por Adriano
B. Espíndola Santos___
Sandra
me pediu que saísse pela porta da cozinha, enquanto ia se arrumar. Não entendi
nada, mas obedeci. Era horário de almoço, logo voltaríamos ao batente. Fiquei
com cara de tacho, sentado na escada, esperando e inventando subterfúgios no
celular para enganar o tempo. No trabalho, já haviam me alertado para as
supostas presepadas dela; que era habituada a “bagunçar com o coração dos
homens”. Não quis dar confiança às más línguas; entregara-me às curvas potentes
de seu corpo de fogo; deixava-me, impotente, ser consumido. Norberto me falou,
ao ver que eu parecia um “tonto”, que Sandra fizera o mesmo com o Assis e o
Cunha. Ora, respondi: “Sandra foi traída pelos calhordas, metidos a sedutores
baratos!”. Norberto não me disse mais nada. Lógico, eu era seu amigo e oponente
ferrenho de Assis. Para mim, nada mais natural que Assis se ferrasse. Quanto ao
Cunha, um farsante, um engomadinho da Avenida Paulista, desse não tenho muito o
que falar; não sabia de nada de sua vida; era um cara sisudo, mal-encarado, com
pose de homem de negócios; o espertalhão da agência. Enfim, se Sandra fez o que
fez, se largou os bestalhões, foi porque mereciam. Os dois, pelo meu
conhecimento, eram contumazes em práticas escusas; Sandra foi vítima na parada.
Sendo ela uma mulher solteira, bem-sucedida, não tinha mesmo que se meter com
bandoleiros; foi ludibriada por estratégias mesquinhas de sedução. Em menos
duas semanas, com a nossa aproximação, me sentia inteiramente confiante e
seguro. Nenhuma mulher foi capaz de me alçar à condição de homem apaixonado em
tão pouco tempo. Sandra operou um milagre no coração de um sujeito
desacreditado, que já não reconhecia a força do amor. Entrei de cabeça; foda-se
o mundo. Nunca gostei de fuxiquinho, de conversinha de bar. Aquilo que falaram sobre
Sandra caíra por terra. Não se sustentava, absolutamente. Como ela era
interesseira, com um carro do ano e uma vida mais organizada que a minha?
Jamais. Outra que chegou para tentar “abrir os meus olhos” foi a Rafaela.
Tínhamos uma amizade protocolar e respeito mútuo. Mas, quando ela começou a
tecer um rosário de injúrias, não suportei; mandei que se calasse e lavasse a
boca, que ela não tinha moral para declarar tantos absurdos. Rafaela chorou, se
fez de coitadinha, sendo amparada por Assis. Daí em diante, abdiquei de
qualquer contato com a turminha de invejosos. Porra, eu não poderia, uma vez na
vida, ser feliz?! Que implicância era essa com Sandra? Que mal, meu Deus, a
mulher dos meus sonhos teria provocado aos seres superiores? Eu estava a um passo
de sair da empresa; não suportava os olhos dos urubus atrás de carniça; vão
ferrar o cão! Sandra foi quem me acalmou e pediu que eu “segurasse a onda”,
porque, tinha certeza, as pessoas não gostam da felicidade alheia, fazem de
tudo para estragar. Com três semanas, percebi que era o momento de sacramentar
a nossa união; convidei-a para o restaurante mais caro do bairro, com um espaço
reservado aos novos pombinhos. Lá, ajoelhei-me e abri a pequena caixinha com os
nossos anéis de compromisso. Para um momento tão significante, precisava selar
a união com um produto caro, de R$ 6.000,00, para combinar com a sua mão plena,
divina. Ela se emocionou; aceitou de cara, quase arrancando o anel do estojo;
não esperou que eu fizesse as honras. Falei o que devia falar, sobre o amor e o
encontro de almas. Que era uma enorme satisfação encontrar o amor da minha
vida, justamente na minha vida; nesse planeta, dentre tantos planetas e
dimensões – ouvi essa frase em algum lugar; não sei se é bem assim; reproduzi. Terminamos
a noite no meu apartamento, um oásis no meio do concreto. Ela soube cativar;
remodelou os móveis e a configuração. Senti que uma aura nova, de verdade, se
instalara no espaço antes sem vida. Pediu para tirar uns enfeites; disse que ia
guardar na sua casa, que eram muito feios e não combinavam comigo; e, no lugar,
meteu plantas; muitas plantas. A sensação, no começo, era de estar numa selva;
demorei dias para me acostumar. Após o choque, notei que ela tinha razão. Em
seguida, pediu que eu comprasse uma nova televisão; que eu merecia uma tevê
assim e assada; mais moderna e multifuncional. A antiga, com um ano de uso, ela
também levou para a sua casa, para usarmos numa casa que planejávamos comprar
na praia. Mudou lustres e quadros, colocando no lugar enfeites singelos, com
uma beleza realmente ímpar; adequados. Disse que jogaria toda a velharia fora,
quando eu a interrompi, falando que eram de estimação, objetos de minha mãe
falecida; então ela se dignou a guardá-los. O horário de almoço, como relatei,
era dedicado à nossa luxúria; gozávamos bem, para que o trabalho rendesse
depois. Só que nesse bendito dia foi diferente. Quando terminamos a transação,
no banheiro social, ela pediu que a aguardasse fora; que teria uma “surpresa”. Esperei
uma hora e entendi que havia algo errado; ela podia ter passado mal, estar
desacordada e caída no banheiro ou no quarto. Desci para buscar a chave reserva
no carro, mas não havia carro. O porteiro se intrigou e, entre os ombros,
murcho, falou que pensava ser eu no carro e que havia liberado a sua saída há
uns trinta minutos. Logo recalculei e percebi que Sandra devia ter esquecido qualquer
coisa ou precisou fazer alguma tarefa inadiável, e não poderia me contar.
Voltei ao trabalho, de Uber. Ela também não pintara no trabalho. Liguei várias
vezes para o seu celular, e dava sempre ocupado ou desligado. Esperei dois dias
para comunicar à polícia. Os investigadores mostraram, na tela do computador,
uma longa ficha de uma mulher que parecia ser a minha. Eu disse que era um
tremendo engano; que a mulher da foto tinha outro nome, Sandra, e não Sabrina. Agora,
padeço na espera de encontrar a minha Sandra, o meu grande amor, em qualquer lapso
do destino. Ela deve estar mesmo aprontando uma grande surpresa.
Adriano B. Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; e em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, ambos pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com a Revista Samizdat. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária. Membro do Coletivo de Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.
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