7 de junho, crônica de Yvonne Miller

 por Yvonne Miller__






Foto: Hamid Roshaan


Meu aniversário tem sido uma data meio traumática desde a primeira vez que tentei comemorá-lo em Fortaleza. Isso foi em 2018. Já morava na cidade havia um ano e pouco e conhecia um punhado de gente que eu considerava, se não amigos íntimos, no mínimo conhecidos próximos. Resumindo e adiantando os fatos relevantes: não apareceram. Ninguém. Minto. Apareceu a Vittória, amiga da minha enteada, que havíamos convidado para fazer companhia à Morena no meio do povo adulto. Mas o povo adulto não veio e a mesa reservada num restaurante ficou vazia com exceção da Larissa, Morena, Vittória e eu. Nesse dia aprendi o significado do verbo “furar”. Senti uns furos também se abrindo dentro de mim. 

Depois de três anos fora, ontem voltaria a comemorar meu aniversário em Fortaleza. Cuidei de não falar do meu dia para muitas pessoas, pois quem não sabe não pode esquecer. Disse também, no convite para o que ia ser “uma reuniãozinha” – não uma festa, pois melhor manter as expectativas no chão –, que ninguém se preocupasse em me dar um presente, pois o presente ia ser a presença. Ganhei presentes mesmo assim. Curiosamente, os primeiros vieram de pessoas que não sabiam do meu aniversário. Logo de manhã foi o amigo-cronista Anthony Almeida, que me presenteou com um áudio: “Ei, sonhei contigo. Você tava publicando um livro novo – as ‘Crônicas do deserto’ – num país lá das Arábias. Aí eu ia no lançamento, só que estava perdido no meio das dunas sem achar a livraria. Era um lugar parecido com Jericoacoara, só que com uma pegada árabe.” Foi assim que comecei o dia com altas gargalhadas. Depois veio a vizinha do lado. Larissa e eu estávamos tomando café com a porta aberta quando ela chegou subindo as escadas e o olhar caiu na nossa sala: “Vocês ainda não têm plantas, né? Peraí.” Entrou no apartamento dela e voltou com três mudinhas: um cacto (adoro!), uma jiboia (linda!) e uma espada de São Jorge (importante!). Depois foi o Anthony de novo, publicando uma crônica-presente intitulada “Sobre uma não-dedicatória”, em que, entre referências a Rubem Braga e Luís Henrique Pellanda, apareço como personagem. Tudo isso antes dele saber que era meu aniversário. Quando soube, ele se espantou tanto com a coincidência quanto eu. 

Ganhei também mensagens fofas vindas de vários países, de parentes, amigos e conhecidos, próximos e distantes, de longa data ou recentes. E à noite, na reuniãozinha, ganhei a presença de todos – quem não podia vir já tinha avisado – e mais alguns presentinhos de coração. Íamos terminar por volta de dez horas – no fim das contas, era uma quarta-feira –, mas fomos até a uma da madrugada. Talvez até possa ser chamado de festinha. Pessoas queridas, comidinhas e bebidas gostosas, conversa, riso, música, aquele parabéns com a chuva que cai, e nada de furos. 2023 é ano de recomeços. 


                                                                                       Fortaleza, 8 de junho de 2023




Yvonne Miller (*1985) é natural de Berlim, mas prefere o calor do Nordeste brasileiro, onde mora desde 2017 com sua esposa, enteada, gato e cachorro. Alemã de nascença, brasileira de alma, apaixonada pela crônica, linguista, admiradora de cactos, geminiana e muitas coisas mais. Também colunista da revista Mirada, com crônicas e contos publicados em várias antologias, e uma das organizadoras e coautoras da coletânea de contos “Quando a maré encher” (Mirada, 2021). “Deus Criou Primeiro um Tatu – Crônicas da Mata” (Aboio, 2023) é o melhor que ela já escreveu.