Três poemas de Alberto da Cunha Melo

 

por Taciana Oliveira___

 

Fotografia: Heather Zabriskie



Schopenhauer

 

Para cada sonho uma lápide

sóbria como o próprio cortejo,

depois disso, treinar seu cão

para morder qualquer desejo;

 

rasgada a farda da alegria

que, na batalha, o distraía,

 

agora a dor, em tempo célere,

pode estender, com dignidade,

sua cólera à flor da pele,

 

para sarjar com sua lança

tantos tumores da esperança.

 

 

 

Do livro Meditação sob os Lajedos.

Natal/Recife: EDUFRN/Bagaço, 2002.

 

 

Premonição

 

Por uma longa, longa época,

em certo país ensolarado,

as pessoas viviam trancadas,

atrás das grades, vidradas de terror.

Enquanto isso, pequenos e grandes demônios

caminhavam pelas ruas, massacrando

os que ousavam sair,

para comprar sabão e comida.

As igrejas e as escolas,

fechadas há muito tempo,

privavam de fé e conhecimento

as novas gerações.

Os governantes desistiram de governar

e ninguém quis sentar nos seus tronos, vazios,

nem mesmo os vencedores, os demônios,

que preferiram desfilar com suas corjas,

cheias de estandartes e molhadas de sangue.

Dessa época ficaram muitos códices e fotos,

que não foram levados em consideração.

A desgraça quando chega a terríveis alturas

vira mito nos livros e satânicas lendas

para assustar as crianças.

Ai de quem viveu naquele tempo

de tão sórdida provação.

Uma tarde, os demônios resolveram partir

por vontade própria,

e as grades foram entulhadas nos pantanais.

Certa noite, todos os animais em desespero

jogam-se nas paredes, nos troncos,

partem cordas, coleiras, cabrestos e lutam para desaparecer.

O que eles pressentiram

ninguém desejou saber.

 

"Prosas de Além Bar e outras prosas" (2007). In: "Poesia completa". 2017.

 

 

Relógio de Ponto

 

Tudo que levamos a sério

torna-se amargo. Assim os jogos,

a poesia, todos os pássaros,

mais do que tudo: todo o amor.

 

De quando em quando faltaremos

a algum compromisso na Terra,

e atravessaremos os córregos

cheios de areia, após as chuvas.

 

Se alguma súbita alegria

retardar o nosso regresso,

um inesperado companheiro

marcará o nosso cartão.

 

Tudo que levamos a sério

torna-se amargo. Assim as faixas

da vitória, a própria vitória,

mais do que tudo: o próprio Céu.

 

De quando em quando faltaremos

a algum compromisso na Terra,

e lavaremos as pupilas

cegas, com o verniz das estrelas.

 

"Poesia completa". Record, 2017, p. 100



 


Alberto da Cunha Melo -
 poeta, jornalista, sociólogo, nasceu em Jaboatão, Pernambuco, em 8 de abril 1942 e morreu no Recife, em 13 de outubro de 2007.  Visitem o site do autor: clica aqui










Taciana Oliveira é mãe de JP, comunicóloga, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.