O Imortal, crônica de Valdocir Trevisan


 por Valdocir Trevisan__



                       
"Procura-se Ben Richards...", assim iniciava a série O Imortal. Era a década de 1970, anos em que nos enfiavam goela abaixo os chamados "enlatados americanos, séries produzidas nos EUA. Kojak, Baretta, Ratos do Deserto, A Feiticeira, Perdidos no Espaço, Bonanza e mais dezenas de opções. Quando criança, adorava acompanhar o surgimento da TV colorida no Brasil. Uma das séries que eu assistia tratava da imortalidade de Ben Richards.


Richards era um piloto de corrida que ao sofrer um acidente descobre que tem o sangue raro, muito raro...raríssimo... Ele era "imortal" e pelo jeito viveria pela eternidade, aqui mesmo no planeta Terra. 


No entanto, surgiram dois problemas, e que problemas, consideravelmente mais desafiadores do que aqueles enfrentados nas aulas de matemática da oitava série (se é que ainda existe?). Pois vamos lá, o primeiro drama é a perseguição de um milionário que também almeja ser imortal e faz de tudo para sequestrar Ben Richards. Sangue nobre, mas com vivência azeda, nosso personagem sempre foge e troca de emprego e cidade.


O que era para ser doce fica salgado para nosso herói e mais difícil quando o segundo problema aparece. Aliás, um problemão! Digno de teses existenciais.  


Ah, você também queria ser imortal? Imagine assistir a todos, eu disse, todos seus familiares e amigos morrerem. Imagine todos os seus amores e paixões serem enterrados um por um...


Ora, você terá que se isolar com seus 200 anos. Que maravilha! Que doideira!


Que horror!


Entenderam? O complicado é que não há escolha, você é imortal. Testemunhará tantos eventos neste mundo, como os novos candidatos à presidência do Brasil criados pelas mídias malditas, tais como "O ídolo do Povo", "O Super Evangélico", "Mito II". Bom, com tanta bizarrice quem sabe o sangue de Richards não resista...


Mas, realmente, chegar aos 100 anos é uma marca significativa, não é, meu amigo? 


Vivo, mesmo que por vezes nos deparemos com seres apáticos perambulando pelas ruas, em meio às multidões, com semblantes de sonâmbulos e sem qualquer entusiasmo. É, prefiro meu sangue, resistindo ao álcool exagerado… bom, um pouco, né? O sangue ainda exigindo meu centenário.


Sempre cito a frase "O tempo é uma trapaça", mas Sêneca diz nunca perdemos tempo e mesmo nas horas banais "o tempo que lhe sobra não pertence a você".


Boa.


É, entre vindas e idas chego a conclusão que temos um limite por essas bandas e concordo com Sêneca (que pretensão), pois não há nada que não chegue a velhice.


É, o mundo de Deus é mesmo perfeito e um dia...temos que morrer...




Valdocir Trevisan é gaúcho, gremista e jornalista. Autor do livro de crônicas Violências Culturais (Editora Memorabilia, 2022) Para acessar seu blog: clica aqui