Resgatar a saúde é o maior dos bens, João Gomes

 

por João Gomes__

 

Simon Lohman

Machuquei a coluna com um escorregão ao sair do banheiro com os pés enrugados de vaidade. Como se fizesse diferença: no dia do meu aniversário. A pancada não atingiu a coluna, só comprimiu um nervo das costas, não sei se o sacro ou ciático. Até o momento, só havia tido duas inflamações por trauma. Uma na parte superior do pé, ao correr para trás como recomendação de um tutorial, e a outra nos tendões por trás do joelho esquerdo por correr vários quilômetros sem me alongar. Nenhum desses traumas curei com absoluto repouso, porque na época era teimoso e bem mais desassossegado do juízo. Dessa vez aprendi, ao que parece, da importância de repousar.

 

Quem comprime um nervo sabe, não é permitido ficar muito tempo na mesma posição. Senti que nenhuma era interessante, tendo um lado travado por um baque numa cerâmica molhada. O susto chega a ser tão grande, que você pensa que ficará pra sempre acamado, dependente. O ciático é o maior nervo que temos, vai da coluna vertebral até os pés, formado por várias raízes nervosas. Ele é responsável por controlar todas as articulações abaixo de nossa lombar, no caso, de nos dar vida por inteiro. Quando comento que machuquei o ciático, alguém sempre diz: bem-vindo ao clube da ciática, referindo-se à dor crônica causada pela inflamação dessa região.

 

Sempre me alonguei, por invejar professores elásticos de ioga e de performances do Cirque du Soleil e de talentos da televisão internacional. Minto, sempre me alonguei para me sentir vivo, conectando meus extremos, sentindo o seio do meu próprio ser, inclusive como meditação. Alongamento é vida, e nada me interessa o exagero nesse tipo de treino. Nunca vou querer abrir escala, ou mesmo levar a perna aberta ao encontro de minha mão como num arco. Desse jeito eu fazia, como num passo de frevo, quando aprendi a andar de bicicleta e não sabia frear. Alongar é como pedalar, é repetir os mesmos movimentos por sobre meu corpo abraçado. Fico vários minutos com as pernas atravessando minha cabeça, ou com os joelhos apoiados sobre minha testa. Depois pedalo como se o encontro corpo e mente tivesse se estabelecido por completo.

 

Dessa queda, me recuperei só hoje, 18 dias após o susto. Curar uma inflamação é tão emocionante quanto a sensação de nascimento. Novo em folha ninguém fica, porque a lâmina da vida não é nada cega, nada passa despercebido. Pode passar batido numa pancada que às vezes atinge o crânio ou o pescoço sendo até fatal. Só passou pela minha mente uma incerteza: será que esse bendito nervo precisa ser cirurgiado? Quando vou me sentir bem novamente para fazer o que mais gosto: correr, pedalar, agachar com uma barra nas costas? Resgatar a saúde é o maior dos bens dessa vida. Mas foi após muito relaxante muscular a base de cafeína, analgésicos e uma caixa de ibuprofeno que me comprimiu também o estômago, que suspendi tudo para aguardar a resposta do meu corpo.

 

Quando enviei a foto do anti-inflamatório, um amigo médico homeopata condenou: "Isso é ruim pro estômago e pros rins". Verde de dor, concordei e pensei: se a gente for ler a bula, não tomamos nenhuma cápsula, o remédio vai pelo ralo. E vai mesmo, mas antes nos detona os órgãos, assim caminha a indústria, conformando aqui para lesar ali. A homeopatia faz o contrário: trata humanamente de forma individualizada. Meu amigo recomendou o mesmo quando me queixei das dores nos tendões dos joelhos: tintura de arnica. Como conseguir medicina alternativa no delivery, eu que fui atendido super bem pela telemedicina?

 

Passei a tomar chá da folha da goiabeira, por ter propriedades anti-inflamatórias, não servindo apenas para disenteria como pensam a grande maioria, ou como eu pensava servir apenas pra fazer crescer o cabelo. Nada parece mais importar quando seu maior nervo está inflamado, por isso fui convidado a estar no clube dos que sofrem sem saber como encontrar a cura. Passei a usar cúrcuma, o açafrão, nos cozimentos de massas e grãos, por suas propriedades anti-inflamatórias. Com a queda, fiquei jururu andando como um lagarto. Foi meu modo de virar jacaré sem ter sido vacinado ainda. Parecia uma performance do cão, mas estou cicatrizando, pedalando e gritando em protesto deste último sábado: fora genocida!

 



João Gomes
(Recife, 1996) é poeta, escritor, editor criador da revista de literatura e publicadora Vida Secreta. Participou de antologias impressas e digitais, e mantém no prelo seu livro de poesia.