Equipe médica descartou cirurgia de emergência.
Presidente se queixava há dias de dores abdominais e soluços contínuos. Após
exames clínicos, laboratoriais e de imagem, os médicos optaram por um
tratamento conservador e convocaram os neurolinguistas. Foi identificado que o
excesso de declarações escatológicas gerou “um acúmulo de merda” (SIC) no corpo
do paciente e que ele precisará se submeter a um tratamento severo de
reeducação, envolvendo todos os aspectos neurais, de linguagem e cognitivos, incluindo
o difícil aprendizado da empatia para com o povo brasileiro. Segundo
especialistas, “a língua é um reflexo do que ocorre no corpo e, por sua vez, o
corpo fala”. As manifestações do corpo são regidas por princípios subterrâneos
e podem ser afetadas por fatores genéticos. Nesse sentido, identificou-se que, no
cérebro do Presidente, há um tipo de microbiota habitada por famílias de vírus
letais e desconhecidos que passam pela língua e se manifestam na linguagem. Por
isso, esse tratamento está sendo considerado um verdadeiro desafio para a
equipe da chamada PNL (Programação Neurolinguística).
Por outro lado, a junta de psiquiatras, que está
avaliando o caso, foi categórica no diagnóstico: há dois transtornos de
personalidade evidenciados – antissocial e narcisista – formando um quadro de sociopatia
grave e que precisa ser tratado em manicômio após o controle da “merda
residual” aderida ao cérebro do paciente, entupindo seus pensamentos. Isso contraria os peritos criminais, que
defendem o julgamento e a prisão imediata, após avaliação e limpeza da “merda”,
também, espalhada no âmbito externo.
Há, ainda, a análise da equipe especializada nas
Sagradas Escrituras (nas quais o paciente se ancora), endossando a necessidade
de um tratamento conservador inicial, afirmando que o Presidente violou de
forma grave o Verbo, chamando para si o julgamento de um Deus vingativo. Pois, segundo
os especialistas, o uso indevido do Verbo somado com atos perversos pode provocar
reações físicas inesperadas, identificadas pelos crédulos como “castigo divino”.
De todo modo, está evidente que a situação do
Presidente é bastante complexa, já que “merda” acumulada é elemento de grande
potência obstrutiva, tanto sob o aspecto físico, quanto no plano espiritual.
Apesar da consistência do tratamento conservador
indicado, os céticos defendem que não há remédio e nem cura para o paciente, e
que o povo brasileiro precisa tomar diariamente um banho de descarrego para se
livrar do encosto.
Thais Guimarães,
mineira, nascida no Ceará, é poeta e escritora. Publicou - Jogo de Cintura; - Dez Pretextos
para uma noite de solidão; - Jogo de Facas;
- Seis Poemas; - Notas de
Viagem; - A Poetisa (que ganhou 1º LUGAR
NA OFF-FLIP/2019) e Uma praça chamada
Liberdade (escrito em parceria com o poeta Carlos Ávila). Ganhou um Prêmio Jabuti, em 1988, com o
infantojuvenil - Bom Dia, Ana Maria. E publicou, em abril deste ano, o infantil
“Senhor Relógio”, com ilustrações de Silvana de Menezes. Desde os anos 1980,
coordena, pontualmente, oficinas de escrita para jovens e para
professores. Paralelamente, trabalha no
setor do audiovisual, tendo sido coautora do roteiro do documentário “Obra
Falada”, que mostra como as pessoas com deficiência visual constroem suas
relações com as obras de arte contemporânea.