Fragmentos de um diálogo amoroso | Luiz Henrique Gurgel

 por Luiz Henrique Gurgel__





Jr Korpa




ELA

Será que temo minha espontaneidade? Que fantasmas, meus e dos outros, perturbam? O que atrai? O que repulsa? O que trago comigo que não quero levar ou mostrar? O que me lança prazerosa e temidamente em abismo ou ao abismo? O que meus olhos clamam? Ou não clamam, enganam? Sou trêmula, blândula... O amor tem tantas direções e entendimentos; também tem caminhos incertos e perdidos. O sol divisa meu rosto, como se eu pudesse transmitir um duplo olhar em que me vê e não me vê. Mas os homens anseiam o indiviso, o único. Que coisa estranha... Verdade, meu olhar colhe bocas, olhos, dedos, mesmo à distância. Ele também anseia, não me pergunte pelo quê. Tenho todas as dúvidas do mundo e mais ardências que nenhum alguém possa imaginar. Talvez não assim. Claro, sou ser desejante, também sou ser que quer ser desejada, todo ser que respira, beija, morde, come, se arrepia e se entumece quer. 


ELE

Não temo a mulher que me alumbra, mas o que motivam minhas palavras é a mulher poesia, a mulher enigma, de alma dúbia (será?), ou aparentemente segura e que movimenta seu palavreado de gestos com sutileza felina, meios-sorrisos: talvez sim, quem sabe se não? Sei que fazem um leitor se perder nas veredas e bifurcações ansiadas e contínuas em que se esparramam seus sinais. Será que ela se enjoa fácil com o açúcar do desejo? Será que ela se cansa da facilidade das palavras adocicadas e prefere o chocolate meio-amargo com café sem açúcar, muito mais marcante, e que não se deixa enganar por falsas e melosas promessas? Será que prefere livres despudores que também podem arrebatar?

Não sei. Mas não creio que se deixe levar pelo doce sabor do engano. E isso não significa que, por vezes, não aproveite uma bala comum de morango. Todos nós precisamos de açúcar, de vez em quando.


ELA

Sim, há aquela coisa mesmo dos flashes incandescentes e de um pulsar em descompasso do corpo e alma. Minha imaginação permite ”passadas de mão dentro da roupa, uma usada de língua em boa hora”. Sou e não sou contida... Não, não sou contida. Eu acho... Preciso de papo, olho no olho, frio no estômago, secura na boca, arrepio de pele e ausência de constrangimento na hora em que a carne fica triste. Então, se era isso o que queria saber... Eu digo. Estava sufocando em agonia, à flor da pele. Mas não se preocupe, saberei recorrer aos seus braços sempre que precisar me situar (embora ache mais provável me perder). Lembrei agora que comentou da suspeita de que poderíamos nos eletrocutar, um ao outro, no primeiro encontro. Adoro textos interrompidos. Se o caldeirão de fragmentos incomoda minha libido? Não tira onda, rapaz... 


ELE

Engraçado. Veio de um jeito lindo e suave, como alguém que me beijasse sorrindo. Leve, despudorado e ao mesmo tempo ético: "com sua licença, vou falar do meu tesão físico e espiritual por você". Mas o vinho do desejo passou por mim naquele dia. E agora? Depois disso como vou poder contemplar, às escondidas e impunemente, suas pernas estendidas na rede? Ou seu banho de cachoeira? Como é bom provocar o outro desse jeito doce e terno. Já disse que gosto de presentear imaginando que o outro possa sentir os mesmos prazeres que tive com aquilo que ofereço? Como aquela moça linda já dizia, que enjoo me dá esse açúcar, cada vez que lembro do seu texto, do seu queixo, do seu pelo, da sua coxa.... 

É linda porque toda me sorri. E não me afasta dos seus fantasmas, não. Deixa-os rondar. De uma forma que não entendo bem, me assombram e me fascinam ao mesmo tempo. Você os solta, depois os recolhe, controla como se soubesse da exata medida do morder e do assoprar. Não que tenha me dado a conhecê-los em detalhes, com origem, nome e sobrenome. Mas deixou, mesmo, apenas passarem por mim, como espectros mal definidos e insinuantes. Eu gosto disso, viver é perigoso.

Talvez eu quisesse ser mulher para sentir o que sentem em contato com outro corpo. E gosto tanto da boca das mulheres que acho que todas deviam conhecer e experimentar um beijo feminino. Continuo a pensar em pelos, músculos, pele, é tudo de bom acarinhar corpo nu, perceber e sentir as saliências, as reentrâncias, a suavidade, a textura, sem falar no cheiro, no perfume natural de cada um. 

Como pensar nisso esfola a gente!


ELA 

Tenta preencher docemente todos os espaços da impossibilidade do contato físico. Meu corpo deseja o seu desconhecido corpo, mas também suas poesias, gentilezas, sutilezas e afagos que chegam plenos. Gosto – como os gatos – de estar abraçada, calada, dividindo calor e batidas de coração. O desejo escorre pela boca.

E  a d o r o  T.P.M. Tantos conflitos fulmegantes... Sensibilidade, irritabilidade: um jardim inteiro! Tanta flor da pele. Riso, mágoa, pranto: tudo junto e misturado! A gente se sente viva, sabe? Não tem monotonia, não. Não dá tempo. É como sopa de bruxa: das borbulhas pode sair qualquer coisa. Acredite!

ELE

Há tanta piada sobre TPM por aí, que só quando se vê isso tratado de um jeito poético, é que se pensa nesse estado de levitação nervosa e impaciente, feminino.Mas deixa eu aparar você e beijar seu rosto bem devagar pra sentir a pele e saber o que é macio e o que vai fazer bem aos meus lábios. Sério, isso é sério. A boca é meu órgão fundamental.

E ousaria acrescentar naquele passeio ao luar: não havia luar, só escuridão e o lusco-fusco de fracas luzes distantes, sombreadas por árvores do caminho. Mas havia o doce odor de cachaça com chocolate Diamante Negro. O mesmo gosto que eu encontrava em sua boca. Também havia o sorriso, delicioso, em meio a palavra contando histórias. E brincávamos tanto de fantasmas que eles fugiam de nós. E o mundo, de fato, estava longe, sem nos perturbar. Que migalha de tempo maravilhosa. Tão única e exclusivamente nossa (ou minha, nessa imaginada fotografia). Mas se acaso me quiseres, sou desses homens que só dizem sim.

...


ELE

Onde está? Por que não responde mais?





Luiz Henrique Gurgel 
é jornalista, professor e pesquisador. Mestre em Literatura Brasileira pela USP, é autor do livro de contos "amores malfadados" (Ed. Primata, 2020).