por Luiz Henrique Gurgel__
Goleiro é uma posição tão amaldiçoada
que onde pisa nem grama nasce
(Neném Prancha, 1906-1976, roupeiro, massagista e filósofo do Botafogo do Rio)
É verdade que com os gramados sintéticos, isso praticamente acabou. Até os heroicos campos de várzea estão se transformando: sai o terrão, ou o campo de grama rala e falha, entra a grama sintética, feita de restos de pneu ralado, pelo que sei.
Li que a IA (é a sigla de “Inteligência Artificial”, que anda muito usada e abusada) vai acabar com os cronistas, especialmente esses que ficam recordando fatos passados e postando na internet. Que sina! Ou Que fase! Para plagiar o bordão de um conhecido narrador de futebol. Cronista vai ter que ser mais repórter que outra coisa. Mas antes que a IA venha roubar a minha história e reescrevê-la com outra roupa, vou contar rapidinho a breve e casual consagração de um goleiro. É que 26 de abril foi o “Dia do Goleiro”.
A história envolve Pelé, mas Zaluar é o protagonista por causa da data, e ainda mais por acasos tortos. Ela aconteceu na minha vila natal e não se trata obviamente de um fato qualquer, falo simplesmente do dia em que Pelé fez o primeiro dos 1282 gols de sua carreira.
O feito se deu numa longínqua tarde de 7 de setembro de 1956, há quase 70 anos. Foi no Estádio Américo Guazelli, cancha do Corinthians F. C. de Santo André, since 1912, o Galo Preto de Vila Alzira, também conhecido como “Corintinha do Ipiranguinha”, clube de futebol do bairro em que nasci e cresci. Ele ainda existe, capengando.
O Santos F.C. — campeão paulista daquele ano — subiu a serra para uma partida amistosa no feriado da Independência e ganhou o jogo por 7 a 1. O sexto tento do time do litoral foi marcado por um menino de 15 anos, o Gasolina. Entrou no segundo tempo, no lugar do famoso Del Vechio, para alívio do volante Schamk, do Corintinha, que na hora da substituição teria gritado para o companheiro Zito: “Acabou a correria! Que moleque é esse aí?”. Minutos depois, aos 36 para ser exato, Schamk percebeu que a correria não tinha acabado. Foi confiante dar combate ao garoto de pernas finas, levou um drible desconcertante, deixando o menino frente a frente com o roliço Zaluar — terceiro goleiro do Galo Preto, ou seja, ele era o reserva do reserva — que numa saída atabalhoada só viu a bola lhe passar por baixo das pernas. Era o gol 0001 do garoto que viraria um mago da bola, verdadeiro Nijinski ou Nureiev (e que eu saiba esses dois geniais russos não faziam o que aquele fez usando uma bola).
E aqui entra a nota pitoresca desse feito histórico, ela ficou por conta do goleirão Zaluar. Anos depois, quando o menino Gasolina já era o Rei Pelé, Zaluar passou a usar uniforme com o número “0001” nas costas. Não satisfeito, confeccionou cartão de visitas em que se apresentava: “Zaluar Torres Rodrigues — Goleiro 1º Gol Pelé (07/09/1956)”, com endereço e telefone.
Mas só lembrei dessa história por causa do pernambucano Hailton Corrêa de Arruda, o lendário Manga, um dos maiores goleiros da nossa história, jogou pela Seleção Brasileira na Copa de 1966, além de ter sido mito do Botafogo do Rio, do Nacional de Montevidéu e do Internacional de Porto Alegre. O cabra jogou até os 45 anos e seu último clube foi o Barcelona de Guayaquil, no Equador.
É que o Dia do Goleiro, 26 de abril, surgiu justamente para homenagear o Manga, nascido nessa data e que este cronista, bem garoto, viu jogar nos idos de 1975 e 1976. Manga se foi neste último 8 de abril, aos 88 anos.