O perigo de uma história única e Sejamos todos feministas

 

por Iaranda Barbosa__

 



Estereótipos e cristalizações em O perigo de uma história única e Sejamos todos feministas, de Chimamanda Ngozi Adiche

 

O que nos vem à mente quando pensamos sobre os franceses? E sobre os indígenas? E sobre os colombianos? E sobre os cubanos? E sobre os paraguaios? E, especial, sobre África? As imagens são majoritariamente positivas ou negativas? Por quê? E se juntarmos África com feminismo? Feminismo africano. O campo semântico se amplia ou permanece estático, repetindo termos recém aprendidos e expressões consolidadas? Os questionamentos são muitos e necessários para que possamos problematizar nossas certezas diante de algo perigoso – chamado pela escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adiche de história única – e para dar atenção ao fato de que todos precisamos ser feministas.


Não é novidade que o termo “feminista”, em não raros casos, possui uma conotação pejorativa. Entretanto, no contexto das mulheres africanas, ele é mais que isso: causa aversão, é algo abominado, não apenas por estar relacionado a mulheres infelizes, feias, que nunca irão se casar, que detestam homens, mas também por ser considerado antiafricano. De forma a combater tais estereótipos e concepções, Adiche, de modo bastante irônico, se autointitula “feminista feliz e africana que não odeia homens, e que gosta de usar batom e salto alto para si mesma, e não para os homens” (p. 15). Tal artifício da autora almeja rebater o peso negativo ao qual está associada a ideia de feminismo: “[...] a feminista odeia os homens, odeia sutiã, odeia a cultura africana, acha que as mulheres devem mandar nos homens; ela não se pinta, não se depila, está sempre zangada, não tem senso de humor, não usa desodorante” (p. 14-15).


As histórias contadas em Sejamos todos feministas vai ao encontro das relatadas em O perigo de uma história única, pois chamam a atenção para o fato de normalizarmos – sem questionar – determinadas ações, atitudes e estrutura, tais como: um número pouco expressivo de mulheres em cargos de liderança; a ausência de filósofos, artistas e cientistas africanos nos livros de história. O campo do sensível/científico não é africano? Achide ressalta o exercício da autocrítica, da reflexão sobre a opinião do outro sobre nós e da nossa opinião sobre o outro. A autora traz à ordem do dia a necessidade de as famílias repensarem a criação dos meninos, de a escola reformular o ensino, e de os próprios homens repensarem o seu papel, a fim de começarem a se questionar por que as mulheres são colocadas em diversos contextos de submissão e por que isso não é errado.


Devemos, portanto, ter em mente o perigo de aceitar determinadas estruturas justificando-as por meio de uma questão cultural:

Tem gente que diz que a mulher é subordinada ao homem porque isso faz parte da nossa cultura. Mas a cultura está sempre em transformação. Tenho duas sobrinhas gêmeas e lindas de quinze anos. Se tivessem nascido há cem anos, teriam sido assassinadas: há cem anos, a cultura Igbo considerava o nascimento de gêmeos como mau presságio. Hoje essa prática é impensável para nós [...] A cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Se uma humanidade inteira de mulheres não faz parte da nossa cultura, então temos que mudar nossa cultura (p. 47-48).


O perigo de uma história única também se faz presente no fato de acreditarmos que o feminismo é único e que os mesmos problemas são comuns a todas as mulheres, desconsiderando especificidades, particularidades e individualidades de cada locus de enunciação. Logo, as inquietações, os problemas, os anseios, as angústias e as dificuldades enfrentadas pelas mulheres são inúmeras, pois pertencemos a diversas classes, etnias, grupos, religiões, culturas, países e idiossincrasias que nos individualizam, nos tornam únicas – embora plurais.


Os enfrentamentos são muitos e precisamos compreendê-los do geral para o particular, pois:

As histórias importam. Muitas histórias importam. As histórias foram usadas para espoliar e caluniar, mas também podem ser usadas para empoderar e humanizar. Elas podem despedaçar a dignidade de um povo, mas também podem reparar essa dignidade despedaçada (p. 32).

 



 




Chimamanda Ngozi Adiche nasceu em Enugu, na Nigéria, em 1977. É autora dos romances Meio sol amarelo (2008 – vencedor do Orange Prize, adaptado ao cinema em 2013 –, Hibisco roxo (2011) e Americanah (2014), publicados no Brasil pela Companhia das Letras. Assina ainda outros livros de ensaios e contos. Sua obra foi traduzida para mais de trinta línguas e apareceu em inúmeros periódicos, como as revistas New Yorker e Granta. Depois de ter recebido uma bolsa da MacArthur Foundation, Chimamanda vive entre a Nigéria e os Estados Unidos. Suas célebres conferências no TED já tiveram mais de 4 milhões de visualizações.





Iaranda Barbosa
, formada em Letras Português-Espanhol, pela UFPE, possui mestrado e doutorado em Teoria da Literatura pela mesma instituição. Salomé (selo Mirada), novela histórica é sua primeira obra ficcional longa. A autora possui contos em antologias e revistas de arte, assim como diversos artigos científicos publicados em periódicos especializados em crítica literária.