Três poemas de Ingrid Carrafa

por Ingrid Carrafa__





“Não desistir.

Teimar e enfrentar o mundo

Armada com poesia

Nesse tempo impróprio em que desnudar a alma

É um ato de coragem.”


 




Flagrei minha mãe numa conversa ao telefone com a minha madrinha:

- Ingrid é uma diaba de dois rabos e quatro chifres, Célia. Na inquisição teria sido jogada na fogueira gargalhando. Na ditadura teria sido presa e torturada (nessa parte ela dá ênfase) e ainda cuspiria na cara do ditador! Tá ela lá no quarto, dormindo, toda aberta e pelada. Igual aquele quadro que tem lá na parede do quarto dela, do tal Da Vinci. A esposa do vizinho militar reclamou esses dias que ela deu pra estender roupa cantarolando nuazinha em folha, a descarada. Mas é humana, a pobrezinha. Sofre de dar dó... Esses dias a viram lá perto da rodoviária abraçando o nóia malabarista. De gato de rua recolhido já fomos pra nove!

Deveria ter metido ela naquele internato de freiras lá em Colatina.

A culpa é do fogo do meu mapa astral. Do meu ascendente em sagitário, da minha lua em áries. Maldita maré cheia no dia em que eu nasci roxinha da Silva de um parto normal!

A culpa é das dez pneumonias que não me mataram.

A culpa é dessa fome desaforada, dessa curiosidade animalesca, desse instinto primitivo desenfreado. Desse gosto de língua mordida na boca.

A culpa é da minha Maria Madalena interior. Da minha Frida; Dalila com pele de naja; Joana D´Arc metida à massagem tailandesa. Avessa, contagiosa, cadela raivosa toda babada e sorridente feito massagem clitoriana. Ré confessa; crime cometido e constantes espasmos orgásticos de vida!







moscas varejeiras na parede

a parede é minha amiga

desde a primeira tentativa de suicídio

Eu nunca quis olhar pra fora

lá fora é frio

com toda essa gente amontoada em bares, boates e cafés

lá fora é vazio

com toda essa solidão devastada

de uma poesia que não vingou

lá fora é uma piada triste

na esperança que termine

um dia

todo esse desfile de gente morta

enquanto os manicômios estão cheios

nunca quis olhar pra fora

meu coração passou a bater na parede

quando eu enfiei goela abaixo 6 caixas de comprimidos tarja preta

meu coração está sendo comido vivo

pelas moscas varejeiras na parede


*Poemas do livro "E quando borboletas carnívoras dançam no estômago", de Ingrid Carrafa







Ingrid Carrafa
é escritora, atriz e atualmente se dedica à poesia. É autora dos livros “Entre rosas e abismos” (poesia - editora Penalux, 2015), “Não joguem pedras na Geni” (poesia - independente, 2016) e o mais recente “E quando borboletas carnívoras dançam no estômago" (poesia - editora Maré, 2021).