A conquista do pobre é uma conquista coletiva | Carlos Douglas da Silva Souza

por Carlos Douglas da Silva Souza__

 

 



Faculdade Zumbi dos Palmares | Divulgação
                                                                               
Pensar em conquistas para quem é pobre é pensar em uma ascensão econômica(um crescimento econômico) ou compras de bens que nunca tivemos acesso. Para nós, pessoas pobres, qualquer mínimo acesso a algo ou lugares que nunca tivemos já é motivo de comemoração. Essa comemoração parte de um lugar interno ligado diretamente às nossas emoções, pois a pobreza sempre está associada à tristeza. Por exemplo: não ter uma renda razoável para sobreviver entristece; não poder comer o que quer entristece; não poder comprar algo para sua família entristece. Tudo ligado a um consumo que vemos, mas que dificilmente teremos.

 

Quando uma pessoa pobre sai desse lugar que historicamente foi reservado para ela e toda sua família, a conquista é coletiva. A coletividade é aprendida(necessária ou repassada) para a sobrevivência, pode ser a partilha de um biscoito para três pessoas, um ovo partido no meio para duas ou uma casa pequena que moram avós, pais e netos. Essa coletividade nos ajuda a para escapar da tragédia da desigualdade social.

 

Quando uma pessoa pobre concluí um curso de graduação, passa em um concurso, faz sucesso como artista, compra uma casa, um transporte, é promovida no trabalho ou qualquer coisa que seja, ela sempre vai querer partilhar(dividir) essa conquista porque nunca teve e sabe conscientemente ou inconscientemente (automaticamente) que os seus dificilmente terão. Sabemos que para uma pobre chegar até aquela conquista, outras pessoas tiveram que passar por muitos percalços(muitas dificuldades) para ajudar em sua sobrevivência, a memória afetiva de uma pessoa pobre está associada às lembranças da vida junto aos seus e as suas, a uma vida de ter ou não ter.(as lembranças da vida de uma pessoa pobre está sempre construída junto aos seus e as suas, a uma vida de ter ou não ter)

 

Seja um capelo (chapéu) de formatura que sonhamos em pôr na cabeça de nossa mãe preta, seja um presente mais caro que queremos dar a um amigo/a com o dinheiro do nosso primeiro salário de concurso, ou o desejo de levar toda nossa família para passear no nosso novo carro, seja levar nossos amigos/as para nossa nova casa porque agora você tem um espaço de lazer, ou convidar a pessoa que você ama para um jantar e poder pagar a conta sem se preocupar, entre outros exemplos. Lembrar das suas pessoas logo nas primeiras conquistas é um desejo de reparação, qual a primeira coisa que você faria assim que estivesse ganhando mais dinheiro?

 

A favela não venceu e tá longe de vencer, o capitalismo machuca nossos corações e mentes quando nos diz quem somos pelo fato econômico do consumo, da exploração e de um modo de vida miserável que jamais queríamos passar ou ver alguém nosso passando, mas quando um de nós ascende a conquista é coletiva porque não é fácil ou comum um dos nossos sair dessas condições. (um de nós consegue minimamente algo que não é esperado, se torna uma conquista coletiva…)

 

Com tudo, não podemos romantizar o consumo, mas também é importante compreender que esse consumo derivado da revolução industrial e que desembocou (foi gerado) nesse capitalismo moderno, não chegando nas camadas pobres. Sendo a população pobre do Brasil, mais da metade feita por pessoas negras - vive o capitalismo na sua fase produtiva - sendo base do sistema, quem vive o consumo pleno é a classe média e a elite, os pobres consomem os derivados que sobram (as sobras) da grande produção, e esses derivados(essas sobras) servem apenas para sobrevivência.

 

Esse sistema foi feito para pessoas de uma cor específica, de uma origem específica e de uma árvore genealógica específica, pessoas essas que se incomodam quando veem um/a dos/as nossos/as em um lugar que eles andam, comprando o que eles compram. Se incomodam porque vivem a individualidade, pois sempre tiveram o que nunca tivemos sem se preocupar com o amanhã!

 

Por fim, se chegamos até aqui depois de séculos, é porque somos seres coletivos, precisamos usar a nossa coletividade para além da sobrevivência, para o “contra-ataque”, buscando retomar o que tiraram de nós, para que nenhuma pessoa mais precise passar por um grande sufoco para ter o mínimo. É como canta os Racionais “Agora tá de olho no dinheiro que eu ganho? Agora tá de olho no carro que eu dirijo? Demorou, eu quero é mais, eu quero até sua alma…”, nós queremos mais, buscaremos mais e estaremos juntos e juntas em celebração coletiva.



 



Carlos Douglas da Silva 
Souza
 é músico e cantor, graduando em história pela universidade estadual do Ceará, militante negro e alguém que se coloca a construir política negra no estado do Ceará.