O viajante | Crônica de Carlos Monteiro

 

                                                        
                                                    
                                                     
                                                 
                                                          
                                                                
                                                                
                                                    
                                     
Viajante

(primeira parte)

 

No finalzinho dos anos 1970 e nos idos entre os anos 1980 e 1990, quando estava à frente da área de comunicação de um player do segmento têxtil, viajava muito país afora. Passava a semana fora retornando às sextas-feiras. Para ‘ganhar tempo’, usava uma tática simples: chegar à capital do estado visitado e de lá percorria as cidades e os respectivos clientes. Eram muitos, de diferentes portes, com realidades absolutamente díspares, anseios específicos e sazonalidades ímpares. Fazia o que, à época, chamava-se fell the merchandising como forma de agregar a ‘voz’, da comunicação corporativa, como um todo.

Nessa trajetória, privei de pessoas incríveis, lugares encantadores, estradas paradisíacas. A natureza esplendorosa do Brasil aflorando a cada curva das estradas. Situações absolutamente curiosas como a fonte, na então, não pavimentada Rodovia do Aço, próximo a Santa Rita do Jacutinga, divisa de Minas Gerais com o Rio de Janeiro, em que havia uma torneira.

Conheci o seu João Boquinha, em Bom Jardim de Minas, cidade cativante, obviamente, mineira. Ele, naquele período, era o único carteiro de lá. Dividia seu tempo entre as entregas de correspondências e um pequeno restaurante, em parceria com sua esposa. Comida tipicamente mineira com um detalhe significativo: todos os insumos utilizados vinham de seu vasto quintal. Tudo colhido ali na hora, sem agrotóxicos, orgânicos, num momento em que essa palavra existia somente no Aurélio e no Houaiss. Nosssinhora!! Uma gostosura. Sempre marcava pouso na cidade para desfrutar da prosa com este ilustre cidadão, apreciar uma ‘marvada’ sob a luz das estrelas, com trilha sonora de moda de viola. Dormia sob o coaxar que vinha do brejo e o despertar dos sabiás-laranjeira aboletados num marmeleiro contíguo à janela da estalagem. Ano retrasado estive por lá visitando o velho amigo. Com a diferença de estarmos mais velhos e o João ter se aposentado, nos Correios, após 40 anos, como missivista, tudo estava como dantes no quartel-restaurante do João. Noite regada a Abacatinho,  guaraná Mantiqueira e, é claro, uma pinga de primeiríssima, preparada em alambique próprio, envelhecida após várias filtragens. Uma fartura!

O canto dessa cidade é meu. Em Paraty — mar branco ou jazida do mar em tupi –, confesso; esta é minha terceira maior paixão cidadela. Paraty tem um quê de amor, um quê muito especial é musa-mulher fotográfica. Tem alma encantada, em ruas de pedras desalinhadas, casario ornado por eiras e beiras, maré alta, festas e mais festas — Flip, Festival de Bordadeiras, Fogaréu, Santos-Reis... Paraty-Mirim, Cepilho, Cachoeira do Escorrega, Vamos Nessa, Paratiana, Corisco... Uma festa!

(continua...)



Carlos Monteiro é fotógrafo, cronista e publicitário desde 1975, tendo trabalhado em alguns dos principais veículos nacionais. Atualmente escreve ‘Fotocrônicas’, misto de ensaio fotográfico e crônicas do cotidiano e vem realizando resenhas fotográficas do efêmero das cidades. Atua como freelancer para diversos veículos nacionais. Tem três fotolivros retratando a Cidade Maravilhosa.