Numa próxima viagem | Adriano Espíndola Santos

 por Adriano Espíndola Santos__


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Um pouco de solidão não é nada mal. Para falar a verdade, hoje, até prefiro. Quando era novo, aventureiro, sonhava com uma costelinha quente ao lado, para as noites de frio. Tive, sim, essa oportunidade. Viver a dois, a três, definitivamente não dá. Casei com Virgínia em 2012. Nosso namoro não durou oito meses; logo já a pedi em noivado. E daí para o casamento, um pulo: cinco meses. A grande questão é que eu tinha pressa; Virgínia tinha pressa; a vida poderia acabar na outra esquina e não queríamos desperdiçar os momentos juntos. Embarquei na viagem; e viajei por longos e tortuosos anos, não gosto nem de lembrar. Virgínia fez o favor de acolher a sua mãezinha, isso no começo da união. Eu mal a conhecia; avalie a mãe, que, além do mais, morava em outra cidade. Só a havia visto uma única vez antes do casamento, e ela, para não perder a chance, me passou um sermão, com uma lista infinita de recomendações para a “sua menina”; “não quero nenhum caboclinho bagunçando o seu coração”. Já aí tive palpitação, nervosismo, e respondi que, sim, faria tudo para que Virgínia fosse a mulher mais feliz do mundo. Voltando à chegada de Tânia, a velhota: digo que além de inusitada foi assaz precipitada. “Quem casa quer casa”, minha sábia avó dizia. A velhota quedava o dia no meu encalço, principalmente porque eu, naquela época, já trabalhava de forma remota, no computador, com gerenciamento e controle de dados. Ela achava que eu era um desocupado e a sua filhinha a batalhadora, que saía para a rua para botar dinheiro em casa. Um dia, quando Virgínia não estava, chamei-a no canto, com cara de raiva, e declarei que Virgínia ganhava um terço do meu salário, e por isso não pagava mais que as despesas elementares; que a velha comia do bom e do melhor por minha causa; que ela tratasse de me respeitar. Pronto, tudo mudou; Virgínia mudou em favor da mãe, que, pelos cantos, ainda dava risinhos de felicidade por estar arruinando a minha vida. Resultado: com três meses resolvi voltar para a casa da minha mãe. Virgínia me chamou de covarde. Ficamos um mês separados e reatamos quando a velhota foi embora de vez. Mas o pior estava para acontecer: Virgínia acolheu um irmão de quem nunca tinha ouvido falar, o Airton. Dizia que ele era irmão só por parte de pai e que voltava da Irlanda e não tinha onde ficar. “Ah, benzinho, deixa de ser cismado! Ele deve ficar aqui um mês, no máximo, até começar a dar aulas de inglês”. Bom, vi o que não devia ver: Airton tratava de línguas, mas de suas ficantes, que ele levava para o quarto e, com elas, tinha noites alucinantes, em razão das quais em não conseguia dormir. Saí mais uma vez, mas desta de modo definitivo. Luiz, meu melhor amigo, me pergunta se não sou muito sozinho; se isso não me perturba. Respondo que, se ele tivesse provado da minha experiência, decerto toparia ir até para a lua, numa próxima viagem. Quem sabe eu mesmo vá.

 



Adriano Espíndola Santos é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. Instagram/adrianobespindolasantos | facebook/adrianobespindolasantos . Email: adrianobespindolasantos@gmail.com