As cores de abril, crônica de Carlos Monteiro

 por Carlos Monteiro__







Num longínquo 12 de outubro, do ano de 1931 da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, no século passado, perambulava pela Praça Mauá um marinheiro irlandês que acabara de aportar na Cidade Maravilhosa. Conhecido pelas atitudes “velhacas, devassas e degeneradas”, como descreve Ruy Castro em Carnaval no fogo, o velho lobo do mar tinha no capelão do navio um catequizador para sua regeneração, tanto para as más atitudes, quanto para o alcoolismo que cada vez mais o assolava. Mesmo com todo empenho, o religioso não lograva sucesso. Quanto mais o ‘evangelizava’, mais o navegante, dos sete mares bravios, se encapelava em tempestades sombrias e se afogava nos roda moinhos provocados pela ressaca do álcool. Talvez, definitivamente, um caso sem tábua ou boia de salvação.

O marujo, cambaleante, atravessou a praça, que à época não tinha a grandiosidade de hoje, em busca de mais um boteco, um pé-sujo ou algo que o valesse para saciar sua enorme sede embriaguez. Noite escura, sombria, em passos trôpegos lançou seu olhar para os céus desalumiados. 

Como na Gênesis: “Disse Deus: haja luz. E houve luz”! Não assim tão diretamente pelo Criador, mas por meio de um impulso elétrico vindo de Roma, disparado pela ciência na forma de um de seus mais proeminentes representantes; Guglielmo Marconi – físico, cientista inventor do telégrafo e do rádio. 

O pulso cruzou mares e oceanos, percorreu mais de 10 mil quilômetros, chegou ao alto do Corcovado, naquele momento, encimado pelo monumento do Cristo Redentor que era inaugurado.

Foi um instante mágico para o nauta. De um céu, absolutamente umbrífero, ‘brotava’ uma luz divina, branca, brilhante e, em meio a ela, surgia a imagem de um homem de braços destendidos que se irradiou em luminescência. Era o Cristo Redentor e seus braços abertos sobre a Guanabara que acabara de ser luzido.

Para o marujo, era a primeira viagem diante daquilo, que para ele, sem sombra de qualquer dúvida, vivenciava um milagre. Acostumado ao ‘canto da sereia’, aos celacantos, umibozus, leviatãs, krakens e tantas outras criaturas que se deparava durante as viagens, aquela cena se mostrava absolutamente diferente, absolutamente divina, um sinal mavioso.

Deu meia volta retornando à nau e diante do capelão e aos pés da Santa Cruz jurou nunca mais pecar. Foi o primeiro convertido pelo Cristo, que na data já ‘dizia’ a que veio.

Nestes quase 92 anos muitos foram convertidos, mutas luzes se fizeram, muito se modernizou e coloriu o monumento divino, muito se fez em prol do semelhante em forma de campanhas.

O Cristo está lá, encimando a Cidade, abençoando a todos que nela chegam, abençoando seu povo, iluminando com as cores de abril os céus cariocas com ares de anil, abrindo o mundo em flor.

Ele não tem pressa, Ele tem luz!


Fotografias de Carlos Monteiro 







Carlos Monteiro é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.