Poemas de Lucas Grosso

 por Lucas Grosso___





Trechos de poemas dos livros:


NADA


Moteto millennial


Era uma vez

rádios à pilha nós ouvindo esses e

aumentando o volume porque tocava Kiss na Kiss


Era uma vez

um príncipe de quinze anos praticando guitarra


Era uma vez

Liv Tyler e Alicia Silverstone

as nossas namoradas

(crying crazy, baby)


Era uma vez

um reino distante onde eram os bobos

que assistiam às justas dos reis

Hermes e Renato

Marco Antonio, o professor Gilmar

confabulando a vida eterna


foi no tempo das lutas

e o Brasil era para ser o país do futuro

(dessa vez seria verdade, mas foi uma mentira)

(mais uma)

e nós vencemos a vida

até descobrirmos as ambivalências dessa palavra


o que a vida separou o Orkut uniu e nós,

rebanhos de ovelhas desgarradas,

tínhamos enfim encontrado a salvação:

laços de amor e amizade que não aguentaram outra

atualização do Windows...


inocentes e ingênuos

nossos corpos imáculos

voavam na vassoura virgem

de Harry Potter

e o único aquele-que-não-deve-ser-nomeado que enfrentávamos

era o futuro


Nós esperávamos morrer

antes de envelhecer aos 27 anos

porque já tínhamos alcançado a vida eterna

nas abas do MSN

na internet discada

na TV a cabo

na Heineken em temperatura ambiente

comprada de madrugada

no mercado 24 horas

(não tivemos tantos 18 anos quanto tivemos nessa época)


era uma vez

foi uma vez

mas não será mais uma vez

porque a eternidade acabou

o Orkut acabou

o mundo acabou

e depois do fim teve a indecência de recomeçar


entre mortos e casados

envelheceram todos


hoje

a realidade é corrupta

a inocência é corrupta

e nós

nós sentimos culpa


agora

abaixe o volume que passa das 10

e amanhã eu tenho que trabalhar


HINÁRIO ATEU



a mesma roupa cor-de-sangue


você ainda não sente e nem vê

meu amigo

e eu também desisti de crer

e esperar

que a nova mudança vá

enfim

acontecer 


continuamos sendo jovens e perdidos

acreditando ainda

no que é antigo

não temos mais 

novas ilusões

e nem temos tempo

de rejuvenescer 


vivemos um tempo novo

e falido

o que antes era novo

ainda é velho

e antigo

aceite hoje

esse viver

meu amigo:


é hora de prescrever 



LA VERDURE



Divórcio


Depois

das palavras

do riso

da semente 

e da água

o vento

minha herança


será

?


Depois de 

outras palavras

e da magia

das plantas

secas


o vento


apenas o vento


restará


?


Depois do vento

depois dos cantos

e das frases enviadas

para o meu celular

depois de mais uma tarde

entre o riso

e sua face entediada

depois dos sentimentos

expressos pelos seus

dentes brancos

e das emoções fetichistas

silenciosas

depois das ervas

depois das relvas

e dos cardos

e dos gamos

depois das guerras

que venceram muralhas

e de todas

as eras

diluviais

e mudas


apenas o vento

apenas o vento


continuará?



VASOS DE PIMENTA E INFÂNCIA


Vasos de pimenta e infância


Os meus vasos de pimenta e infância

resistem ao pouco sol 

que brilha agora,

atrás de nuvens tempestuosas

e das horrendas edificações modernas

que ergueram à sua volta,

porque embora a luz

custe a chegar - 

uma hora ela sempre chega:


quando algum sopro da natureza

afasta as nuvens e esse resto de luz e

reflete em algumas poucas e sólidas

construções à minha volta.


os meus vasos de pimenta e infância

penam um pouco com as atuais condições,

mas seguem verdes

porque eu aproveito as brechas de luz

e nunca os deixo sem a jordana água da vida.



A  LOJA DE  LAMEM


a loja de lamem


i


a loja de lamem é 

um restaurante de fast food

com franquias perto de 

grandes avenidas

um salão iluminado

e fotos do japão e de arte japonesa

nas paredes

e lá

homens engravatados

sujam o rosto de macarrão de soja

sem se importar com sua imagem 

de executivo sério e poderoso

indo por água abaixo


na loja de lamem

mulheres bonitas e maquiadas

vestidas com as melhores marcas

borram o batom

no molho de soja

e riem diante do macarrão

que encosta nos seus narizes


na loja de lamem

existe qualquer coisa que

vende a ideia de

roupas sociais e manchas de molho

como algo louvável

e o macarrão

como símbolo de 

mais um dia vencido

mais uma meta atingida

e de que agora você precisa

sair do escritório

e comemorar

ou pelo menos

se recompor e se reconectar

consigo próprio

através de soja gordura e frango


ii


na loja de lamem

estamos nós dois

você e eu e

mesmo não sendo

executivos

estamos aqui

coroando mais um dia vencido

mais uma meta atingida

em nossas vidas

marcadas do único jeito que

para nós é possível

com soja gordura e frango

na loja de lamem


temos nossos risos as lágrimas

e os sonhos descritos com muito cuidado

pedaços de frango

e punhados de arroz

porque parece que eles

só cabem ali

e é justamente por isso que

continuamos vindo

e desejando

o futuro como uma tigela quente acolhedora e cheirosa

de macarrão com soja






Nascido em São Paulo, em 1990, Lucas Grosso (@lucasgrossooficial) se formou em Letras pela PUC-SP e tem Mestrado em Literatura pela mesma instituição. Concursado pela Prefeitura de São Paulo, já participou de revistas como Mallarmargens, Zunái, Subversa, 7faces e Toró. Atualmente, colabora para os portais Fazia Poesia e Revista Úrsula. É autor dos livros de poesia “Nada” (Patuá, 2019), “Hinário Ateu” (Urutau, 2020) e coautor de “Terra dos papagaios” (Penalux, 2021). Consolidando sua carreira literária, o poeta prepara a publicação de três novos livros (“La verdure ou A narrativa das palavras desgastadas”, “Vasos de Pimenta e Infância” e “A loja de lámen” ), em negociação com editoras.