é sua escrita.

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