Considerações em torno da poesia, crônica de João Gomes da Silva


por João Gomes da Silva__





Foto de Ksenia Makagonova na Unsplash


Poetas contemporâneos não aguardam mais a visita inesperada da musa inspiradora, nem esperam que um raio divino ilumine seu caminho. Ao contrário, eles arregaçam as mangas e se embrenham nos meandros da linguagem, explorando-a como um artesão lapida uma pedra bruta. A poesia é uma construção consciente de um universo poético que se desenha com cada palavra escolhida a dedo com a precisão de um cirurgião, e cada verso é lapidado até atingir a harmonia desejada. A poesia deixa de ser  expressão espontânea e passa a ser uma edificação consciente, uma arquitetura literária que desafia e provoca.

O poema é como uma garrafa de náufrago jogada ao mar, uma mensagem escrita com palavras empurradas para longe da praia, lançadas ao desconhecido com a esperança de que alguém, em algum lugar, possa encontrá-las e decifrá-las. É um gesto de urgência, um grito silencioso além do horizonte em busca de um coração sensível que saiba ouvir.


Pois veja só: ao escrever um poema, o poeta não está apenas depositando palavras sobre papel. Ele está semeando pedaços de sua alma, retalhos de suas emoções, fragmentos de suas reflexões. O poema é um lampejo de sua essência, uma faísca que ele espera que encontre terreno fértil em outro coração humano. É uma comunicação atemporal, uma conversa íntima que ultrapassa barreiras e transcende o efêmero


Aquele que encontra o poema, que o lê e o compreende, não é apenas um leitor, mas um salvador de si. Pois nas palavras alinhadas em padrões rítmicos, nas metáforas que dançam como reflexos na água, na melodia que se desenrola como uma canção entoada pelo vento, encontra-se a chave para a própria compreensão. O poema é um espelho onde cada leitor pode se enxergar, onde cada experiência individual se funde com o texto, criando uma dança única de significados.


E assim, o poema se torna mais do que tinta sobre papel. Ele é um fio que conecta mentes e almas, que transcende o tempo e o espaço, que une os que escrevem aos que leem. Ele é a manifestação da busca humana por sentido, a tentativa de capturar o efêmero e transformá-lo em algo que possa ser compartilhado, que possa ser eternizado em uma mensagem lançada ao mar da existência.


Cada poema, como uma garrafa de náufrago, é um ato de coragem e vulnerabilidade. É o reconhecimento de que, mesmo diante da vastidão do oceano das palavras, há sempre a possibilidade de encontrar uma ilha de significado. E, assim, aquele que encontra o poema não apenas se salva, mas também ajuda a resgatar o poeta, oferecendo um abraço silencioso que transcende as distâncias e os limites. Como dica de leitura, sugiro "Garrafas ao mar", livro da poeta mineira Adriane Garcia.




J
oão Gomes da Silva
 nasceu no Recife/PE em 1996. Autodidata, é escritor, poeta e social media. Publicou em algumas antologias, como Granja, Sub-21, Capibaribe vivoTente entender o que tento dizer, No entanto: dissonâncias e etc. Edita a revista de literatura e ideias Vida Secreta.