Três poemas do livro Inventário de tão pouco, de Theo G. Alves

por Theo G. Alves __



                                                          
                            

inventário de salvações


todas 

as vezes em que me perco


todas

as vezes em que os dias me penduram

pelo pescoço

em coloridos galhos de

cerejeiras


todas 

as vezes em que a vida é grande demais

para ser percorrida

por

pés descalços


todas

as vezes em que os relógios já cruzaram

os

braços

as aves diurnas

assinaram o livro de ponto


todas

as vezes em que a insônia branqueia

as

noites

de pouca esperança 


todas

as vezes


todas 

as vezes


em que só nos resta

amor.






a chuva


antes de ser água

a chuva

é barulho


antes 

de pregar

as camadas de pó

ao asfalto


antes 

de correrem

as moças

com seus guarda-chuvas


antes

de lavar

os meses de estrada

dos carros


antes

de levar

para as ruas

as crianças


antes

de verdejar

o feijão

sobre a terra


antes de ser água

a chuva

é barulho


tamborilando

sobre os telhados

evaporando

sobre o pó dos dias


barulho


como se todo o mundo

fosse um ventre

em que chovesse

por dentro


porque 


antes de ser água

a chuva

é barulho


barulho

perfume.







sob o pó


sobre os dias

uma camada de poeira

tão densa

que mal se pode ver o

presente


sob o pó

todos os móveis parecem 

fantasmas

cansados demais

para irem embora







Theo G. Alves nasceu em 1980, em Natal, capital do Rio Grande do Norte, mas cresceu em Currais Novos e hoje mora em Santa Cruz, ambas cidades do interior do estado. Além de escritor, é servidor público e professor de língua portuguesa e literatura brasileira. Coleciona algumas premiações em concursos literários de prosa e também de poesia, entre as quais se destaca a conquista do Prêmio Nacional de Contos Ignácio de Loyola Brandão 2017, com o conto “Por que não enterramos o cão?”. Publicou os livros “Pequeno manual prático de coisas inúteis” (poesia, 2009), “A Máquina de acessar os dias (poesia, 2015), “Doce azedo amaro (poesia, 2018), “Por que não enterramos o cão? (contos, 2021), “A cartomante que adivinha o presente” (crônicas, 2021), “Caderno de anotações breves e memórias tardias” (poesia, 2021) e “Barreiro das Almas” (romance, 2022).