Quatro poemas inéditos de Pedro Lopes Adão

 por Pedro Lopes Adão__



Foto: Marco de Luca




Os novos Apóstolos 


Surgirão dos escombros do que foi,

dos palácios tombados de Akshardham

e das areias finas escaldantes 

ao rumor do vento;


homens e mulheres, objetos,

animais, todos reinventados

por um plano maior cuja vertigem

encherá os seus séquitos de plumas,

pergaminho,

e novidades do oriente.


Os novos Apóstolos cumprir-se-ão em todas as terras,

esticando as suas mãos calejadas

nunca aos arrependidos, mas aos irremediáveis

aos que querem morrer reclusos 

nas sombras, caídos, tossindo

das suas entranhas o negrume, 

a essência.


Os novos Apóstolos serão aqueles

cujo dom é zelar na cama dos moribundos.




Eclipsados


Escondemo-nos no casebre de janelas taipadas,

em silêncio,

o sol perdendo-se na lua, nos seus braços frios,

enquanto o lume brando cedia à escuridão.


Os da casa agregavam-se e dos seus esconderijos

transportavam-se para as abobadas romanas

no esgar de que César era com eles.


Avisei-os, em vão, de que breve o sol incandescente 

voltaria para nos estalar em síncope.


De que me serviu?, se com o breu

as suas almas viva-mortas…






Quem



Quem ele encontra – quem são?

Por que motivos as suas roupas são ténues

e os passos inaudíveis?


Quem são – quem ele encontra?

Almas, espectros amargurados, que há muito 

deixaram a vida!...




____



…calem-se!...


e vem de longe este grito. Obedecemos.

Escutamos, por fim, o porquê – e ele,

que poderia ser transtornante, é somente

as partículas, os átomos, a quererem

engrandecer-se entre ruídos;


escuto – sem saber se os outros ouvem –

o crepitar de gotículas do céu e o marujar do

vento

respaldando nas suas correntes ecos:


alucino, creio, mas conheço este canto,

o mesmo que me salvou do abismo:

canto energizante

canto oblíquo às fadigas


eu era cego, contudo via

eu era mudo, contudo falava

eu era surdo, contudo escutava 


o canto da natureza, dos elementos

dos pássaros a chilrar e das

águas, cristal,

que me banharam quando sofria.


Por ele, nenhuma ferida ficou por curar.






*Ars longa, vita brevis, seleção de 04 poemas do livro inédito




Pedro Lopes Adão Nasceu no Porto, em 2001, exercendo o ofício da escrita ativamente desde os 15 anos. Frequenta a Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Principiou com poesia - a qual já lhe atribuiu prémios em concursos académicos. Dispersou-se, depois, para a Crítica Literária, como maneira de contrariar as neuroses poéticas. Neste campo revelou-se possuidor de uma argumentação sagaz. Autointitula-se como o novo '' filho maldito'' das letras portuguesas. Já colaborou com revistas nacionais e internacionais. Palavra em Queda foi o seu primeiro livro, editado pela Glaciar. Os Amorosos & Os Odiados, o seu segundo livro (ed. Lema d´Origem),  vem trazer um novo degrau à sua obra poética, que se vai adensando a cada passo. Até ao fim de 2023 promete trazer às livrarias mais uma obra poética e um livro de ensaios em que ocupa o cargo de organizador e coordenador.