Dois poemas de Adriane Garcia

 por Adriane Garcia__

 



 

antropoceno

 

Está parecendo que eu odeio a humanidade

Desde que vi as morsas caindo de montanhas

Em que nunca deveriam ter subido

As morsas quicando

Uma, duas, três vezes e caindo estateladas

No meio da multidão de morsas

 

Na costa da Rússia, eu que nunca estive lá

Chorei como quem passava a amar somente

os bichos

E as plantas que cultivo no meu apartamento

Sob um pedacinho de sol

Que os arquitetos deixaram por compaixão

Ou por esquecimento

 

Soube então que faltavam geleiras às morsas

E que elas agora se viravam nas pedras

Amontoadas, que algumas subiam as montanhas e

O resultado já disse

Elas caem e fica parecendo que eu

Odeio a humanidade

 

Como se eu não soubesse que gente

Também é bicho

Como se eu não entendesse que é preciso amar

A minha própria espécie

Fica parecendo que eu não compreendo

Que nós caímos quando a morsa cai.

 

 

 

rugas

 

O comercial da TV nos distrai

O rolê no shopping nos distrai

As compras online nos distraem

E o desconto de cinquenta por cento

Se você for o leitor número mil

Deste poema

 

A nova escova

O novo aparelho

Celular, o novo carro

Ter muito dinheiro

Não ter dinheiro

Também distraem

 

Das três notícias mais importantes que

Não saíram nos jornais desta semana:

Nossa vida está nos minúsculos pés das abelhas

Se você não vê mais borboletas veja catástrofe

É nossa

A velhice que aparece nos olhos dos elefantes.

 


Videopoema: Amanda Ribeiro | Narração: Adriane Garcia

Videopoema: Amanda Ribeiro | Narração: Lubi Prates

*Poemas do livro Estive no fim do mundo e me lembrei de você, de Adriane Garcia (Editora Peirópolis, 2021)

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Adriane Garcia
, poeta, nascida e residente em Belo Horizonte. Publicou Fábulas para adulto perder o sono (Prêmio Paraná de Literatura 2013, ed. Biblioteca do Paraná), O nome do mundo (ed. Armazém da Cultura, 2014), Só, com peixes (ed. Confraria do Vento, 2015), Embrulhado para viagem (col. Leve um Livro, 2016), Garrafas ao mar (ed. Penalux, 2018), Arraial do Curral del Rei – a desmemória dos bois (ed. Conceito Editorial, 2019), Eva-proto-poeta, ed. Caos & Letras, 2020 e Estive no fim do mundo e lembrei de você  (Editora Peirópolis).