Salve, Alan Parker!

por Taciana Oliveira__

Alan Parker no set de The Commitments


Não sou conhecedora de toda a filmografia de Alan Parker, mas tenho uma profunda relação afetiva pelos filmes que assisti do diretor britânico, falecido no último 31 de julho. Grande parte da minha geração esbarrou em algumas das suas produções, seja em uma sala de cinema ou nas sessões de filmes exibidos na TV Aberta ou a cabo. O cineasta atuou em uma época onde fazer cinema era antes de tudo um compromisso artístico. Nos seus trabalhos sempre predominava a qualidade do roteiro e a participação de um elenco robusto. Hoje, em meio aos avanços tecnológicos utilizados no vazio narrativo dos blockbusters, a inteligência cinematográfica de Parker deixa uma lacuna insubstituível. Faço nesse espaço uma lista das obras do diretor que contribuiu para me tirar da zona de conforto. Salve, Alan Parker!

Bugsy Malone - Quando as Metralhadoras Cospem (1976)

1 - O meu primeiro contato com a obra de Parker acontece com Bugsy Malone - Quando as Metralhadoras Cospem, uma sátira musical aos filmes de gângsteres estrelada por um elenco infantil, com a participação da então adolescente Jodie Foster, exibido inúmeras vezes na década de 1980 na Sessão da Tarde da Rede Globo.



Expresso da Meia-Noite (1978)
2 - Os anos se passam e chega o Expresso da Meia-Noite, que apresenta assustadoramente os horrores do sistema penitenciário da Turquia. O filme rende um Oscar de melhor roteiro adaptado a Oliver Stone e de trilha sonora a Giorgio Moroder. Na época fui  arrebatada pela atuação do protagonista, Brad Davis, ator americano que morreria prematuramente em consequência da AIDS. 




Fame (1980)
3 - Mas nada é comparado ao estrondoso sucesso de Fame (1980), a história de oito adolescentes que buscavam uma vaga na Escola de Artes Performáticas de Nova Iorque. Algumas de suas sequências foram “utilizadas” como referência em campanhas do mercado publicitário brasileiro (o vt do guaraná Antarctica praticamente reprisou a cena emblemática dos atores e dançarinos nas ruas de Nova York), Fame transformou o comportamento de toda uma década. Tive o prazer de assisti-lo inúmeras vezes. Da última vez na companhia do meu filho, JP, que também se apaixonou pela delicadeza do roteiro, pela harmonia do elenco, pela potente trilha sonora (guardo o vinil com o maior carinho do mundo) e pela direção impecável. Um sucesso estrondoso, uma febre que virou série produzida pela americana NBC e exibida na extinta TV Manchete. Em 2009, o filme ganharia um reboot morno e desnecessário.



The Wall (1982)
4 - Durante um bom tempo me esquivei de assistir The Wall (1982). Uma coisa ou outra não me seduzia, mas principalmente minha birra, já quase resolvida, com o baixista e letrista do Pink FloydRoger Waters. Entreguei os pontos e fui vencida por uma noite de insônia e pela a programação do canal TCM. The Wall, o filme, é uma ópera rock com uma narrativa subjetiva, lisérgica e fragmentada, costurada a um roteiro construído para se conectar com a animação. Pra quem ama o Pink Floyd reconhece no filme a tradução visual do álbum lançado em 1979. A angústia, a depressão e o pensamento questionador as práticas fascistas do Estado estão escancaradas na interpretação virtuosa de Bob Geldof para o universo emocional-biográfico de Waters.




Birdy (Asas da Liberdade, 1984)
5 - Não posso deixar de citar Birdy (Asas da Liberdade, 1984), um delicado manifesto contra a estupidez da Guerra do Vietnã, narrado a partir dos traumas sofridos por dois amigos, interpretados pelos atores Matthew Modine e Nicolas Cage. O roteiro é uma adaptação do romance de William Wharton, e quem assina a delicada trilha sonora é Peter Gabriel.



Mississípi em Chamas (1988)
6 - A minha memorável sessão de Mississípi em Chamas (1988) aconteceu no cinema São Luiz. Com sete indicações ao Oscar, Alan Parker concorreu a melhor direção. Baseado em fatos reais, o roteiro toca na ferida, ainda presente e recentemente mais uma vez exposta, do preconceito racial nos Estados Unidos e revela a participação da Ku Klux Klan no assassinato de três ativistas dos direitos civis, um deles negro, na década de sessenta. Atuações impecáveis de Gene Hackman, Willem Dafoe e Frances McDormand. No comecinho desse ano, na plataforma de streaming do Telecine, constatei que a produção não envelheceu e continua dolorosamente atual. Um filme necessário que aborda dilemas éticos em uma narrativa que transita entre o drama policial e o suspense, sob a regência de um elenco potente e de uma direção segura.




Coração Satânico (1987)
7 - Para falar de Coração Satânico (1987) é necessário destacar as performances perturbadoras de Robert de Niro e Mickey Rourke. Confesso que, inicialmente, fui fisgada pela impecável trilha sonora de Trevor Jones. Fiquei dias e mais dias presa a um vinil emprestado, sem nem mesmo ter assistido alguma sequência do filme. A história se inicia em Nova Iorque e depois vai para Nova Orleans. No ano de 1955, o detetive Angel (Mickey Rourke), é contratado para encontrar Johnny Favourite, um cantor desaparecido, que tem uma ligação com o sombrio e esquisitão Louis Cyphre (Robert De Niro). Coração Satânico é uma trama regada a suspense e terror, com um final pra lá de surpreendente. Não cabe nenhum spoiler nesse texto. Apenas assistam!




The Commitments (1991)
8 - Fecho esta lista com o genial The Commitments (1991). Lembro de uma segunda-feira de 1992 (não recordo o mês), quando boa parte da cena universitária e cultural do Recife invadiu o Teatro do Parque para assistir uma comédia musical sobre um jovem que sonhava em ser tornar um famoso empresário, Jimmy Rabbitte, interpretado por Robert Arkins. Ele acaba por criar uma banda de soul music em Dublin, na Irlanda: The Commitments,  formada por músicos amadores, três vocalistas improvisadas e um cantor egocêntrico. O sucesso da banda extrapolou a tela do cinema. O elenco surfou na onda de fazer shows e ainda de gravar discos, além da trilha sonora oficial. Assistam e escutem no mais alto volume.








Taciana Oliveira é mãe de JP, comunicóloga, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.