28 anos, Rebeca Gadelha

 

por Rebeca Gadelha__



Não acho que há como preparar a gente para a vida adulta. E não é pelos boletos que se acumulam ou por ter que entender [sozinho] como funciona a taxa de juros do cartão de crédito ou o sistema de recompensa do supermercado preferido, lidar com os adultos que parecem ainda estão presos numa infância eterna onde os outros são mamãe e papai que precisam fazer tudo por eles. Também não acho que há remédio para o desamparo e impotência da infância — quando a gente sabe que não pode fazer o mínimo do mínimo por nada nem ninguém e, às vezes, nem por nós mesmos. Fadados a obedecer os adultos e ansiamos por ser como eles só para poder fazer alguma coisa (qualquer coisa) por menor que seja.

Não é como uma aventura de filme de Hollywood, muitas vezes se parece mais com uma novela “dramalhona”, mal escrita na qual a gente não é nem o personagem principal — só um personagem secundário qualquer — e por isso não tem nem a garantia de final feliz, muito menos de um final sem pontas soltas mais cheio de perguntas do que respostas. Me parece que a memória é sempre uma multidão de espectros que regem uma orquestra que não parece ter fim e nem sincronia, muito menos afinamento. Dói os ouvidos só de pensar. Também não parece ter um motivo para a multidão de desgraças que se acumula como propaganda na caixa de spam, aquele desamparo e impotência da infância parece se prolongar indefinidamente pelos anos da vida adulta — e a gente, no meio disso tudo, só vai pensando como é pequenininho, menor que um grão de areia ou um átomo. E ainda nos perguntamos como é que tanta gente (tanta mesmo) consegue achar tanto de si mesmo. Nessas horas, sempre lembro do Guilherme Briggs narrando Pálido Ponto Azul, do Carl Sagan:

“A Terra é um cenário muito pequeno numa vasta arena cósmica. Pense nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores, para que, na sua glória e triunfo, pudessem ser senhores momentâneos de uma fração de um ponto. Pense nas crueldades sem fim infligidas pelos moradores de um canto deste pixel aos praticamente indistinguíveis moradores de algum outro canto, quão frequentes seus desentendimentos, quão ávidos de matar uns aos outros, quão veementes os seus ódios.”

Pode parecer bem contraproducente pensar nisso sob’ a ótica de tantos livros de autoajuda, das palestras de coach que tem por aí e daquelas mensagens de whatsapp dizendo o quanto alguém é especial e importante — mas também faz pensar como é uma p*** perda de tempo ostentar ódios por qualquer coisa além de um segundo e como, na verdade, está todo mundo no mesmo barco (acho inclusive que a pandemia mostrou isso muito bem), porém alguns estão na primeira classe, outros na segunda e por aí vai.





Rebeca Gadelha
é otaku, gamer e artista digital. Formada em geografia pela Universidade Federal do Ceará, tem um fraco por criaturas peludas e gorduchas. Trabalha com edição de vídeo do Literatura & Libras (@literaturalibras), diagramação de livros e na organização de projetos literários no Selo Mirada. "Reminiscências" (Selo Mirada, 2020) é o seu primeiro livro.