por Martina Sohn Fischer__
Escrito sobre o túmulo – o epitáfio
A carne que habitei, aqui jaz
A vida
um caminho sem retorno
e o tempo, que sabe sempre mais
acolhida pela terra, uma semente gigante
transbordando em uma morte simples
à morte final, pois em tantas outras
renasci
algo escapa da carne
a consciência
o não saber
o prazer de completar em si, a missão
a odisseia
quis assim, uma morte pequena
e me vejo pequena na grande terra
que me cobre
última
olho pros lados, agradecendo
a melhor morte é essa
de agora em diante sou
nada
minha pele ainda feita em meus cabelos
há ainda, algo do vento
do mar
e das árvores
da minha boca ainda, algumas palavras
não ditas ou ditas em demasia
nos olhos o amor não declarado
e o amor sempre tão vivido
por esse tempo aqui
e em meu coração silenciado
ceifado
todos que me habitaram
que não morrem
nunca
no meu coração aniquilado
o sopro
o toque
da legião e da solidão
que cada um me fez
na carne da pele, na extensão do órgão
os dedos percorridos, as mãos entrelaçadas
do aperto último
interrompido
porque a morte irrompe
agora temos em nossos olhos
o compromisso
de viver e viver
mais
do que podemos suportar
porque morrer é o que nos cabe
é o que se sabe de tudo sobre todos
é hoje e é amanhã
cabe a vida, o mistério
e na morte
a certeza
Um dia estive
andando e
da terra algo me disse que
hoje
você morre
pra existir
Foi a flor
que da árvore se despediu
para ser algo fora
acolhida pela terra
que a comeu
e entre a queda e a terra
a vida.
Minha memória da sua
não enterramos
o corpo a céu aberto
tivemos medo e
abandonamos
um triste fim do que
já era abandono
a gente se despede como cabe
no coração
nas mãos
sonho que olho pra tua cara
lavada
e egoísta
digo que não pude mais ficar
dentro do teu coração
arranco minhas coisas de você
o corpo que jaz é tão morte quanto a vida guarda
um amanhã já não mais possível
sempre tive medo
de ficar
mas a coragem foi a morte
de algo que não servia mais
como a roupa da infância
que pende no varal
as traças roendo
o sol desbotando
elas desaparecem
tempo insistente
que as come
porque elas pendem
sem desejo
meu coração tem outro lugar agora
tenho medo, de novo
mas dessa vez
a coragem cria um amanhã
e mais um
e outro ainda
e uma vida
talvez
repleta de manhãs e bilhetes
e dois olhos-pássaro
que vivem com amor
e eu posso amar
por hoje
amanhã ainda?
Martina Sohn Fischer (@nomedemar) é escritora, dramaturga e poeta. Formada em psicologia, com formação contínua em psicanálise. Teve três peças encenadas: Aqui, por Club Noir (SP); Casa de Inverno, Artrupe (AM) e Coração de Baleia, Ateliê 23 (AM). A peça Aqui, publicada pela editora 7Letras, obteve uma crítica na Folha de S. Paulo por Luiz Fernando Ramos. Escreveu contos para o site Caos Descrito, revista Jandique e