Trecho do livro Por um momento, um dia, uma vida ou sei lá o quê

 por Hugo Bessa__






         Quando o aviso do feedback piscou de novo na tela no computador, levantou-se quase de forma automática, como se um alarme despertasse dentro de si. Era melhor ir logo. Bastava se sentar na sala de reunião, olhar para seu chefe e concordar com a fala dele por meio de pequenos movimentos com a cabeça. Nada entusiasticamente afirmativo, para que ele não pensasse que tinha total razão, nem demasiadamente apático, para não passar indiferença. Não era preciso escutar a fala na íntegra e tampouco compreendê-la, bastaria ouvir uma ou outra afirmação, para movimentar a cabeça no instante certo.

Enquanto caminhava na direção da sala de reunião de número 12, perguntou-se de quem havia sido a bendita ideia de trazer a prática do feedback para o Brasil. A pessoa nem se deu ao trabalho de traduzir a palavra, talvez porque não houvesse mesmo tradução para uma conversa fiada, na qual uma pessoa fica dando conselhos para outra, que, no geral, não tem o mínimo interesse em colocá-los em prática.

Ao abrir a porta da sala 12, encontrou-a vazia e sentiu todos os seus músculos relaxarem. Teria alguns minutos para espantar o fumaceiro que ainda mantinha dentro de si. Não que estivesse nervoso pelo que ouviria, porque sabia de cor. Estava nervoso de raiva. Raiva, não. Raiva era pouco. Estava puto. Gostava daquela palavra. Puto. Passa a impressão de um raivoso desafiador. Putão. Putaço. Estava putaço, não com o feedback em si, mas com o que ele representava: mais um ciclo ali. E a culpa era dele mesmo. 27 anos de empresa. 15 anos de feedback. Nem um minuto de felicidade. Pelo menos, não nos últimos 15 anos.

Na época em que se formou em advocacia, imaginava-se defendendo grandes causas, vencendo as injustiças, porém logo aprendeu que a grande causa da sua vida era sobreviver e ter conforto. Aceitou o primeiro emprego no qual o aceitaram e de lá não saiu. Suas grandes causas foram um corrimão solto que motivou a queda de um idoso e a delação premiada de um dos executivos da companhia.

Escutou passos no corredor. Passos lentos e cansados, quase se arrastando. Era ele. Ajeitou-se na cadeira, de forma a parecer indiferente. Descruzou os braços e os deixou esticados na mesa. Não, artificial demais. Deixou-os semidobrados e entrelaçou os dedos das mãos. Em poucos segundos, a tortura começaria, seu chefe entraria com sua respiração ofegante, parecendo um grande búfalo recém-ferido, e com o suor excessivo debaixo dos braços manchando a camisa, sua marca registrada.




Hugo Bessa (@hugobessaescritor)  nasceu em Volta Redonda (RJ), mas foi em Cruzeiro (SP), onde cresceu e vive hoje, que descobriu sua paixão pelas histórias. É jornalista, especialista em Língua Portuguesa, e atua na produção de conteúdo para comunicação empresarial. Como escritor, já publicou os livros “Em Um Lugar Melhor” e “Todas as Cores da Vida” e recentemente lançou  “Por um momento, um dia, uma vida ou sei lá o quê…” pela editora Penalux.