por Yvonne Miller__
Tudo começou com um banner azul na fachada de uma casa. Banner azul, mais o nome do candidato, mais o rosto, mais um número. Em pouco tempo, a onda azul alastrou-se pela rua inteira e, depois, pelo resto da vila. É banner nos portões, é bandeira em canoas e carroças, e, como não tem carros na ilha, é adesivo em tronco de coqueiro.
O candidato azul é o atual detentor do cargo para o qual quer se reeleger. O candidato azul é, também, nativo daqui e isso talvez explique a empolgação e a disposição do povo em colocar bandeiras, banners e adesivos com a cara dele em tudo quanto é lugar. No dia do comício, metade da vila passou em frente ao nosso portão, a caminho da praça. Camisas e vestidos azuis, cabelos penteados, rostos maquiados, a criançada arrumada e faceira — como famílias indo para a igreja na noite de Natal, sabendo que depois vem a ceia e o Papai Noel. Só que não iam à igreja, nem era Natal. Foi uma noite de fogos na praça, de som alto e falatório. O pessoal voltou contente, gostam de um barulho. Vinham armados com ainda mais bandeirinhas azuis.
Até demorou, mas de uma semana pra cá, vê-se também um tímido laranja se espalhando por aí. Sem um rosto nas bandeiras puídas — quem sabe o dinheiro não deu pra tanto —, mas com nome e número. Quem é aquele pessoal laranja?, pergunta-se nas calçadas e quintais. Nunca ouvi esse nome, daqui não é. Não sei, mas acho que a filha do Zé tá com eles. Ah, se a filha do Zé apoia, deve prestar, ela não é protetora ambiental? É.
Era a tarde de uma quinta-feira em plena campanha eleitoral, quando a luz em casa começou a bruxulear. Apagou, voltou, apagou de novo e assim ficou. No quarto, as pás do ventilador foram diminuindo a velocidade até pararem por completo. Um olhar no modem deu certeza: sim, a internet também morreu. Não é raro que falte luz ou internet em Algodoal. Mas é raro que das três e meia da tarde até a noite não consigam consertar. Nesse dia, as bodegas fecharam mais cedo, logo após as velas esgotarem. As ruas ficaram vazias. Só um pequeno grupo de pessoas vestidas de laranja passou em frente ao portão, a caminho da praça.
— Coincidência, hein? Logo hoje…
Na manhã seguinte, luz e internet já devidamente reestabelecidos, encontramos a filha do Zé na rua. Uma bandeira laranja enrolada sobre o ombro.
— E o comício de ontem?
— Mana, com essa falta de luz não deu. Ficamos sem som, sem comunicação. Não apareceu quase ninguém.
— Foi o que tô pensando que foi?
Ela respondeu com um olhar.
Um a zero pro azul.
Ilha de Algodoal, setembro de 2024