Angústia, crônica de Yvonne Miller

 

por Yvonne Miller__


Rob Roger


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Nem me atrevo a respirar direito. Vai que um inspirar ou expirar mais forte abala a fraca esperança que me está mantendo em pé. Faço minhas coisas, a comida do gato, o trabalho, o passeio com o cachorro, sessão com a psicóloga, escrevo. Procuro ocupar minha cabeça. Sem coragem para olhar as notícias. Quando tudo terminar e tivermos certeza – sendo o resultado o que for –, vai chover mensagens. Mas o celular continua quietinho em cima do balcão da cozinha – até parece que não está acontecendo nada. De vez em quando lanço um olhar para lá, desconfiada. Será que ainda não terminou? Uma voz na minha cabeça diz “vai lá ver se já dá pra respirar normal”, outra diz “não vai, melhor nem saber” e uma terceira responde “mais cedo ou mais tarde você vai ficar sabendo, queira ou não”. Não querer saber é uma forma de se preservar: a ignorância pode salvar nossa mente da mesma forma que a fé salva nossa alma. Mas fé eu não tenho mesmo; faz séculos que Deus morreu, e não me surpreenderia que fosse de vergonha. E a ignorância nunca foi uma boa opção. Ela salva um e entrega mil. É por culpa da ignorância de muitos que hoje o mundo parece estar respirando com cautela, com os nervos à flor da pele.

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Pego o celular com a mão suada e o pulso acelerado. Desbloqueio a tela: 3455 mensagens novas. Durante um segundo meu coração para de martelar contra meu peito e preciso me sentar. Retenho a respiração e abro o aplicativo. Mas não é nada. Era só o grupo dos escritores anti-fascistas. Escreve pra caramba esse pessoal! Ganhei mais um tempinho. Não sei se vai adiantar. Vou cuidar da janta ainda sem conseguir respirar direito.

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Sou pessimista por experiência, mas espero que desta vez o destino me prove estar errada.


Michael de Adder



Yvonne Miller
nasceu na cidade de Berlim em 1985, mas mora, namora e se demora no Nordeste do Brasil desde 2017. Escreve contos, crônicas e literatura infantil em alemão, espanhol e português. Tem textos publicados em coletâneas, como Paginário (Aliás Editora) e Histórias de uma quarentena (Expresso Poema Editora). É cronista do coletivo sócio-literário @bora_cronicar e do blog Escritor Brasileiro. Além de ficcionista é autora e redatora de livros escolares. Instagram: @yvonnemiller_escritora