A gravidade e um redemoinho, um conto de Adriano Espíndola Santos

 por Adriano Espíndola Santos__




Jr Korpa


A felicidade é efêmera. Algum ou alguma poeta falou sobre isso. É tautologia repetir, eu sei. Chovo no molhado para me lembrar de que a minha digna amiga Marta não tinha razão. Viver é quase como morrer, um átimo e pronto. E ela levou essa obsessão até o túmulo. Morreu por overdose de cocaína e engasgo. Quando Luíza, a melhor amiga, entrou no seu quarto, viu o corpo deitado na cama, com os braços esticados, e a boca entreaberta, babando. O laudo médico foi um choque para a família puritana – sei como ela odiava aquele moralismo barato, por isso foi morar em outro Estado. Logicamente, sabia que ela usava aditivos, tais quais o álcool e a maconha, reforçados como componentes recreativos. Mas não imaginava que chegaria a tanto… Ela vivia me perguntando por que eu deixava para ser feliz amanhã: “Larga de ser louco, Gabriel! Para de esperar por um amanhã que nunca chega!”. Ela gritava aos berros, querendo me acordar para a “realidade”. Até entendo essa ânsia por viver. Há pessoas que gostam da vida, seja ela como for. Sou realista – não pessimista – e luto para sobreviver. A vida, para mim, é um grande jogo de videogame, uma superação de fases; no meio ou no fim, certamente, serei apanhado pela morte. A agonia de Marta era para gozar todos os milésimos de segundos. Disso eu tenho orgulho: tirei a ideia maluca da cabecinha dela de participar de rituais para o uso da ayahuasca. Primeiro, ela não tinha religião nenhuma; segundo, queria somente curtir os efeitos da “bebida dos deuses”. Ela queria eternamente viver num barato… Sendo precavido, li na internet – em sites confiáveis – que não é recomendado o uso por pessoas propensas a problemas mentais. A mãe dela foi diagnosticada com transtorno bipolar. Ela possivelmente tinha transtorno bipolar – mas Deus me livre de ter tocado nesse assunto com Marta, sobre a sua condição; era capaz de ela me matar. “Você não é meu pai e nem meu médico, Gabriel! Sávio é médico e vive usando umas coisinhas… Não acontece nada”. Ela se justificava usando como exemplo o ex-marido da prima, médico, um porra-louca que deve estar em vias de ser afastado da medicina. Minha pequena fadinha se foi, no último domingo. Ela me disse que não queria mais modelar, que não tinha idade para isso; que faria uma faculdade para “trabalhar bem-comportada, de terninho”. Sua mente caótica a inundou de esperança. Na solidão de uma felicidade instagramável, resolveu meter os pés pelas mãos, para curtir um pouco mais de “felicidade”. Sempre um pouco mais… Ela foi. Eu fiquei. A gravidade e um redemoinho me puxam para baixo.







Adriano Espíndola Santos
 é natural de Fortaleza, Ceará. Em 2018 lançou seu primeiro livro, o romance “Flor no caos”, pela Desconcertos Editora; em 2020 os livros de contos, “Contículos de dores refratárias” e “o ano em que tudo começou”, e em 2021 o romance “Em mim, a clausura e o motim”, estes pela Editora Penalux. Colabora mensalmente com as Revistas Mirada, Samizdat e Vício Velho. Tem textos publicados em revistas literárias nacionais e internacionais. É advogado civilista-humanista, desejoso de conseguir evoluir – sempre. Mestre em Direito. Especialista em Escrita Literária e em Revisão de Textos. Membro do Coletivo de Escritoras e Escritores Delirantes. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto. instagram:@adrianoespindolasantos | Facebok:adriano.espindola.3 email: adrianoespindolasantos@gmail.com