Dois poemas de Alberto da Cunha Melo

 por Taciana Oliveira___

 

JR Korpa

*UM CARTÃO DE VISITA

 

Moro tão longe, que as serpentes

morrem no meio do caminho.

Moro bem longe: quem me alcança

 

para sempre me alcançará.

Não há estradas coletivas

com seus vetores, suas setas

indicando o lugar perdido

onde meu sonho se instalou.

 

Há tão somente o mesmo túnel

de brasas que antes percorri,

e que à medida que avançava

foi-se fechando atrás de mim.

 

É preciso ser companheiro

do Tempo e mergulhar na Terra,

e segurar a minha mão

e não ter medo de perder.

 

Nada será fácil: as escadas

não serão o fim da viagem:

mas darão o duro direito

de, subindo-as, permanecermos.

 

Do livro "Poemas anteriores" (1989) que você encontra na "Poesia completa", Ed. Record, 2018, p. 115. 



*PUBLICAÇÃO DO CORPO

 

Quando distanciar-me das altas

nuvens, onde sempre habitei,

devo levar algumas delas

para que saibam minha pátria.

 

Após soltar de espaço a espaço

as cascas vivas da memória,

devo levar para a cidade

o corpo, esta palavra forte.

 

Só meu corpo vai realmente

pisar nos jardins e nos pátios

e com mãos novas sacudir

as grandes árvores por perto.

 

Vou conduzi-lo com o cuidado

de livro muito alvo na tarde:

É minha única esperança

de estar bem vivo entre vocês.

 

Só meu corpo sabe virar

todas as páginas do tempo

e só ele foi publicado

completo, para ser seguido.



"Poesia completa". Editora Record, 2017, p. 43




Alberto da Cunha Melo -
 poeta, jornalista, sociólogo, nasceu em Jaboatão, Pernambuco, em 8 de abril 1942 e morreu no Recife, em 13 de outubro de 2007.  Visitem o site do autor: clica aqui



 




Taciana Oliveira – Editora das revistas Laudelinas e Mirada e do Selo Editorial Mirada. Cineasta e comunicóloga.  Na vitrolinha não cansa de ouvir os versos de Patti Smith: I'm dancing barefoot heading for a spin. Some strange music draws me in…