por João Gomes_
Kátia
Borges, escritora baiana, traz
na bagagem a produção de seis livros de poemas e recentemente um de crônicas, é
a convidada desta semana para a seção Falatório da revista Mirada. No nosso bate-papo
virtual, ela destaca: “Estreei na literatura com uma ingenuidade brutal em um
cenário no qual o jornal impresso tinha um peso que já não possui hoje, quando
o digital nos libertou de um discurso unilateral de autoridade.”
1 - Kátia,
seu mais recente livro, A Teoria da
Felicidade, publicado pela editora Patuá (2020), reúne sua produção de
crônicas. Como você se descobriu cronista? Ter um espaço para escrever pode ser
considerado para você um sonho de consumo?
Bom, eu já escrevia crônicas em um
periódico local, há muitos anos, mas era um exercício sem constância, numa
coluna coletiva chamada Ultraleve, que alternava vários autores a cada semana.
Então, em 2018, a editora do Jornal Correio, Linda Bezerra, me ofereceu a opção de uma coluna semanal, fixa e
assinada. Não sei se eu diria que era um sonho de consumo ter uma coluna assim,
mas tem sido um desafio e uma alegria ser convocada a pensar o mundo a partir
de uma perspectiva criativa. Eu diria que vou me descobrindo cronista à medida
em que escrevo.
2 - Tendo
sempre trabalhado com jornalismo cultural, você estreou na literatura em 2002,
com o livro de poemas De volta à caixa de
abelhas, reeditado pela editora Penalux em 2019. Como foi conciliar seu
trabalho de jornalista ao de escritora? O que mudou de lá pra cá?
Estreei na literatura com uma ingenuidade
brutal em um cenário no qual o jornal impresso tinha um peso que já não possui
hoje, quando o digital nos libertou de um discurso unilateral de autoridade.
Ser uma escritora iniciante e uma jornalista relativamente conhecida em minha
cidade, atuando no caderno de cultura do então maior jornal do Norte e Nordeste, trouxe consigo, muitas
vezes, o peso de estar em um lugar incômodo de influência, do qual eu fui
conscientemente me distanciando.
3 - A
participação em antologias nacionais e internacionais é uma constante em sua
trajetória. Fazer parte desse tipo de publicação contribui para o
desenvolvimento do escritor?
Creio que sim, principalmente pelo fato
de alcançar um leitor que não teria acesso ao conteúdo dos livros que cada
autor publica individualmente e que, tantas vezes, ficam restritos a uma
distribuição local.
4 - Você
foi a primeira mulher à frente da curadoria da 9ª Flica, (Feira Literária
Internacional de Cachoeira) em 2019. Ao comentar o convite, você assinalou o
fato de ser poeta trazendo na sua programação, junto a outros nomes, a
historiadora Lilia Moritz Schwarcz. Como foi comandar um evento deste porte e
quais autores da atual literatura baiana você recomendaria?
Considero uma experiência bastante
positiva. Eu já havia participado como convidada em 2014 e é um evento com uma
energia incrível, que movimenta todos os setores intelectuais e econômicos da
cidade de Cachoeira, no Recôncavo baiano, e seu entorno. Tentei estabelecer, na
época, o recorte possível para a curadoria, com base em questões que precisavam
ser debatidas. É complicado citar autores contemporâneos nominalmente sem ser injusta. Diria que
vivemos um momento intenso na literatura produzida na Bahia, tanto na poesia
quanto na prosa, basta ver o reconhecimento nacional, e até mesmo
internacional, de autores baianos que já vinham produzindo com regularidade e
qualidade há muitos anos.
5 - Como
foi organizar A Teoria da felicidade,
seleta que dialoga tão fluidamente com o cenário contemporâneo?
Em A
Teoria da Felicidade, contei com uma pós-produção literária profissional.
Penso que é um diálogo fundamental para qualquer autor, e tive como
interlocutor um escritor que admiro bastante, que é o Sérgio Tavares. Nos conhecemos no Festival Internacional do Conto,
em 2015, em Florianópolis. Ele me ajudou a pensar o livro de uma outra forma,
sem descaracterizar o lado baiano das narrativas.
6 - Ao
mesmo tempo, A Teoria da Felicidade
foi publicado em dezembro de 2020 durante a pandemia. Como foi lançar o livro
em um ano de isolamento social?
Eu fiquei um pouco insegura no início,
confesso, mas contei com o apoio do Eduardo
Lacerda, que é um editor que tem um modo muito firme e, ao mesmo tempo,
muito leve de conduzir os processos com cada autor. Então fizemos a pré-venda,
a live de lançamento, e a sensação era de atravessarmos juntos tudo aquilo. Eu
vinha participando de lives desde o começo da pandemia, os poetas Adelaide Ivánova e Ricardo Silvestrin me convidaram para as primeiras, e fui me
adaptando ao ritmo. Logicamente, não é o ideal, sofro a cada participação, mas aprendemos com a pandemia
que seguir produzindo é uma forma de resistência.
8 - A
pandemia possibilitou ao público de feiras literárias uma conexão maior com o
escritor através de lives?
As lives são muito criticadas, mas
permitiram intercâmbios que seriam impossíveis antes. Eu participei de várias
ao longo desse período de pandemia, seja como convidada ou apenas assistindo.
Fiz cursos que nunca faria em Salvador, estive em eventos maravilhosos que, se
presenciais, nunca iria. Enfim, acredito que tudo é uma questão de como você
administra.
9 - A
maioria de seus livros são de poesia. Cada um deles possui sua peculiaridade
criativa no título, um deles, Ticket Zen
e outro Uma balada para Janis, só
como exemplos. Assisti uma live da TVE, da Bahia, onde você cita dificuldades
para dar nomes aos poemas. Fala um pouco de como nascem seus projetos
literários?
Eu sigo com essa mesma dificuldade. Sinto
que meus projetos nascem de uma inquietação criativa sem qualquer urgência. O exercício da distração, por exemplo, é
de 2017. Então são quase quatro anos sem
publicar poemas, mas não sem escrever poemas.
10 - Em sua
crônica “Escritor é um bicho caprichoso”, você aborda como diversos escritores encontram seus
processos de escrita. Quais as singularidades de Kátia Borges, além do zelo
pela palavra e pelo livro impresso?
Não tenho grandes singularidades, em
relação ao processo da escrita, manias, superstições, essas coisas. Eu sinto a
necessidade básica de isolamento e me cobro muito, aí sim, uma abordagem mais
autêntica dos temas. Nem sempre dá certo, mas tento.
11 - Ao
falar da escritora Gertrude Stein, o seu verso mais famoso é o título da
crônica: “Uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa”, e curiosamente o Stein
não comparece no texto. Como você seleciona e cria suas narrativas, como a da
vez em que Janis Joplin esqueceu o casaco na casa de um amigo seu de turma?
Eu aciono gatilhos. A ideia é convidar o
leitor a espiar como era ou como eu imagino. A Gertrude da crônica é uma
galinha que eu criei na infância, porque tinha curiosidade em saber como seria
o desenvolvimento de um pintinho até a vida adulta. Já a crônica sobre o casaco de Janis nasceu
de uma reportagem sobre a passagem dela pela Bahia. Tenho até hoje o bloquinho
com as anotações. A crônica permite a experiência narrativa mergulhada em
vivências reais. É isso que mais amo nesse gênero.
12 - Com
uma produção ininterrupta, quais seus próximos projetos e o que os leitores
podem aguardar de Kátia Borges nos próximos anos?
É complicado pensar em futuro. Não sei,
de verdade, o que os leitores podem esperar. Ao longo desse período de quase
quatro anos, venho escrevendo um novo livro de poemas e organizando, desde o
começo de 2021, um novo livro de crônicas. Tento não me impor prazos e nem
entrar na neura de que é preciso estar no tal mercado compulsivamente.
Kátia Borges, natural de Salvador, é autora dos livros “De volta à caixa de abelhas” (As letras da Bahia, 2002), “Uma balada para Janis” (P55, 2009), “Ticket Zen” (Escrituras, 2010), “Escorpião Amarelo” (P55, 2012), “São Selvagem” (P55, 2014), “O exercício da distração” (Penalux, 2017) e “A teoria da felicidade” (Patuá, 2020). Tem poemas incluídos nas coletâneas “Roteiro da Poesia Brasileira, anos 2000” (Global, 2009), “Traversée d’Océans – Voix poétiques de Bretagne et de Bahia” (Éditions Lanore, 2012), “Autores Baianos, um Panorama” (P55, 2013) e na “Mini-Anthology of Brazilian Poetry” (Placitas: Malpais Rewiew, 2013).
João Gomes (Recife, 1996) é poeta, escritor, editor criador da revista de literatura e publicadora Vida Secreta. Participou de antologias impressas e digitais, e mantém no prelo seu livro de poesia.