Eva-proto-poeta ou Manifesto Poético Antimisógino | Regis de Moraes Marinho

 por Regis de Moraes Marinho__




Em poemas tão concisos quanto incisivos - tal como:


"Etimológico


Varoa

Uma

Ova" (p. 22)


- Adriane Garcia, em seu novo livro de poemas "Eva-proto-poeta", nos oferta - poeticamente subvertida - a gênese mitológica que desde sempre sustentou a família patriarcal.


Das brumas do Antigo Testamento, Lilith, criada juntamente com Adão (Gênesis 1,27) e expulsa do Éden por postular direitos iguais, emerge para um ágape festivo e sugestivo com Eva, Samael e Adão, em que despencam todos os pilares da dominação misógina. E tudo isso numa poética construtiva e musical:


"Adão não se enxerga


Do mesmo pó

Do mesmo barro

Da mesma merda" (p. 26)


"Patriarcal


Adão só quer

Ficar por cima" (p. 28)


"Manual para harpas


Lilith prefere

Samael

Um deus que sabe

Tocar" (p. 40)


"Eva e Samael


Escorre

Quente


A peçonha da

Serpente" (p. 61)


"Mamíferas


E Lilith brincou

Com os seios de Eva


E Eva viu

Que era bom" (p. 64).


Pelo que, inaugura-se a poesia no abismo de Eva, a proto-poeta, que, assim como Lilith, não nascera de uma costela masculina, mas com


"Imagem e semelhança

De deusa" (p. 37)


e toda a vitalidade feminina.


Ora, em tempos nefastos como os que vivemos, de tentativa de involução à família tradicional fundada no poder do "pater familias", com a sujeição da mulher ao marido, a poesia de Adriane Garcia em "Eva-proto-poeta" surge como manifesta e necessária crítica ao mito sexista e como virulenta insurgência ante a alvitrada ressurreição do poder patriarcal. Destarte, não fosse pela poesia em ritmo, forma e musicalidade perfeitas, só por isso já valeria sua leitura.








Regis de Moraes Marinho é promotor de justiça e poeta, nascido no dia 31/08/1970, em Teresina-PI. Publicou seu 1° livro de poemas, “Inventário de Coisas Sublimadas", em 1998. Mas considera como sua efetiva produção literária a que vem escrevendo desde 2016. Lançará, ainda este ano, “Cancioneiro do Amor Verdadeiro”. Utiliza as redes sociais do Facebook e Instagram para divulgar sua produção poética.




Adriane Garcia,
poeta, nascida e residente em Belo Horizonte. Publicou Fábulas para adulto perder o sono (Prêmio Paraná de Literatura 2013, ed. Biblioteca do Paraná), O nome do mundo (ed. Armazém da Cultura, 2014), Só, com peixes (ed. Confraria do Vento, 2015), Embrulhado para viagem (col. Leve um Livro, 2016), Garrafas ao mar (ed. Penalux, 2018) e Arraial do Curral del Rei – a desmemória dos bois (ed. Conceito Editorial, 2019).